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Julgamento de Cunha no STF - Da fantasia à realidade

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Atualizado às 10:02

Habent sua sidera lites

Existem várias maneiras de exercer o nobre mister do jornalismo. Uma delas é de modo analítico. Neste caso, o profissional faz a leitura (literal e metaforicamente falando) de tudo o quanto se diz acerca de um assunto, informa-se um pouco mais, e transmite ao leitor não fatos frescos, mas um outro prisma. Exemplo típico, e dos melhores, deste naipe de profissionais é Dora Kramer. E, no passado, como não citar Carlos Castelo Branco, o saudoso Castelinho. Outra vertente da arte da informação, no entanto, é a factual, que encerra novidade. Exemplo dessa cepa é Mônica Bergamo que, a despeito de assinar uma coluna social, traz invariavelmente novidades da política. Às vezes, como é bem de ver, flana-se bem nos dois mundos. Eis aos domingos Elio Gaspari que não nos deixa mentir, produzindo um misto de novidades com sapientes análises. Há também outras categorias, cada qual com seu valor. Pois bem, feito o nariz de cera, é hora de entrar no ponto. E o ponto é que quando um profissional atua de um jeito, fatalmente faz besteira quando se envereda por outra senda. Na próxima nota, nomes aos bois.

Crimine ab uno disce omnes

A jornalista Eliane Cantanhede, que assina prestigiada coluna no Estadão, é daquele tipo de jornalista que traz luz para o dia a dia. Mesmo que não se concorde com o que ela diz, impossível negar que suas análises são bem costuradas, coerentes, concatenadas, enfim, adjetivos que a colocam no primeiro time dos jornalistas pátrios. Ontem, no entanto, caiu na tentação fácil de querer dar uma notícia em "primeira-mão" e engoliu uma barriga. Mas se fosse só isso, não estaríamos aqui apontando o dedo. Ocorre que ela, tendo comprado gato por lebre, incutiu no leitor que havia uma artimanha no Supremo, pondo em suspeita a honorabilidade de dois ministros. Acostumada a assistir às negociatas políticas, achou talvez que o Judiciário era palco desse tipo de coisa. E não é. A onírica história contada pela jornalista repercutiu muito (prova de que ela é respeitada) e gerou uma confusão desnecessária no meio jurídico. Na próxima nota, os fatos.

Laudari a bonis et vituperari a malis unum atque idem est

Ontem, tão logo saiu pela manhã a decisão de Teori afastando Cunha, pipocaram suposições acerca do porquê da liminar, uma vez que estava na pauta uma ADPF, a qual, caso fosse procedente, daria o mesmo efeito sem que fosse preciso um ato drástico como suspender o mandato. Surgiu de tudo. E a jornalista Eliane Cantanhede assinou às pressas um texto em seu blog do Estadão dando uma versão, com o peso que sua caneta carrega. Dizia ela que Teori deu a decisão para "desativar uma bomba preparada pelos ministros Lewandowski e Marco Aurélio que, segundo análises de juristas, poderia implodir o processo de impeachment". Dizia ela que a ADPF que estava na pauta pretendia anular os atos de Cunha, e, por conseguinte, o acatamento do pedido de impeachment. Cita como fonte "outros ministros". E, por fim, diz que "ao perceberem a manobra - ou "golpe", segundo um deles -, ministros se mobilizaram para neutralizar a aprovação da ADPF". Na próxima nota, as conclusões.

Amicus certus in re incerta cernitur

De duas uma, ou a fonte ("outros ministros") não leu a ADPF e está vivendo uma suprarrealidade na qual há perseguição por todos os lados, ou a misteriosa fonte falou em alemão e a jornalista, sem fluência na língua de Goethe, não entendeu patavina. Como ela não deu nome à fonte, vamos ficar com a segunda hipótese, pois não se concebe que "outros ministros" tenham feito tal pirueta exegética. Como sabe o leitor, a ADPF é uma ação sem partes. Um processo objetivo, que não se presta a anular atos. E a 402, no caso, pedia algo até lógico: que se observasse, aos sucessores da presidência da República, os mesmos requisitos que se exigem para o titular do cargo. Simples assim. Daí a dizer que se quer anular atos, há uma distância invencível. Mas o pior é que, partindo dessa premissa estulta, de que se pretendia anular o impeachment, a jornalista sugeriu um conluio entre os ministros Lewandowski e Marco Aurélio. Juntando a fantasia com a realidade (a ADPF entrou, de fato, na pauta rapidamente - mas há exemplos disso à farta) estava feita a armadilha para o leitor. E, infelizmente, muitos foram pegos nessa arapuca. Queira Deus que tudo não tenha passado de uma confusão de informações: a fonte ter falado em alemão, e ela ter entendido em javanês. Oxalá! Na próxima nota, a verdade.

Lupum auribus tenere

O ministro Teori, de fato, parece que foi atropelado pelas circunstâncias. Num caso como esse, e tendo de administrar a Lava Jato e a montanha de processos que não param de chegar, isso é totalmente compreensível. Quando o pedido de afastamento de Cunha chegou ao Supremo, em meados de dezembro, o ministro pediu informações. A cautelar ficou instruída e pronta para ser decidida em 26 de fevereiro. Poucos dias depois, o STF analisou o recebimento da denúncia contra o deputado. E, em 3 de março, ela foi recebida por 10 a 0. Nesse momento, o processo de impeachment já caminhava. Eventual decisão poderia perturbar as instituições. Ademais, o impedimento da presidente seria decidido no plenário da Câmara. O presidente da Casa dá apenas o start. Prudentemente, parece-nos, que ele deixou o pedido em banho-maria. Aos pares, teria dito recentemente que se avizinhava a hora de enfrentar a questão (convenhamos, não é simples afastar um presidente da Câmara). Ouçamo-lo: "uma sucessiva ocorrência de fatos supervenientes - registrados ao longo da presente decisão - determinou que apenas em data recente o pedido veio a ostentar as adequadas condições para ser apreciado". Na próxima nota, o que apressou as coisas.

Multos timere debet, quem multi timent

Sobreveio, no entanto, a ADPF, que foi distribuída por sorteio ao ministro Marco Aurélio. E nem venha se alegar que deveria ter ido ao ministro Teori, porque não é possível falar em prevenção. Como já se disse, a ADPF não tem partes, é um processo objetivo. A cautelar, um processo subjetivo. Caminham, portanto, separadamente. E não há, por mais inventivo que se seja, conexão pelo futuro resultado que circunstancialmente outra ação, com outro ministro, possa vir a ter. Enfim, com a relatoria da ADPF, e vislumbrando urgência na tutela, o ministro Marco Aurélio pediu pauta e o ministro Lewandowski abriu o espaço. O ministro Teori, preocupado porque o resultado prático era o mesmo da ação que ele tinha em mãos, e que, ele sabia, possuía elementos mais sólidos, e tratava especificamente do indigitado personagem, achou por bem se antecipar. E a leitura de sua decisão deixa claro que não há uma nesga sequer de rusga ou ressentimento. Por fim, a antecipação do ministro Teori é sinal de que a urgência existia, corroborando o pedido de pauta de Marco Aurélio e a inclusão feita por Lewandowski. E, o que verdadeiramente importa, o resultado, todos já sabem, 11 a 0. E, com o placar, a prova matemática de que não há a aludida divisão na Corte. Na próxima nota, outro assunto, porque esse está encerrado.