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África do Sul Connection nº 11

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Atualizado às 07:44

Caos parlamentar

Foi chocante. Parlamentares oposicionistas pediam licença à presidente da sessão para questionar o presidente da República, Jacob Zuma, sobre quando ele ressarcirá os cofres públicos maltratados pela reforma de sua casa, estimada em R246 milhões e incluindo a construção de uma piscina e um anfiteatro. Era o State of the Nation, ocasião na qual o presidente da República fala ao Parlamento. Foi quando agentes de segurança, vestidos como garçons, arrancaram a pontapés os membros do EFF (Economic Freedom Fighter), caricato partido de extrema esquerda que faz uma oposição visceral ao presidente. A cerimônia já não havia começado muito bem. Os jornalistas alegaram que os sinais de seus celulares haviam sido bloqueados. O episódio fez com que o líder do DA (Democratic Alliance), de oposição, enfatizasse a violação à liderdade de expressão. "A Constituição é somente uma referência" - respondeu a presidente da sessão ("speaker"), Baleka Mbete, do ANC, partido da situação, que não soube explicar o bloqueio dos sinais nem a presença de agentes de segurança disfarçados dentro do Parlamento arrancando a bofetadas parlamentares oposicionistas.

Caos constitucional

A Constituição da África do Sul estabelece um sistema multi-partidário de governo democrático que assegure prestação de contas, responsabilidade e transparência. A cláusula 4ª do "2004 Powers, Privileges and Immunities of Parliament and Provincial Lesgislatures Act" permite que o serviço de segurança entre no Parlamento com a permissão e sob a autoridade da "speaker". A cláusula 11ª permite a remoção de "pessoas". A lei fala, em parágrafos diferentes, em "pessoas" e em "membros" do Parlamento, deixando claro as diferenças entre eles. Não há base legal, nem constitucional, para o lamentável episódio que expulsou parlamentartes do EFF na cerimônia do State of the Union.

Ressaca

Entre amigos, o presidente Jacob Zuma usou a ocasião para falar à vontade. Discorreu sobre desemprego, criminalidade, eletricidade e reforma agrária. Dia seguinte, o ministro da Segurança de Estado, David Mahlobo, foi chamado a explicar o bloqueio dos sinais dos celulares. Não explicou. A presidente do Parlamento (speaker), Baleka Mbete, chamou o presidente do EFF, Julius Malema, de barata, mas pediu desculpa depois. Para o líder do DA, o presidente Jacob Zuma é "um homem aos pedaços". O presidente, em resposta, afirmou: "Todos nós temos a responsabilidade de fazer o Parlamento funcionar". Também disse: "Nós precisamos preservar a dignidade do Parlamento". E encerrou: "Nós temos a responsabilidade de proteger a Constituição". Em seguida, caiu na gargalhada.

Mineração

"Há uma enorme quantidade de capital no mundo aguardando investimento, mas para conseguir isso, os africanos têm que eleger governantes de qualidade. E governamente de qualidade não deve ser somente honesto, deve também ser eficiente" - disse o ex-primeiro ministro inglês Tony Blair, semana passada, na 20ª Investing in Africa Mining Indaba, evento de mineração realizado no Cape Town International Convention Center patrocinado por mais de 400 companhias e contando com mais de 7.000 delegados, incluindo grandes delegações da Austrália e do Canadá. A inglesa Euromoney adquiriu os direitos do evento por $78 milhões. Um ingresso pode custar R23.000. O ministro de Recursos Minerais, Ngoako Ramatlhodi, esteve lá. Afirmou que pretende solucionar greves de mineiros com compromissos arbitrais. A intenção é fruto do trauma deixado com a greve de cinco meses ano passado que acarretou prejuízo de R36 bilhões. Também falou numa revisão do modelo de compliance das mineradoras. O ministro afirmou que uma alteração à legislação de recursos minerais está em curso e a Corte Constitucional será consultada. Nela, pretende-se separar petróleo e gás dos outros minerais. Também definir quais minerais serão tratados como estratégicos. Carvão e minério de ferro são exemplos. Com a definição, o governo ganha liberdade para interferir na política de preços. Outro assunto diz respeito ao Black Economic Empowerment - BEE. Ele afirmou que todos os dados do programa estarão disponíveis on-line. Para conseguir uma licença de mineração na África do Sul é preciso que pelo menos 26% dos proprietários da companhia sejam negros e, além disso, envie esfoços para tudo o que seja adquirido de fornecedores venha de, pelo menos, 40% de companhias geridas por negros. É o chamado BEE. Também anunciou um programa de melhoria nas condições de moradia nas regiões dependentes da mineração. R2.1 bilhões já foram investidos e mais R290 estão orçados para investimentos em assentamentos.

