Artigo - O STF e os equívocos do caso Varig

23/10/2014
Gabriel Cordeiro Martins de Oliveira

"Professora Duran, como aluno da Faculdade na qual a senhora leciona, cumprimento-a respeitosamente com saudações franciscanas. Utilizando-me deste parco espaço, gostaria de oferecer uma contraposição à sua visão (Migalhas 3.332 - 21/3/14 - "Caso Varig" - clique aqui). O exercício das atividades de uma companhia aérea não é comparável ao de outros ramos econômicos. Trata-se de um universo parcialmente dissociado dos demais atores mercadológicos. Em suma, uma empresa aérea não é comparável a um supermercado ou a uma loja de roupas (dois exemplos de negócios que, com toda a certeza, também sofreram as agruras da crise dos anos 80). No caso da VARIG, a companhia de fato viveu momentos concorrentes de degradação na qualidade da gestão e de deterioração da conjuntura de modo generalizado. A Fundação Ruben Berta, que aumentou gradativamente sua influência no controle das atividades diárias da companhia, lentamente se destacou de seu propósito original quando de sua criação - gerir um patrimônio que, mais do que dos acionistas, era dos funcionários. Concordo com a senhora, portanto, quando nos convida a pensar se não houve má gestão da parte da empresa (ou, no caso, da Fundação já detentora da maioria das ações no período). Ademais, prontifico-me a responder: houve, sim, abusos na administração no período, assim como nas décadas seguintes, culminando na vergonhosa paralisação das atividades em 2006 e no leilão em que a companhia foi vendida em 20 de julho. Mas repito: a natureza complexa inerente ao exercício das funções ordinárias de uma transportadora aérea intui um cuidado particular por parte do Estado. Não necessariamente por meio de tutela direta - muito embora a VASP tenha pertencido ao Governo do Estado de São Paulo, provando que existem exemplos históricos - mas por meio do fomento a condições minimamente permissivas para a atuação financeiramente segura. Uma empresa aérea necessariamente emprega milhares de pessoas. É um trabalho indissociavelmente multigeográfico (porque transportam pessoas entre localidades distantes), e que por isso tem um caráter muito mais amplo do que uma livraria ou uma lanchonete. O Estado foi, em parte, responsável pelo aprofundamento da crise da VARIG ao congelar suas tarifas quando o momento era de inflação. Abastecer os aviões continuou a ser cada vez mais caro. As dívidas em dólar não pararam de ser reajustadas. Tornou-se insustentável, para a empresa, concorrer com as companhias estrangeiras, que vinham de países com cargas tributárias menores, custos muito mais baixos de combustível e manutenção, e que por isso podiam oferecer tarifas significativamente menores. É nesse sentido que o governo brasileiro foi responsável pela crise da VARIG: impediu sua adaptação à concorrência ao mesmo tempo em que escancarou os aeroportos brasileiros a Lufthansa, Air France, American Airlines e demais congêneres advindas de nações bem mais organizadas. A reparação bilionária devida hoje não irá para o bolso de acionistas, esses já desenganados de qualquer recebimento de dividendos, mas sim para o pagamento do passivo trabalhista que ainda é devido aos homens e às mulheres que, ao longo da crise entre 2005 e 2006, mantiveram os velhos 737 e MD-11 da VARIG voando, sem receber salários e sem ter o que oferecer para os passageiros à guisa de 'serviço de bordo'. O mínimo que o Brasil faz hoje é ajudar a companhia a saldar a dívida que tem com essas pessoas."

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