COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Porandubas Políticas >
  4. Porandubas nº 455

Porandubas nº 455

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Atualizado às 09:00

Abro a coluna com uma historinha do cacique maranhense Vitorino Freire.

Vitorino estava em casa com gripe e muita febre. Recebeu telegrama do Senado (então no Monroe, na Cinelândia, Rio) para ir urgente a uma reunião da Comissão de Finanças, que dependia de sua presença. Lá fora, chovia para valer. Agasalhou-se, pôs suéter, cachecol, capa, chapéu e saiu para pegar um táxi. Não vinha táxi. Entrou numa farmácia para tomar injeção. Quando tirou a capa e o paletó, apareceu o revólver. Ia passando uma rádio-patrulha, viu, parou, chamou :

- O senhor é policial, tesoureiro, caixa de banco ?

    - Não.

- Tem porte de arma ?

    - Também não.

- Então o senhor vai ter de ir até o comando da polícia.

Vitorino entrou na RP e eles tocaram para a cidade. Quando chegou na Cinelândia, falou grosso :

    - Para aí que vou saltar.

- Não. O senhor vai até o comando.

    - Comando coisíssima nenhuma. Vou é para o Senado.

Sou o senador Vitorino Freire.

-  Por que o senhor não avisou antes ?

    - Porque estava precisando de uma carona e não tenho preconceito contra automóveis. Rodou, serve.

(Da verve de Sebastião Nery)

Reprovação

Começo com uma constatação : as três presidentes de Nações latino-americanas reeleitas, Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina) e Michelle Bachelet (Chile), estão amargando uma grande desaprovação pelos seus eleitores.

A prisão de Dirceu

Era prevista. Mesmo assim, a prisão do ex-ministro José Dirceu caiu como uma bomba na segunda-feira. Uma segunda ordem de prisão para uma figura combalida e chegando na casa dos 70 anos é um sofrimento. Dirceu será submetido a depoimentos, investigações, provas, a par de intensa cobertura midiática. Seu irmão também foi preso. Seu braço direito, Bob, idem. Teriam eles condições de suportar o bombardeio que cai sobre suas cabeças ? Dirceu é um experiente político que sabe a importância de qualquer que seja sua manifestação. Mas seu irmão e seu assessor terão bagagem psicológica para suportar o calvário que se abre ?

Pior que mensalão ?

Já se começa a dizer que Dirceu teria montado as ações no entorno da Petrobras. Muita especulação. Mas o delator Pascowitch, seu amigo, foi quem abriu o bico e contou sobre a entrega de propina ao ex-todo poderoso quadro do PT. Propinas que teriam continuado até 2013. Cada vez se fecha o círculo da propinagem. No meio dele, o PT. Essa 17ª operação Lava Jato, designada de Pixuleco, tem como foco o PT e ex-dirigentes. Um dos procuradores afasta a possibilidade de prisão do ex-presidente Lula. Mas arremata que eles, procuradores, chegarão a todas as pessoas envolvidas.

Credenda e Miranda  

"A política é o estuário das expectativas e demandas sociais. Duas referências animam seus eixos : os "credenda", coisas a serem acreditadas, a partir do sistema legal, e os "miranda", coisas a serem admiradas, a partir dos símbolos. Daí a inescapável pergunta : o que há para crer na política brasileira e o que há para admirar ? Aos ouvidos chega o eco : nada. As razões para tanto se abrigam em campos múltiplos, mas a origem dos males recentes é a consolidação do PNBC (Produto Nacional Bruto da Corrupção), cuja raiz quadrada se extrai dos números que a esfera privada subtrai da res publica." A frase é minha, do meu livro "Era uma Vez Mil Vezes", pela Editora Topbooks.