O outro lado

Há cinco quilômetros dali, em Woodstock, ocorria a Alternative Mining Indaga, com trabalhadores fazendo reinvidicações. As queixas trataram da poluição do ar e da água, empregos dados para pessoas de fora da comunidade e aumento da pobreza entre eles. São compromissos assumidos pelos países africanos por meio do "Mining Vision for África", projeto de iniciativa das Nações Unidas, que precisam sair do papel. A feira alternativa contou com representantes de 37 países. Na África do Sul, os investimentos da mineração são de 12% do total, mas se somados os indiretos alcançam 25%. O país é o primeiro entre os BRICS em disponibilidade das mais modernas tecnologias. O setor é o terceiro maior, representando aproximadamente 8% do PIB e criando um milhão de empregos diretos e indiretos.

Contra a maré

O Regime Tributário de Mineração da Zâmbia entrou em vigor em janeiro. Os royalties saltaram para 8% sobre minas subterrâneas e 20% em minas abertas. O Banco Mundial anunciou, em dezembro, que a escalada representará perda na arrecadação, desemprego e queda da produção de carvão, com aumento do preço do ferro ou encerramento da produção. O setor estima o fim de 12.000 postos de trabalho. Ele representa 12% do PIB e 10% de todo o emprego gerado. A Zâmbia perdeu, em 2013, a sua posição de maior produtor de carvão do mundo para a República Democrática do Congo.

Reforma tributária

Nessa quarta-feira a África do Sul tem um encontro com o seu futuro. O ministro das Finanças, Nhlanhla Nene, falará no Parlamento sobre o orçamento. Anunciará a reforma tributária. Recém-empossado, ele está diante de um déficit de R153 bilhões, 4.1% do PIB. Até o próximo ano fiscal tem de elevar a arrecadação em R12 bilhões. Dentre as medidas, está o aumento do imposto corporativo, além de aperfeiçoar sua fiscalização. Também a ampliação do imposto de renda pessoal (Personal Income Tax - PIT) e do imposto sobre valor agregado (Value-Added Tax - VAT). É certo o aumento dos combustíveis. Estima-se que 60 centavos de acréscimo representaria um incremento na arrecadação de R13.5 bilhões. A África do Sul cogita ainda uma escalada rumo aos "super ricos", contribuintes cujo PIT incida sobre uma renda superior a R1 milhão. A alíquota bateria a casa dos 45%, arrecadando R7 bilhões. A ampliação do PIT não é bem vista, mas a do VAT é, pois não alcançaria o consumo de itens básicos como ovos, pão, peixe e soja. A ideia é ampliar em 1% chegando a 15% e arrecadando R20 bilhões.

Seguindo a OCDE

O Comitê Tributário Davis indicou, num documento de mais de 300 páginas, medidas a serem tomadas pela África do Sul visando adequar-se à OCDE quanto à implementação do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). O primeiro passo é a regulamentação do e-commerce, fixando-se um conceito que abarque a propaganda on-line e que distingua as transações "business-to-business" das transações "business-to-consumption". Também sugere que residentes estrangeiros apresentem anualmente suas declarações de imposto de renda, indepentende de ter ou não estabelecimento permanente no país. O documento critica aspectos das zonas econômicas especiais e adverte quanto a crédito tributário internacional neutralizado por deduções posteriores. Exorta a uma explicitação legal de cláusulas anti-elisivas decorrente da interpretação de tratados internacionais, além da revisão de tratados com paraísos fiscais. O tratado África do Sul - Ilhas Maurícios pode ser o primeiro. Há, por fim, recomendações sobre os preços de transferência, reforçando a necessidade de apresentação compulsória dos documentos de submissão deles por corporações que faturem mais de R1 bilhão.

Indenização em duplicidade

Noelle Margaret Beyers, mãe de três filhos e viúva, acabara de sair da cadeia e se adaptava a nova vida e ao novo emprego quando foi atropelada e morreu. Os filhos, de 14, 9 e 6 anos ficaram sob os cuidados da avó, Freda de Long. Ela ganhou R150.000 do Estado para cuidar das crianças até a maioridade. Equivalia a R770 por mês para cada um. Moveu-se outra ação contra o Road Accident Fund, responsável por indenizar vítimas de acidentes em rodovias nacionais. Nessa ação, ela ganhou R112.942, em 2013, mas uma decisão unânime da Suprema Corte de Apelação determinou que a quantia fosse deduzida da indenização anterior, ao argumento de que o Estado não poderia pagar duas vezes pelo mesmo episódio. A Corte Constitucional decidiu, semana passada, analisar a questão. Alfreda, uma das crianças, tem hoje 22 anos e é estudante de turismo. Elton tem 19 anos e está desempregado. O outro filho não mora com a avó.

Discurso de ódio

A Comissão Sul-africana de Direitos Humanos confirmou que está investigando o presidente do país, Jacob Zuma, por ter supostamente se valido de hate speech (discurso de ódio) ao afirmar que tudo de pior no país começou em 1652, quando Jan van Riebeeck aportou em Cape Town. Os líderes do partido Freedom Front Plus apresentaram a reclamação, mas há duas queixas adicionais. Riebeeck representa a comunidade holandesa ou descendente de holandeses que iniciaram a colonização do país.