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Nietzsche, perspectivismo e democracia

quinta-feira, 20 de março de 2014

Atualizado às 07:11




Editora:
Saraiva
Autor: Fernando Costa Mattos
Páginas: 282



É sedutor o recorte proposto pela obra: percorrer as construções filosóficas de Nietzsche para o conceito de liberdade. De acordo com as lições trazidas pelo autor, um apaixonado professor de filosofia, Nietzsche propõe um ideal não dogmático aos indivíduos ao dizer-lhes que sejam eles mesmos da maneira mais autêntica possível; e assume tal posicionamento até as últimas consequências, avançando sobre todos os territórios proibidos até então - sobretudo pela religião -, propondo inclusive o descarte da aliança entre o bem e a verdade, em total ruptura com os modelos filosóficos conhecidos. Tudo isso em nome da "liberdade de conquistar uma perspectiva própria", da "formação do espírito livre".

Ao fazê-lo, pondera o autor, não estaria o filósofo apenas refletindo a condição de desgarrado de Deus do homem moderno? Pode ser, mas conforme demonstrado em algumas das diferentes leituras para a liberdade em Nietzsche colacionadas no primeiro capítulo da obra (leituras inclusive antagônicas, corroborando o "perspectivismo"), mais do que simplesmente refleti-la, Nietzsche reconhece no indivíduo, "enquanto sujeito humano dotado de certas potencialidades, ilimitadamente diferenciáveis", a saída para este que talvez seja o problema central da modernidade: a ausência de sentido que se instalou entre nós com a "morte de Deus".

Para o autor, a complexidade em entender o caminho proposto talvez resida no fato dos conceitos de indivíduo e liberdade serem também basilares na visão de mundo que Nietzsche pretende combater, a do cristianismo, embora usados com fins diferentes. Impõe-se, então, separar "o duplo ponto de vista", frisando que a "cosmologia da vontade de potência" (expressão cunhada e largamente utilizada por Nietzsche para referir-se ao poder do indivíduo de acessar o conhecimento por si mesmo) não é a verdade em si do mundo - aqui o autor ajuda o leitor a compreender a que aludem os seguidores do filósofo ao falarem em "supressão do indivíduo", expressão que desagrada ao autor, que vai preferir falar em transposição do conceito de sujeito absoluto como centro para o de intérprete individual.

Contribui para a compreensão, ainda, a marcação de que "a opção por caminhar em sentido inverso ao da tradição" talvez signifique mera opção metodológica.

Embora se insurja contra instituições e modos de organização social - inclusive contra a democracia - o caminho proposto por Nietzsche indica sobretudo um caráter nitidamente interior, espiritual, um itinerário a ser cumprido dentro do indivíduo. É sob esse ângulo que ao falar de outras civilizações e outros tempos, o filósofo não está em busca de modelos a seguir, mas de perspectivas capazes de formar o espírito para a liberdade.

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Ganhadora :

Raiana da Silva Andrade, advogada em Cajuru/SP