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Brasil: Quo vadis?

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Atualizado em 8 de dezembro de 2014 13:48

Lembro-me de quando estava cursando Economia, no início dos oitenta, tínhamos uma excepcional esperança de que o Brasil pudesse dar um salto em termos de desenvolvimento econômico e social. Era o período final da ditadura militar e a academia nos ensinava que, a despeito de todos os atropelos políticos e a desigualdade social, o Brasil era o país de maior crescimento mundial no século XX (próximo do Japão) e o que mais rapidamente passou de uma economia rural para uma estrutura econômica diversificada e dinâmica.

Duas palestras, por volta de 1982/83 me marcaram muito. Uma foi do quase centenário Eugênio Gudin, ministro da Fazenda de Café Filho (set/54 - abr/55), um liberal clássico odiado pela esquerda e que foi protagonista do debate histórico entre planejamento e liberalismo com Roberto Simonsen durante o Estado Novo. Ao final da palestra, Gudin, voz baixa, deu o fecho: "o Brasil foi a grande amante que tive, mas ela sempre me corneou". Marcante.

A outra foi a palestra de um sociólogo, vestido com um deselegante capote de couro, que acabara de assumir uma vaga no Senado Federal. Fernando Henrique Cardoso era suplente do saudoso André Franco Montoro. Eleito governador, Montoro abandonara a cadeira do Senado e Cardoso ganhava a tribuna desejada. FHC pregou, naquela ocasião, contra um discurso liberal de Roberto Campos (1917-2001), também senador por Mato Grosso e discípulo de Gudin. FHC ironizava o liberalismo, Reagan (então presidente dos EUA), Thatcher (a Dama de Ferro inglesa) e considerava Roberto Campos "a voz" dos banqueiros. Defendeu, sem grande entusiasmo, um sindicalista-grevista vulgarmente chamado de Lula que na região do ABC paulista dizia coisas como "a dívida externa não deveria ser paga pelo país, mas pelos militares, pois foram eles que fizeram a dívida.". Soberbo.

Outra coisa engraçada que fizemos na faculdade foi um sarau poético com versos de José Sarney, presidente do PDS, partido da ditadura militar, que em 1980 tinha sido eleito para a Academia Brasileira de Letras. Poeta sofrível, a ironia bastava a si mesma e aos goles de cerveja entre os versos que declamávamos em ritmo ébrio. Lixo de literatura.

Interessante é que naquele contexto, apesar de tudo, erámos incrivelmente sorridentes e otimistas. A política era assunto nos bares, nas festas, além do futebol e, obviamente, as estudantes belas.

Os anos passaram e verificamos que FHC é associado ao neoliberalismo, Lula é, segundo o próprio, uma "metamorfose ambulante", Sarney foi aliado dos dois e continua imortal (literalmente?). Todos ex-presidentes. Campos se foi e talvez somente a frase de Gudin prospere como verdade a ser investigada.

Alguém poderá dizer que vencemos a inflação, o estrangulamento externo, etc. e tal. Bem, aqui estou a me referir a confiança intrínseca da nação em relação ao futuro e não propriamente a aspectos imediatos, conjunturais. Refiro-me aquele salto esperado por determinada geração que, quando olha para trás, vê que foi possível construir uma felicidade geral muito maior em relação aos seus pais e avós. Pude constatar isso, por exemplo, na China, no Japão, na Coréia do Sul e na Europa Meridional. No Brasil também assim foi entre os anos 50 e 80, relativamente ao início do século até os 50, apesar de todos os percalços.

