Reforma da Previdência Social

3/1/2017
Abílio Neto

"'Gente decente se preocupa com a pobreza. Gente invejosa, com a desigualdade'. Achei interessante a frase de Jorge Brennand Jr. e passo a comentá-la. O momento é oportuno, eis que se quer mexer (de novo!) no tempo mínimo de contribuição dos trabalhadores na reforma de Temer para a Previdência Social. Cito o caso de um trabalhador rural empregado de usinas de açúcar, aquele apelidado de 'safrista': cortador de cana que trabalha seis meses no ano, quando muito, e dificilmente se aposenta por tempo de contribuição porque 15 anos de contribuição (carência) para ele é igual a 30, uma vez que, conforme já disse, o ano de trabalho dele dura a metade. Agora, pelo novo projeto de Temer, esse tempo de contribuição foi aumentado para 25 anos. Isso quer dizer que este infeliz somente se aposentará por idade, aos 65 anos, ou talvez 'baterá as botas' antes. Em contrapartida, um auditor da Receita Federal, um procurador do MPF, um juiz Federal e toda essa casta da alta meritocracia nacional, geralmente a partir dos 55 anos de idade poderiam se aposentar por tempo de contribuição. Poderiam, mas pelo efeito legal de algumas emendas constitucionais (que premiam a experiência profissional esquecendo-se da estagnação nas carreiras do serviço público), continuarão trabalhando até completarem 75 anos de idade quando sairão apenas pela compulsória. Isso tudo sem sofrerem um centavo sequer de desconto para a Seguridade Social desde que reuniram as condições para o gozo do benefício por tempo de contribuição porque um abono (isenção disfarçada) legalíssimo os contempla. Então, para que o artigo 40 da CF reza que o sistema de previdência é contributivo e solidário? Letra morta, não é, ilustre Cézar Peluso? Em resumo, os ocupantes de cargos de elite do Estado passarão quase 20 anos sem pagar absolutamente nada ao sistema previdenciário público com as bênçãos de Deus e do STF. Compare-se o salário deles com o de um trabalhador rural cortador de cana. Tem pouca diferença, não acham? Seu José da Silva, trabalhador 'lascado' (efeito do pêlo da cana, sol escaldante e tempo escasso do contrato) da usina Salgado, em Pernambuco, não pode espernear contra essa desigualdade social gritante para não correr o risco de ser chamado de indecente. Ele se resigna dizendo 'não estudei, portanto não mereço uma regalia igual a esta desse povo culto: trabalhar os 12 meses do ano, por vários anos, sem sentir no bolso o efeito do desconto da contribuição previdenciária'. Nem invejar ele pode, mas se pergunta: por que eu tenho o privilégio de pagar o pato?"

Envie sua Migalha