O modelo Mani Pulite

Li, mais de uma vez, o trabalho, muito bom, de Sérgio Fernando Moro, "Considerações sobre a Operação Mani Pulite" (clique aqui), onde traça considerações sobre aquela operação, na Itália, "uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa". Ali está tudo o que o juiz Moro está fazendo. De forma didática, descreve os vetores que conduziram a Mani Pulite e são aplicados por aqui. Vejamos algumas passagens de seu documento.

Como começou

Começou assim, nas palavras de Moro : "Iniciou-se com a prisão de Mario Chiesa, que devia seu cargo administrativo ao Partido Socialista Italiano e foi preso com propina no bolso, cerca de sete mil liras (US$ 4.000,00), que teria recebido de uma companhia de limpeza. Posteriormente, mais de 15 bilhões de liras teriam sido arrestadas em contas bancárias, imóveis e títulos públicos de sua propriedade. Por volta do final de março de 1992, Chiesa, recolhido na prisão de São Vittore de Milão, começou a confessar".

Coragem dos juízes

"A coragem de muitos juízes, que ocasionalmente pagaram com suas vidas para a defesa da democracia italiana, era contrastado com as conspirações de uma classe política dividida e a magistratura ganhou uma espécie de legitimidade direta da opinião pública". Não escapa ao juiz Moro o fato de os juízes italianos serem "jovens". Qualquer semelhança com a situação brasileira não é mera coincidência.

Amplitude

Lembra o juiz paranaense que dois anos após ser deflagrado, "2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos ; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros". A Mani Pulite impressiona pelos números. Uma pista : todos os envolvidos na Lava Jato deverão entrar na roda. Pelo visto, o importante é descobrir as veredas e rotas, com tantos quanto foram capazes de fazer a trajetória da corrupção.

Reações

O juiz Moro parece precavido/vacinado contra a bateria de reações, a favor ou contra. Ele diz ser ingênuo pensar "que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais e empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações". Crê que a opinião pública, como foi o caso italiano, é essencial para o êxito da ação judicial.

Independência

Moro elege a independência judiciária como elemento central para tornar possível "o círculo virtuoso" gerado pela operação Mani Pulite. De um lado, ele aponta a progressiva desligitimação de um sistema político corrupto e, de outro, a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais, como condições favoráveis à operação. O nosso desenho é muito parecido com o que se via na Itália.

Colaboração

A delação premiada, ou nos termos que os juízes preferem usar, a colaboração com a Justiça, incentivada pelos magistrados italianos, foi fundamental. Apesar de ser mal vista por alguns, Moro destaca que a delação premiada não é traição à pátria. Argumenta : "um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas, não há como condenar moralmente a delação ; é condenável nesse caso o silêncio".

Imprensa

Sérgio Moro lembra que os responsáveis pela Operação Mani Pulite fizeram largo uso da imprensa, ressaltando que "a publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações". Daí a equação : prisões, confissões e publicidade geraram um "circulo virtuoso".

Resultados

E assim vastos espaços da corrupção foram limpos. Contratos públicos teriam sido feitos com preços 50% menores do que nos anos anteriores. Conclui sua peça, lembrando que "no Brasil, encontram-se presentes várias das condições institucionais necessárias para a realização de uma ação judicial semelhante".

Desvendando Moro

Como se viu, o juiz Sérgio Fernando Moro contou o que viu, o que pesquisou, o que sentiu. E está fazendo, por aqui, a mesma coisa. O caso vai continuar. Pelo andar da carruagem, por aqui o novelo vai ser puxado pelas laterais, para baixo e... para cima. É a conclusão deste analista.

Turismo, ferramenta valiosa

Em tempos de economia em retração em quase todo o planeta, o setor de turismo sempre surge como ferramenta valiosa. A indústria "sem chaminé" conta com a vantagem de ser ágil nas repostas e com a estrutura natural já estabelecida em nossas paragens. O ministro Henrique Alves tem agido fortemente para sensibilizar seus pares junto ao governo da importância do setor. No Congresso, o deputado Alex Manente, SP, dá lustro final a um projeto que visa a incentivar o turismo Nacional. Manente tem conduzido com eficiência a Comissão de Turismo da Câmara. E vai bem nas bases. Uma pesquisa recente na intenção de votos mostra o deputado do PPS com boa folga (cerca de 40%) na disputa pela prefeitura de São Bernardo do Campo em SP. Respira-se novo ar pelos lados do ABC paulista.

