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Falta Estado no mercado de consumo

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Atualizado em 24 de agosto de 2011 15:40

Brinquedos se quebram em parques de diversões e buffets infantis, matando e ferindo adultos e crianças; explosão de bueiro virou rotina na cidade do Rio de Janeiro; encontraram chumbo na tinta de milhares de brinquedos; milhões de litros de leite estavam contaminados com soda cáustica e outros produtos tóxicos; a grande indústria maquia produtos a toda hora; os aeroportos e a própria viação aérea não funcionam mais; anúncios enganosos e abusivos podem ser vistos aberta e impunemente etc.

O que esses casos que aconteceram e, recorrentemente, acontecem no Brasil (e em outros lugares do mundo) têm em comum? A falta de fiscalização e controle do Estado e, também, em parte, a ainda precária qualidade das informações recebidas pelos consumidores, destinatários finais dos produtos e serviços.

Dever do Estado

Não só por determinação constitucional e legal o Estado é o responsável pela fiscalização de tudo o quanto ocorre no mercado de consumo, mas também por questão de ordem política e social. Quando me refiro a Estado quero dizer todos os entes da Federação nas suas esferas de competência: a União, os Estados-membros e os Municípios.

Uma parte dos produtos e serviços oferecidos no mercado tem uma certa autonomia em relação à fiscalização do Estado, tais como a indústria e comércio de vestuário, a produção e distribuição de livros, jornais e revistas, a oferta de curso livres, etc. No entanto, um amplo setor da economia está não só atrelado às determinações do Estado diretamente ou por intermédio de suas agências e autarquias, como são explorações autorizadas a funcionar apenas pelo Estado ou mediante concessão. Não é porque o Estado privatizou certos setores que não tem mais responsabilidade sobre eles.

Ganância

Não adianta acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de "lei" de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: os empresários modernos e as grandes corporações que eles dirigem querem, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso eles tenham que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços. Para lucrar mais, esses empresários acabam correndo mais risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.

E, com o fenômeno da chamada globalização, o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc., as grandes corporações acabaram por mudar seus polos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade.

As conhecidas marcas mundiais passaram a atuar cada vez mais no marketing de manutenção da grife e, em alguns casos, tais marcas foram produzidas já no ambiente globalizado iludindo os consumidores que acabam adquirindo a marca em detrimento do próprio produto. Dizendo em outros termos: o fato do produto ou serviço ser oferecido por marca conhecida mundialmente não garante sua qualidade.

Pode até ser que outrora o produto feito na matriz em que foi criado fosse bom, mas não se pode mais garantir que continue sendo, na medida em que são produzidos em locais que não tem mão de obra qualificada e ambiente de trabalho solidificado na experiência.

Brinquedos

Veja-se o caso dos brinquedos: nos últimos anos foram acumuladas dezenas de recalls das grandes indústrias para a retirada de centenas de produtos de baixa qualidade e que colocaram - e ainda colocam - em risco a saúde e a vida das crianças. São brinquedos feitos em países que não tem como preocupação a qualidade e, na hipótese, o que é mais importante, a segurança de seu público alvo, as crianças.

Mito no Brasil

Eu aproveito o exemplo dos brinquedos para ingressar num dos assuntos que interessa em especial ao consumidor brasileiro e que, a meu ver, se for por ele internalizado ajuda em muito a garantia de seus direitos. É o do mito (ainda) de que produtos estrangeiros são melhores que os nacionais.

Faz muito tempo que isso deixou de ser verdade. Na área dos brinquedos, por exemplo, o Brasil tem um dos melhores sistemas de controle de qualidade e segurança daquilo que é oferecido. Mas, não é só nessa área. Na de produção de automóveis, de móveis, de produtos da chamada linha branca, eletrodomésticos e eletroeletrônicos etc. Nossos produtos são iguais ou melhores que os produzidos em outros lugares do mundo. E os consumidores, quando adquirem nossos produtos, de quebra, ajudam na manutenção dos empregos dos brasileiros. Penso, pois, por isso, que cabe ao consumidor brasileiro, antes de comprar produtos importados, olhar o nacional (sei, claro, que atualmente há preços favoráveis nos produtos importados, por causa da valorização do real, mas ainda assim não se deve esquecer do ditado popular que diz que "o barato sai caro").

Fiscalização

Ora, como a regra mercadológica é faturar ainda que piore a qualidade e segurança dos produtos e serviços, exige-se maior participação do Estado diretamente na economia. É um grave erro o Estado sair do mercado, deixando que este resolva os próprios problemas criados. Muitas vezes, é apenas o Estado que pode resolvê-los.

Tome-se o exemplo da crise aérea. Aliás, interminável, com quebras de companhias de aviação (Varig, BRA, etc.), problemas de infraestrutura e administração nos aeroportos, esquemas escusos inventados e implantados pelas companhias aéreas contra os consumidores cujo maior expoente, mas não o único, é o overbooking, além do mau atendimento, atrasos regulares, cancelamentos inexplicáveis etc. Nesse setor a responsabilidade do Estado decorre diretamente de seu direito e dever de fiscalização. As companhias aéreas não podem atuar sem a autorização direta dos órgãos governamentais e não podem também fazer promessas e ofertas ao público consumidor que violem o sistema legal nem girem seu negócio com incompetência administrativa isenta de fiscalização.

O mesmo se dá em vários outros setores: no de brinquedos, claro, no de alimentos (é preciso cuidar de criar cargos de agentes que fiscalizem os agentes para evitar fraudes criminosas como a do leite de Minas), no de medicamentos, no financeiro etc. (nem preciso referir o caso da crise financeira mundial de 2008, que nasceu, como se sabe, da desregulamentação do mercado).

O mercado livre

Enfim, a cada dia que passa, fica mais demonstrado que a chamada era do mercado de consumo livre de intervenção estatal exige sim uma ação direta do Estado, em todas as suas áreas de competência e atuação, para garantir o mínimo de qualidade e segurança dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Lembro que no Brasil há leis claras sobre o assunto, dentre as quais destaco a Constituição Federal (arts. 173 e seguintes) e o Código de Defesa do Consumidor.

E, quanto ao consumidor, é preciso muita atenção às ofertas enganosas. Não deve ele acreditar que dá para comprar passagem para a Europa pagando apenas o preço de ida impunemente, nem que brinquedos que concorrem com similar nacional podem ter a mesma qualidade, apesar de custarem a metade do preço ou menos. Não se deve esquecer que nada é de graça no mercado de consumo até porque, para usar outra expressão da qual gosto muito, de autoria de Octávio Paz, "o mercado sabe tudo sobre preços, nada sobre valores".