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A proibição do castigo aos menores

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Atualizado às 07:57

Em julho de 2010, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o PL 7.672 (clique aqui), para atender ao compromisso de adequar a legislação brasileira a uma Resolução da ONU. Tal PL propõe, em síntese, a alteração de alguns dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), de forma a proibir a imposição de castigo corporal ou tratamento cruel à criança e ao adolescente. Na semana passada, a deputada Teresa Surita, Relatora da Comissão Especial designada para tanto, apresentou parecer propondo modificação para renumerar o artigo 18 do ECA e não o 17, inicialmente indicado, bem como endossando a constitucionalidade e absoluta conveniência do referido projeto de lei.

De acordo com a última proposta, o art. 1º., que é o texto base do Projeto, propõe o acréscimo do art. 18-A no ECA, com a seguinte redação: "Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou proteger".

O assunto é extremamente delicado. De um lado, a lei visa à proteção física e psíquica do menor; de outro lado, representa interferência do Estado na esfera particular da família, para modular a educação sem qualquer espécie de castigo corporal.

Os defensores da proposta apoiam-se fundamentalmente na dignidade da pessoa humana, no movimento internacional para a educação sem castigo e nos potenciais traumas que eventuais castigos podem gerar na formação da personalidade.

De saída, observo que sou radicalmente contra a utilização de violência, de qualquer espécie, na árdua tarefa de educar. Sim, tenho filhos que requerem, em algumas circunstâncias, conduta mais enérgica. Educar não é apenas participar e estar ao lado do filho. Essencialmente, educar é orientar, impondo limites claros aos comportamentos inadequados.

Apesar de a violência e a imposição de castigo funcionarem para a imposição de limites, as suas consequências podem mesmo ser desastrosas. Além dos possíveis traumas, toda criança se espelha em seus pais e, em grande parte, absorvem seus comportamentos como modelos de conduta. Assim, violência gera violência. A criança, sempre que estiver em situação de conflito ou contrariedade, fará aquilo que aprendeu em casa. Dias atrás, meu filho, de apenas 5 anos, depois de ter seu pé pisado sem querer pelo pai distraído, advertiu: "Papai, por favor, antes de ir trabalhar sente aqui no sofá, pois preciso ter uma conversinha séria com você". Embora ele ainda não tenha compreendido como eu gostaria que a autoridade tem mão única, o seu objetivo era o de me dar uma bronca e agiu como aprendeu na situação inversa.

Se de um lado é claro que a violência e o castigo corporal não constituem a melhor solução para a educação ou punição do menor desobediente, de outro lado, a proposta legislativa provoca algumas indagações: constitui papel do Estado dizer como os pais devem educar seus filhos? A liberdade (dos pais), como direito fundamental, também não seria um dos alicerces da cidadania e da dignidade da pessoa humana? O Estado tem o papel de substituir o cidadão em suas escolhas?

É importante lembrar da existência dos artigos 17 e 18 do ECA, ambos claros e bem redigidos à respeito de alguns dos direitos da criança e do adolescente. O primeiro diz que "o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais"; e o segundo: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".

Os exageros cometidos pelos pais na imposição de castigos, além de ilegais, podem ser tipificados como crimes.

Por tudo isso, numa análise perfunctória, parece-nos que embora o objetivo da proposta seja nobre, eventual modificação legislativa será inócua. Os abusos continuarão existindo porque aquele que não atenta para os direitos básicos de seus filhos, que age com desamor, certamente não será inibido por legislação mais detalhada e precisa sobre como educar e impor limites a crianças e adolescentes.

Além disso, lei nova não muda a personalidade, a forma de pensar e de se comportar de pessoa madura, no que se refere à educação de seus filhos. Aquele que na infância e adolescência sofreu alguma espécie de castigo corporal pode, por um lado, ser traumatizado, mas por outro lado também pode se considerar uma pessoa que deu certo com a educação que recebeu. E, se fizer parte desse segundo grupo, não descartará repetir os métodos educacionais experimentados no passado.

Traumas decorrentes da (má) educação não são evitados por lei. Ninguém é criado numa redoma. Somos produtos de acertos e desacertos de nossos pais, de nossas escolas, enfim, dos eventos de nosso passado. Um pai ausente, relapso, pode ser pior do que o excessivamente rígido. E traumas podem surgir não somente de palmadas bem dadas. Brigas entre os pais podem traumatizar tanto quanto ou mais. A seguir nesse ritmo, daqui a pouco o legislador determinará que os pais devem fazer no mínimo cinco refeições semanais à mesa com seus filhos, porque isso também é bom para a formação da pessoa.

É curioso notar que o parecer da deputada Teresa Surita foi apresentado na mesma semana (semana passada) em que o ministro do STF, José Antonio Dias Toffoli, foi entusiasticamente elogiado pela imprensa no julgamento, ainda não concluído, de caso em que é relator, versando sobre a classificação indicativa de programas de rádio e TV. Segundo ele, não compete ao Estado "substituir os pais na decisão sobre o que podem ou não os filhos assistirem".

A voracidade para produzir leis, em alguns casos duvidosas, contrasta com a inércia injustificável do Poder Legislativo para legislar sobre situações inequivocamente relevantes, como a questão das relações homoafetivas e do aviso prévio proporcional, que demorou décadas para merecer atenção, apenas para citar dois exemplos. No segundo caso, a lei apenas surgiu em virtude do comportamento do STF; no primeiro, nem assim.