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O mercado de consumo não gosta de consumidores felizes?

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Atualizado em 2 de abril de 2014 10:36

Volto ao tema da felicidade e mais uma vez focado no problema do consumismo. Eu já tive oportunidade de levantar um questionamento a respeito da felicidade como produto de consumo e, na oportunidade, tentei mostrar que, ao que tudo indicava, o mercado promete, explícita ou implicitamente, a felicidade, que pode ser alcançada a partir e pela aquisição de produtos e serviços, mas que isso funciona como um chamariz para as compras e como uma ilusão. As propostas feitas mostram que os fornecedores conhecem profundamente os consumidores em suas dificuldades, necessidades, anseios, desejos, etc. e, por isso, por trás de muitas ofertas, surge essa promessa como uma espécie de esperança apresentada.

Do ponto de vista do consumismo, isto é, das compras exageradas de produtos e serviços, muitas delas desnecessárias, isso talvez explique um círculo vicioso contínuo e interminável: o consumidor vai ao mercado procurar a felicidade - ainda que isso não esteja claro com todas as letras em sua mente - e, para tanto, compra sapatos, relógios, roupas, viagens, veículos, etc. Mas, como nem sempre se consegue chegar ao objetivo de se sentir feliz por esse meio, continua comprando na esperança vã de atingi-lo.

Muito bem.

Definir felicidade não é tarefa fácil. É possível encontrar-se dezenas de opiniões e posições no âmbito da filosofia, da religião, da psicologia, etc. A felicidade seria a ausência do sofrimento; um estado de plenitude, de êxtase ou júbilo intenso; os momentos de paz e tranquilidade; um estado durável de emoções positivas, etc.

No cristianismo, por exemplo, o amor é um modo de atingimento da felicidade, no que se inclui a caridade. É o amor a Deus sobre todas as coisas e a seu próximo como a si mesmo, que faz com que a pessoa ganhe sua vida.  Querer encontrar a felicidade no receber é egoísmo e frustrante, porquanto há mais felicidade em dar do que em receber. Amor é doação e o amor que se dá nunca se perde: tanto mais que se o dê, mais ele cresce.

No que respeita às sociedades capitalistas, há uma difusão de que felicidade é algo ligado ao dinheiro, à aquisição de bens. São bem conhecidos os slogans, que, com sua força simbólica, reforçam esse aspecto puramente materialista e de aquisições:

"Dinheiro não compra felicidade, mas manda busca."

"Dinheiro não compra felicidade, mas é melhor ficar triste numa mansão ou num carrão último tipo."

"Dinheiro não compra felicidade, mas compra algo bem parecido." 

Não pretendo fazer uma discussão sobre o conceito nem buscar uma melhor definição. Basta que aceitemos o fato de que as pessoas  desejam ser felizes. Mas, proponho uma reflexão: será que o mercado de consumo quer mesmo que as pessoas  sejam felizes?

Recentemente, recebi um texto da professora Mirella Caldeira Fadel, doutora em Direito pela PUC/SP, no qual ela questiona exatamente a promessa de felicidade feita aos consumidores, dizendo que, ao contrário do que parece, tudo leva a crer que o mercado prefere consumidores infelizes aos felizes. Diz a professora: "A felicidade não é eterna, ao contrario, é efêmera. Ninguém é feliz. A pessoa está feliz. Temos momentos de felicidade, mas não conseguimos ser feliz o tempo todo. A esperança de quem se sente feliz é poder eternizar o momento".

Assim, a felicidade é passageira e é também uma utopia, pois não se realiza plenamente, pelo menos para milhões ou bilhões de pessoas. Acontece que, como utopia, ela movimenta os indivíduos. Como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano: "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".

Tudo leva a crer que há aí mais um dado de controle e inteligência do sistema capitalista: a alimentação constante e bem engendrada dessa utopia da conquista da felicidade.

A professora Mirella complementa: "... essa felicidade não tem a ver com o capitalismo contemporâneo. Ela não é alcançada pelo consumo; quem esta feliz nem precisa consumir"; "... quem está feliz, vê beleza nas coisas mais simples. Aprecia o pôr do sol e uma tarde no parque com os filhos. E basta. Não há vazio a ser preenchido".

E, como entre um momento de felicidade e outro, as pessoas voltam, digamos assim, à realidade nua e crua com seus problemas, temores, desejos, alegrias, sofrimentos etc., surge o perigo: a oferta de produtos e serviços para suprir essas necessidades. Como explica a professora Mirella: "Os intervalos entre esses momentos felizes é que são perigosos. Porque a angústia, a ansiedade, o sofrimento e a sensação de vazio motivam as pessoas a consumirem, visando atenuar essas sensações. Eis, pois o estado de espírito que o capitalismo precisa"

 
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Ou, dizendo em outros termos, pessoas felizes não são boas para o capitalismo, pois consomem menos ou nem consomem. Se muitos consumidores tornassem-se felizes em muitos momentos, se conseguissem prolongar o tempo dessa sensação, desviariam a atenção das compras.

De fato, o excesso de consumo não pode ser bom. Não só o excesso, como o gasto financeiro que o acompanha e que é estimulado pelo mercado.

Nós, estudiosos consumeristas que combatemos o consumo exacerbado, desmesurado, descontrolado, desnecessário temos, então, um desafio: encontrar modos de realização dessa utopia. Como tornar as pessoas mais felizes, mais tempo? Talvez, indicando os caminhos da simplicidade; da volta à natureza; do prazer em admirar a beleza das flores e dos jardins; e do sol, quando nasce e quando se põe; e também da lua em todas as suas fases e formas; com a alegria da aproximação com os amigos e da convivência em família, enfim, das coisas que valem a pena, independentemente de estarem sendo anunciadas e vendidas em shopping centers ou lojas reais e virtuais com preços à vista ou a prazo.

Sei que não incentivar o consumo é algo que vai contra toda política econômica da atualidade, cuja manutenção e crescimento são baseados quase que exclusivamente no consumo e que, aliás, por isso mesmo está destruindo o planeta. Bem, mas não é problema de quem quer ser feliz sem consumir. Se o consumo decrescer por esse motivo - pessoas que estão felizes - certamente encontrar-se-á outro caminho, e até mais justo, equilibrado e que respeite a natureza e as pessoas visando à manutenção do progresso tecnológico e econômico.

Eis, pois, essa teoria para reflexão: mais felicidade, menos consumo.

Para terminar, deixo indicado um texto conhecido de uma placa sobre a felicidade que alguém colocou na porta de entrada de sua casa:

 Todos trazem felicidade a esta casa.

Uns quando entram, outros quando saem.