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Miscelânea consumerista

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Atualizado em 21 de setembro de 2011 11:44

Uma das definições para o substantivo "miscelânea" no Aurélio é "mistura de coisas diversas". Consumerista, palavra que ainda não consta de alguns dicionários, é adjetivo que qualifica a pessoa especializada em Direito do Consumidor ou defensora do consumerismo, que por sua vez tem origem no substantivo inglês consumerism, que é o movimento que reúne pessoas e associações que defendem os direitos e interesses dos consumidores. Por extensão, podemos dizer que uma miscelânea consumerista é aquela que reúne vários episódios envolvendo o consumidor, seus direitos e interesses.

Muito bem. Os últimos dias no país foram ricos em ocorrências envolvendo os direitos dos consumidores. Sei, claro, que não passa uma semana em que não haja algo relevante no setor, mas quero comentar os últimos incidentes que foram relevantes.

Começarei pela greve dos correios, depois falarei do acidente na estrada Imigrantes, que liga São Paulo a Santos e terminarei com questões menores como promoções de refrigerantes e uso de blusas.

Primeiramente, a greve dos correios, que no momento em que escrevo este artigo é anunciada no site oficial da empresa como entrando em declínio para seu fim.

Tenho referido os correios no Brasil como exemplo de serviço de alta qualidade e eficiência. Ou, como digo, um dos caminhos mais rápidos entre dois pontos é o correio. Realmente, é induvidoso que esse é um dos melhores serviços públicos do país e que cumpre a missão estatal que se espera obter de todo serviço essencial (público, privado ou privatizado). Mas, por conta da paralisação, muitas pessoas podem já ter sofrido danos ou ainda podem vir a sofrer até a completa regularização do sistema.

  • Responsabilidade objetiva da ECT

Evidentemente, todo dano causado aos usuários é de responsabilidade primeira da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) por expressa disposição do Código de Defesa do Consumidor. É que ela responde pelos vícios ou defeitos de seus serviços, o que inclui, naturalmente, a ausência dos mesmos.

Para que a ECT seja responsabilizada, não há necessidade de que seja apurada sua culpa, eis que a sua responsabilidade é objetiva e decorre da exploração da atividade empresarial desenvolvida e seu risco. O empreendedor público, privado ou de atividade privatizada explora o mercado de consumo e a própria exploração da atividade gera risco social, independentemente de sua vontade.

É lógico que, por exemplo, quando uma correspondência entregue pelo consumidor aos serviços do correio não chega a seu destino no prazo ou simplesmente se extravia, essa falha não se dá por interesse da empresa. Ela não decorre da vontade dos administradores da ECT, mas da atividade em si, eis que falhas sempre existirão no sistema de leitura ótica, na incorreta observação do pessoal que faz seleção dos envelopes e pacotes, no transporte, etc. Portanto, o dano existirá, apesar da vontade em sentido contrário dos administradores e funcionários.

  • Danos sofridos

A lei sabe disso. Ela sabe que, apesar do esforço do prestador do serviço, em algum momento, por evento imprevisto, o serviço falhará, causando danos ao consumidor. Naturalmente, a responsabilidade é a mesma na ausência do serviço, como a que ocorre no período de greve e que persistirá mesmo após seu fim por mais algum tempo até que o mesmo se normalize.

Por isso tudo, a lei estabeleceu a responsabilidade objetiva. Basta a constatação do serviço contratado e seu defeito para que possa ser pedida indenização.

  • O problema das contas que vencem nesse período

A ausência de um serviço como o dos correios sempre gera danos em larga escala, atingindo fornecedores e consumidores. Nos serviços massificados, como os de telefonia, tevês a cabo, cartões de crédito, empréstimos bancários, etc., o serviço dos correios é fundamental para seu funcionamento. Isto porque, é através dele que a maior parte dos milhões de faturas é entregue mensalmente para pagamento.

