Documentos suspensos

4/7/2017
Paulo Sá Elias

"Decisão do juiz Mário Roberto Negreiros Velloso, da 2ª vara Cível da Comarca de São Vicente/SP determinando a suspensão de CNH e passaporte de devedor, retrata como o Poder Judiciário brasileiro na atualidade vive sem conhecer ou compreender a gravidade do que está ocorrendo com a sociedade brasileira (Migalhas 4.145 - 4/7/17 - "Documentos suspensos" - clique aqui). Lembro-me do capítulo de um livro que escrevi em julho de 2002, quando eu ainda cursava o mestrado em Direito pela UNESP – 'Direito Bancário e temas afins' - Org. prof. dr. Geraldo José Guimarães da Silva e Antônio Márcio da Cunha Guimarães. (PUC/SP e UNESP). São Paulo: Editora Lex, 2003. Pág. 505-537, onde tratei do tema: 'Os sistemas de proteção ao crédito atuando contra a preservação da empresa'. Na oportunidade destaquei que os credores deveriam auxiliar os devedores a pagarem as suas dívidas mantendo um ambiente favorável ao trabalho, aos negócios do devedor, às negociações extrajudiciais e não destruindo completamente todas as oportunidades, fechando todas as portas para o devedor. Ao comprometer a vida pessoal e profissional do devedor, o credor ao invés de conseguir recuperar seu crédito, afunda ainda mais o devedor dificultando a possibilidade de pagamento. E disse mais: '(...) O momento é para tratar de uma sociedade (como lembra Jorge Lobo) que considera a crise da empresa (e também da pessoa natural) mais como uma fraude do que uma desventura e os inadimplentes e falidos mais como culpados do que vítimas. Vítimas de um sistema financeiro, de uma política de gestão de riscos, de um comportamento de determinados setores e indivíduos (especialmente da área bancária) escandalosamente imorais'. Se acrescentarmos a esse texto de 2002 o que estamos assistindo no Brasil de 2017, fica ainda mais grave o estado de distanciamento da realidade do Poder Judiciário brasileiro. Parece fácil aos magistrados, com seus excelentes vencimentos e conhecidas garantias constitucionais da vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos dentre outras, no conforto de seus gabinetes, auxiliados em sua função por inúmeros funcionários (escrivão, escreventes, oficiais de Justiça, advogados, promotores de Justiça, etc.) – tomar decisões desta natureza contra o sofrido povo brasileiro que não é funcionário público. A tranquilidade de quem está encostado no Estado, digo encostado não no sentido pejorativo, mas no sentido da garantia e certeza de que todo final do mês receberá os seus vencimentos, acaba provocando graves distorções na aplicação do Direito. Se que há quem escreva apenas para proteger os direitos e interesses dos credores. Eu escrevo para também compreender e proteger os direitos e interesses dos devedores brasileiros."

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