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Hebe

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Atualizado às 08:45

 

"Saber que se está com câncer é um choque. Sentimo-nos traídos pela vida e pelo próprio corpo. Mas ficar sabendo de umas recaída é terrível. É como se descobríssemos de repente que o monstro, que acreditávamos ter abatido, não está morto, e não havia parado de nos seguir na sombra, e terminou nos pegando"

David Servan Schreiber, Anticâncer

Diz a biografia oficial que ela nasceu na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, em 08 de março de 1929, filha do violonista Fego Camargo. Iniciou sua carreira como cantora, atuou em várias emissoras de rádio, em diversas capitais do Brasil. O primeiro trabalho de Hebe foi ao lado de sua irmã Estela e das primas Helena e Maria. Depois ela e a irmã formaram uma dupla sertaneja. Aí veio o primeiro contrato como cantora-solo, nas Rádios Tupi e Difusora de São Paulo. Quando veio a televisão, foi contratada por Dermeval Costa Lima, o todo poderoso da TV Paulista, no início de 1952.

O que a biografia oficial não diz é que ela era morena, tinha sobrancelhas que pareciam duas taturanas se beijando. Carinha comum, corpinho comum e nada sexy. Mas se dizia que ela e o Costa Lima sei não, sei não, coisa que ela, sempre desbocada, jamais admitiu, dizendo até que era amiga da mulher do chefe. Então tá.

Digo eu que foi aí que nos conhecemos.

Foi assim: a emissora de televisão onde ela atuava apresentava um programa tipo "A felicidade bate á sua porta". A felicidade, na verdade, era um caminhão que ia até uma casa de bairro e se a moradora tivesse ali algum produto fabricado pelo patrocinador do programa, ganhava um pacote disto e mais uma caixa daquilo. Para consolar as vizinhas despeitadas, baixavam-se as "guardas" do caminhão, que se transformava num palco tosco, onde dois ou três músicos acompanhavam a cantora que era ninguém menos do que a Hebe. O público, evidentemente, eram as donas de casa, matronas que, naqueles idos, jamais pensariam em queimar sutiãs, tomar anticoncepcionais ou trabalhar fora de casa. Além delas, as crianças que já haviam voltado da escola por ali se acotovelavam. Dentre elas, um garoto espichado, um "pirolão", como então se dizia. Ninguém menos do que este que vos fala, uns 8 anos mais novo do que a precoce cantora.

Naquele dia o repertório terminava com "Beijinho doce", que ela encerrava com um beijo na palma da mão e um sopro na direção do galã escolhido, que era ninguém menos do que o tal pirolão, que procurou um buraco no chão para enfiar a cabeça.

O tempo foi passando, mais depressa para mim do que para ela, eu fui envelhecendo e ela cada vez mais moça, agora distribuindo beijos a granel, os tais "selinhos". Em certo programa ela tentou dar uma selada no Jamelão e quase levou um safanão. "O que que a patroa vai dizer quando eu chegar lá em casa?" protestou ele, com aquele vozeirão que nos encantava.

Tivemos algo em comum: um primeiro câncer. Alguns médicos, atrevidamente, depois de um tratamento bem sucedido, dizem que o câncer está curado. Outros advertem que, naquele tipo de câncer (pois câncer é como rosa: há de muitas cores) o risco de recidiva (nome que eles dão à reincidência) é de 30, 40 ou 50%. Outros, mais drásticos, dizem que o câncer é uma moléstia crônica, que, como tal, deve ser fiscalizada por todo o resto de vida. O fato é que, superado o primeiro, tivemos um segundo, do qual ambos nos safamos. Veio um terceiro e cada um de nós procurou driblá-lo como nos permitia o bom humor e os avanços da medicina, nome, aliás, bem escolhido do Instituto da Dra. Nise Yamaguchi, que é quem tem cuidado dos meus com tal dedicação que merece o registro.

Adeus, colega.