E as crianças ?

O deputado João Botelho era candidato a prefeito de Belém, PA. Encontra o cabo eleitoral :

- Como vai ? E a diletíssima esposa ? E as crianças ?

    - Tudo bem, deputado. A mulher está ótima. Mas, por enquanto, é um menino só.

- E eu não sei que é um filho só ? É um menino, certo, mas vale por muitos. Então, como vão os meninos ?

Lula

Luiz Inácio está calado. Lula calado é uma montanha de expressão. Diz tudo. Postura de silêncio parece não combinar com ele. Vamos assistir na quinta a sua pregação no programa do PT na TV.

Casto Brasil

"Falam tanto nesse tal de 'custo Brasil', e eu cada vez mais preocupado com o 'casto Brasil'". (Carlos Ayres Britto em Ópera do Silêncio)

Panelaço

Espera-se um panelaço/buzinaço, na quinta-feira, por volta das 20h30, por ocasião do programa do PT nas emissoras de rádio e TV. Esse barulho deverá ter tanto impacto quanto o anterior e determinará a temperatura das ruas.

Imagens

As imagens do PT e de José Dirceu estão corroídas. Serão resgatadas ? O PT, como partido, poderá resgatar parcela de sua imagem. Tem militantes aguerridos. Mas a imagem pessoal de Dirceu está estigmatizada. Sua vida política está praticamente encerrada. Mas, como em política, tudo é possível, quem sabe.... ?

23 delatores

Há, nesse momento, 23 delatores. Seis ainda são desconhecidos. Seus depoimentos poderão alargar as veredas da Lava Jato.

500 dias

A Lava Jato completou 500 dias. A previsão é de que vai se alongar por mais 500.

Instituições funcionam

Constatação : crise política das mais graves de nossa história ; crise econômica corrói poder de compra do brasileiro e ameaça harmonia social ; crise de confiança chega ao pico da montanha. Mas as instituições funcionam. Essa é a luz no fim do túnel.

Descansando e trabalhando ? Depende

Fecho a coluna com a lição do cientista político Carlos Matus, ex-ministro do Planejamento do governo Allende, Chile.

- A ação não tem um significado absoluto ou igual para todos os atores. A ação tem uma interpretação situacional, e seu significado será ambíguo se não se explicitarem o contexto situacional e a intenção do autor. As ações das pessoas ou dos atores sociais ultrapassam os limites daquilo que eles afirmam fazer. Em outras palavras, a ação é suscetível de várias interpretações situacionais.

É bem conhecido, como anedota, o diálogo entre Bernard Shaw e uma vizinha. Shaw arrumava o jardim de sua casa quando uma vizinha, que ia fazer compras, disse-lhe, em tom de pergunta afirmativa. "Trabalhando, Sr. Shaw ?". E ele respondeu : "Não vizinha, estou descansando."

Ao voltar das compras, a vizinha notou que Shaw estava sentado em sua cadeira, fumando cachimbo e com o olhar perdido no horizonte. Certa de que, então sim, poderia fazer uma observação de consenso, ela perguntou : "Descansando, Sr. Shaw ?". E ele, distraído, respondeu : "Não, senhora, trabalhando". Esse exemplo mostra como uma ação é suscetível de interpretações opostas. Para Shaw, refletir é trabalhar, e arrumar o jardim é descansar ; para a vizinha, porém, o significado é o oposto. O significado da ação não é único e depende da auto-referência dos atores nela implicados. Essa é uma primeira conclusão.