  • Consumidor responsável

Entretanto, o não recebimento de uma fatura não retira a responsabilidade do consumidor em pagá-la no prazo se o credor manda as faturas pelo correio mas, simultaneamente, coloca à disposição do consumidor outro modo de quitar o débito.

Cabe ao fornecedor entregar as faturas antes da data do vencimento. Todavia, com a paralisação dos serviços do correio, a entrega fica prejudicada. O fornecedor, então, tem de oferecer uma alternativa de pagamento ao consumidor. As segundas vias devem ser oferecidas via fax, e-mail, acesso ao site, por ligação telefônica, etc. Se essas segundas opções são oferecidas, cabe ao consumidor utilizá-las para o pagamento da dívida.

Aliás, é bom lembrar que quando os serviços dos correios não estão paralisados, isso não impede que alguma correspondência não seja entregue. Logo, mesmo fora desse período crítico, pode acontecer do consumidor não receber fatura para pagamento dentro do prazo ou simplesmente não recebê-la.

  • Engavetamento

Como é sabido, no caso de muita neblina e baixa visibilidade, a Ecovias, concessionária responsável pela administração do sistema Anchieta-Imigrantes aciona a operação "comboio", reunindo um grupo de veículos (segundo informações divulgadas, no número de 500) que faz a viagem em bloco, acompanhados por carros da Polícia Militar Rodoviária. Fiquei surpreso em saber que a operação não é acionada nas pistas de sentido litoral-capital, mesmo com muita neblina; o acionamento se dá apenas no sentido inverso.

E a existência por si só de uma operação desse tipo demonstra que o administrador da rodovia pode - e deve - intervir para controlar o tráfego em momentos de risco (como se espera, por exemplo, que o controlador do tráfego aéreo faça quando há risco para pousos e decolagens de aeronaves).

Claro que, com operação comboio ou não, não se pode excluir a responsabilidade dos motoristas, que em caso de pouca visibilidade deve dirigir em baixa velocidade, com cautela e atenção redobradas.

Acontece que o Código de Defesa do Consumidor, incidente na hipótese, diz que, em caso de acidente de consumo, o fornecedor é o responsável se não comprovar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Faltando o serviço ou em sendo este falho ou ineficaz e ao mesmo tempo o consumidor concorrendo para o evento, o caso é de culpa concorrente que não livra o fornecedor da responsabilidade de indenizar (art. 14, "caput" e especialmente os §§ 1º e 3º).

  • Questões mais amenas

Meu amigo Walter Ego me ligou dizendo que seu sobrinho tentou participar de uma promoção e não conseguiu. Seria para comprar um refrigerante e receber outro igual de graça. Ao que consta a promoção era para durar dois dias e, segundo a empresa, em apenas um foi esgotado o estoque de trinta dias. O Procon/SP, inclusive, notificou a empresa porque a promoção pareceu enganosa.

Eu respondi ao W. Ego que a situação parecia-me irônica e paradoxal, pois certamente os consumidores que não conseguiram adquirir os produtos é que foram beneficiados. Falei: "quem disse que vale a pena ingerir refrigerantes repletos de açucares e outros produtos químicos em dobro?".

Pior ficou a situação da Lacoste: ela está tentando evitar que o psicopata norueguês Anders Breivik que matou 77 pessoas, use em público suas roupas, nas quais se pode ver o crocodilo estampado. Meu amigo perguntou: "quer dizer que agora as 'empresas de marca' podem escolher quem serão os consumidores que compram e usam suas roupas?". É. Precisamos tomar cuidado, pois talvez chegue um dia em que o fornecedor escolha quem é que pode usar seus produtos. W. Ego disse que já chegou: ela é feita pelos preços, pelo modo de entrega, pelas imposições de comportamentos, etc. Aliás, o Brasil já importou há muito tempo, dos Estados Unidos, o modo abusivo e preconceituoso de impedir que certos consumidores ingressem em boates com as escancaradas escolhas de quem pode entrar feitas nas portas. Pura discriminação!