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Três tendências e duas variáveis autônomas

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Atualizado às 07:47

A política brasileira apresenta três tendências mais definidas enquanto a economia segue dois caminhos autônomos. O ano de 2017 revela-se inquieto, sobretudo em Brasília e Washington.

No que se refere às tendências, vamos explorá-las.

A primeira está evidente e ganhou força depois do trágico falecimento do ministro do STF Teori Zavaski: a classe política tenta tomar conta da tal operação Lava Jato por pelo menos dois meios. O primeiro é, por meio de confusa manipulação de nomes disponíveis, a escolha do novo ministro que substituirá Zavaski. Não foram poucos os cálculos que se fez para se chegar ao nome de Alexandre de Moraes. Afinal de contas, dependendo de quem fosse o coroado poderia haver novas vagas no STJ, onde estão pendurados os governadores de importantes Estados, bem como para onde podem ir novos nomes oriundos das delações do Grupo Odebrecht. Não há ingênuos em Brasília, como se sabe, e nem é a Justiça tão cega quanto sugere aquela estátua de Têmis postada na entrada (e não nas entranhas) do STF. Ao que parece, o resultado dessas iniciativas políticas de baixa estatura vai produzir algum efeito, mas tudo dependerá da maior ou menor fraqueza da opinião pública, ávida por "sangue de Justiça" em relação aos políticos.

A segunda tendência é o "novo assalto" da base partidária aos cargos do governo Temer. Ao menor sinal de melhora da economia, os fragmentados e fragilizados partidos políticos que se constituem na "base desorganizada" do governo estão em disputa intestina para obter novos cargos e, assim, compensar o ar rarefeito de doações de recursos para as eleições em 2018. Nesse diapasão há que se notar que Michel Temer recolhe desse movimento imodesto benefício: pode escambar apoio político para seus projetos reformistas e avançar mais na pouco avantajada agenda de medidas estruturais que carrega embaixo do braço. A ultrapassagem segura da corrida pela presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é sinal de que o governo ganhou espaço adicional para manobrar nas hostes da política formal de Brasília.

Por último, no que tange às tendências, vê-se que a oposição está sem rumo e mitigada pela fragilidade pessoal de Lula e pela ausência de discurso crível e alternativo. Assim sendo, é possível, e não se sabe o quão provável é, que a oposição vá ao centro político para conversar com Temer e seus asseclas. A agenda de reformas pode entrar no circuito e a sua contrapartida é complexa, mas perfeitamente visível: em tempos de Lava Jato é melhor estar com os canais políticos azeitados do que isolado em posição política própria. A oposição mira no controle das delações no âmbito judicial quando se desloca para conversar formal e informalmente com o Planalto. Para bom entendedor, meia delação já basta.

Do ponto de vista econômico vê-se que o ministro Henrique Meirelles tem consultado cada vez o Planalto. Negociou com enorme autonomia com os flagelados Estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, fez prevalecer o veio fiscal no discurso planaltino sobre economia, defendeu o Banco Central quando este fustigado pelo questionamento do timing da redução da taxa de juros, articula-se com o mundo do dinheiro com ampla liberdade e começa a colher os primeiros números que mostram que estamos no fundo do poço, no caminho de indicadores minguados, mas melhores. Se as reformas vierem por força de algum acerto político de Temer com sua base e com a oposição, nessa ordem, Meirelles colhe mais louros. Sua autonomia é incontestável, mesmo que para os projetos políticos do ministro seja inútil.

A outra variável econômica vem de fora como um tufão que passa na nossa vida. O que vi em Washington, onde estive na semana passada, é assustador. A elite política norte-americana está boquiaberta, os políticos republicanos não controlam o processo político como um todo e a turma do capital não vibra com a promessa de desregulamentação e liberalidades por parte do magnata travestido de político vez que tem medo do discurso em ziguezague da Casa Branca. Impressiona também que, mesmo com maioria consistente no Congresso, as posições de governo ainda não estejam ocupadas em função do bloqueio democrata e da falta de entusiasmo de parcela relevante do Partido Republicano.

Esse cenário trumpetiano retirou horizontes do (bom) ambiente econômico que Barack Obama deixou. O mercado financeiro está nos píncaros, no exato lugar de onde costuma despencar. A autonomia dessa variável é, portanto, razão de adição de inquietação que vai além das fronteiras vigiadas da maior economia mundial (1/4 do PIB do globo). O concerto das nações está desafinado e ninguém sabe como agir, mas sabemos que risco maior não é colega de quarto dos movimentos do mercado financeiro. Já escrevi sobre a necessidade de se levar a sério o morador mais proeminente de D.C., mas reconheço que não há ninguém a lidar com ele de forma eficaz e muito menos que possa fazer previsões sobre a sua estranha administração.

Como se pode verificar pelo texto acima, não é possível conjecturar sobre o desenrolar da política e da economia. O que pode ser dito é que as tendências políticas hão de ser confirmadas ou não em prazo relativamente curto, algo como três meses, enquanto as variáveis autônomas (uma interna e outra externa) ainda não tem facetas aparentes e em suficiência para informar sobre crescimento e desenvolvimento.

De fato, vivemos a tremenda emergência do distanciamento da política formal e do poder real. Tanto em Brasília quanto em Washington o frenesi é intenso, mas os políticos sabem pouco sobre o que fazer. Como disse Ernest Hemingway certa feita: "não confunda movimento com ação".