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Alea jacta est

terça-feira, 10 de julho de 2012

Atualizado às 07:46

Esse brado, atribuído a Júlio César, é sinônimo de afirmação de irreversibilidade da decisão tomada sobre o que fazer, numa situação de grave perigo, afastada totalmente a possibilidade de voltar atrás.

Conta-nos Antônio Filardi Luiz, em seu cuidadoso e excelente "Dicionário de Expressões Latinas", Ed. Atlas, 2000, p. 33:

"Alea jacta est. A sorte está lançada. O Senado Romano, para garantir Roma contra o general que comandasse na Gália, havia declarado sacrílego e parricida quem atravessasse o rio Rubicão, que separava a Gália Cisalpina da Itália. Quando o Senado recusou a César o consulado e a continuação de seu governo, estando ele nas Gálias (atualmente região da Espanha), resolveu marchar sobre Roma e derrubar Pompeu. Às margens do Rubicão, hesitou, mas em seguida exclamou: alea jacta est, atravessou o rio e partiu para Roma, onde, triunfante, foi aclamado pelo povo".

Renzo Tosi registra, em seu não menos cuidadoso e mais abrangente "Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas", tradução de Ivone Castilho Benedetti, Martins Fontes, SP, 1996, p. 725/726:

"Alea iacta est. O dado está lançado. ... Segundo Suetônio (Vida de César, 32), ela foi realmente pronunciada por Júlio César em 10/11 de janeiro de 49 a.C., no momento em que atravessou o Rubicão, rio da Romanha que marcava as fronteiras da Itália e que, portanto nenhum comandante poderia atravessar armado, sem tornar-se, automaticamente, inimigo de Roma: esse ato foi indicado como início oficial da guerra civil contra Pompeu. Na realidade, o texto de Suetônio diz Iacta alea est e, com ótimos motivos, foi corrigido por Erasmo para Iacta alea esto, 'o dado seja lançado'". No imperativo.

Acrescenta Renzo Tosi: "deve-se notar que, no original antigo, há um matiz semântico diferente, no que diz respeito à acepção ora atribuída ao provérbio: com o imperativo não se põe a tônica numa decisão já tomada, mas no risco que se decide correr" (idem, ibidem).

Breves observações: na grafia latina, não me acostumei a adotar a substituição do "jota" por "i". Assim, "jacta", e não "iacta"; "Jesus" e não "Iesus", etc.

"Alea" tanto significa o "dado", como a "sorte". Daí nós ouvimos dizer que um resultado é "aleatório", quando baseado exclusivamente na sorte.

"Jacta" é o particípio passado feminino, do verbo "jacere", que deve ser pronunciado "jácere" e significa "lançar, arremessar", etc. Não pode ser confundido com "jacere", que se pronuncia "jacére" e significa "jazer", "estar deitado". Assim, "jaceo, jaces, jacui, jacitum, jacere" (verbo intrans. da 2ª conj.) = estar estendido, estar deitado, descansar, estar na cama, estar doente de cama, jazer, etc., afastada a ideia de movimento. Mas: "jacio, jacis, jeci, jactum, jacere" (verbo, trans. da 3ª conj,) = lançar, arremessar, atirar, etc., sempre com a ideia de movimento.

Uma curiosidade: o objeto de forma cúbica, com as faces marcadas, geralmente por números de 1 a 6, é o "dado", de etimologia incerta, utilizado em jogos. Poderia provir de "datum", do verbo "dare", ganho da sorte, ou do árabe "dad", jogo.

Os soldados romanos, principalmente, costumavam "jogar dados", valendo-se de um osso do tarso, que mais se aproxima do formato do cubo: o astrágalo, que em Latim é "astragalus, i", ou "astragalum, i" (masculino ou neutro) e vem do Grego "astrágalos" = articulação, ossinho, astrágalo. Os dicionários latinos registram, ainda, a palavra "astragalizontes, ium" (masc. plural), que significa "jogadores de dados".