O momento atual não é inquietante em função dos riscos com os quais nos defrontamos. Está evidente que no primeiro mandato da presidente Dilma os erros foram básicos na condução da política econômica. A meu ver, mais que pontuais, tais como, a leniência com a inflação ou a frouxidão fiscal, faltou ao governo uma visão estratégica para conduzir a economia e o país. Simplesmente, as políticas não "fechavam": a taxa básica de juros caiu dramaticamente juntamente com a inundação de recursos públicos, o crédito do sistema financeiro estatal fluiu para setores arcaicos, a taxa de câmbio foi usada para combater a inflação no exato momento em que os preços das commodities despencaram e o consumo foi estimulado pela concessão de isenções tributárias neutralizadas pela carestia dos preços dos bens e serviços. Um verdadeiro show de inconsistências. Fica até difícil entender, mesmo se olharmos tudo isso num contexto eleitoreiro.

No presente não me parece que a presidente dê um passo estrategicamente excepcional. Apenas recupera a racionalidade "razoável" se me permitem a agressão à língua de Camões. Chega a ser risonho que para isto tenha de chamar um trio agradável ao "mercado", esta entidade que nos comanda, a pitonisa de metáforas estranhas. O trio JAN (Joaquim, Alexandre e Nelson) promete colocar as coisas em ordem nos próximos dois anos. Interessante que feita a promessa subverte-se a lógica básica do próprio mercado: se a expectativa em relação ao governo tido anteriormente como "bolivariano" mudou, por que os agentes não se antecipam e investem e/ou consomem, e evitam a recessão/estagnação? Talvez as coisas não funcionem como pregam os analistas de plantão, não é mesmo? Quase unanimemente a mídia informa que crescimento econômico virá somente em 2017! Com sorte.

Há, contudo, que se observar mais além. Vejamos o seguinte: se por um passe de mágica o trio JAN viesse a produzir imediatamente uma inflação de 3% ao ano, um equilíbrio das contas externas (com recuperação das exportações), zerasse o déficit público nominal e mantivesse o mercado laboral perto do pleno emprego, o Brasil estará realmente bem?

De fato, creio que os problemas conjunturais do Brasil são relativamente diminutos e provocados em parte pela própria falta de tração do crescimento. Basta olharmos o que está a ocorrer na Europa, sobretudo na área meridional do Velho Continente. Além disso, com certo consenso político - nem precisamos de um "pacto" - várias reformas podem ser implementadas no âmbito fiscal, tributário, laboral e Federativo. A inflação para ser devolvida a um leito seguro depende muito mais da evolução de preços administrados que dos preços livres. Basta analisar isentamente os números recentes coletados pelos institutos de pesquisa econômica.

Os problemas críticos do Brasil e que dependem de largo consenso social, além de inteligente crítica política e acadêmica, estão relacionados com a implementação de políticas permanentes de redução da desigualdade social, aumento da produção e produtividade industrial e inserção internacional do país no mundo.

Pode ser que o Brasil aceite ser um país irrelevante, sem perspectivas e, eventualmente, "bem comportado", como o México. Seria triste, a meu ver, mas é uma escolha possível, quiçá provável. Depende da escolha de suas elites políticas e econômicas. No passado, quando eu estudava Economia, acreditávamos que podíamos ser melhores e, depois, mais longe ainda iríamos. Agora, o debate que encontramos na mídia é míope, imediato, sem horizontes. O trio JAN pode até satisfazer anseios "mercadistas", mas talvez não jogue luzes nas trilhas mais importantes e difíceis que o país teria de percorrer.

Não conheço país mais cheio de possibilidades que o Brasil. Escrevo isso sem xenofobismo, mas com sinceridade intelectual. Aqui neste canto do mundo podemos encontrar muita esperança de construirmos algo que nos traga felicidade geral. Precisamos que a dinâmica da sociedade aberta não confunda a aparência dos discursos políticos com práticas opostas quando se chega ao poder como constatei desde os meus tempos de estudante de Economia.

Neste final de 2014, próximo da abertura do novo ano, espero que o Brasil não seja aquela bela mulher que insiste em nos trair, como na sentença fatídica de Eugênio Gudin.

Feliz Natal e um 2015 excelente, a despeito das previsões!