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O mito da supremacia dos modelos capitalizados na previdência pública

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Atualizado às 08:09

De modo a buscar o equilíbrio financeiro e atuarial, a previdência social, no que diz respeito ao seu financiamento, encontra algumas técnicas básicas. De modo elementar, podem-se identificar dois regimes básicos e opostos de financiamento: a repartição simples e a capitalização. No regime de repartição, os segurados contribuem, em regra, para um fundo único, responsável pelo pagamento de todos os beneficiários do sistema. Dentro deste regime, há o conhecido pacto intergeracional, isto é, os trabalhadores de hoje custeiam os benefícios dos aposentados atuais, dentro do mesmo exercício.

Este regime tem sido criticado por ser extremamente influenciado pelo envelhecimento da população, pois, à medida que se observa a inversão da pirâmide etária, um maior número de idosos irá depender de um menor número­ de jovens para a manutenção de seus benefícios.Tal sistema é também muito influenciado pelas taxas de natalidade de um país, e pela expectativa de vida de seus componentes. A correção costuma ser feita com incentivo ao aumento da natalidade e modificações nos requisitos para obtenção de benefícios, como o aumento do limite de idade ou a redução dos valores pagos.

No regime de capitalização, os recursos arrecadados com contribuições são investidos pelos administradores do fundo, tendo em vista o atendimento das prestações devidas aos segurados futuramente, ou seja, os valores pagos no futuro variarão de acordo com as taxas de juros obtidas e a partir das opções de investimento dos administradores. Aqui, não há o financiamento entre gerações, ao menos, diretamente.

Da comparação entre os três, são extraídas as seguintes conclusões pela literatura especializada: 1) a contribuição fixada no regime de repartição simples tende a crescer desde a criação do sistema, até atingir um ponto de equilíbrio; 2) a contribuição no regime de repartição de capitais cresce em ritmo mais moderado, atingindo antes da repartição o equilíbrio; 3) em ambos os casos (repartição simples e de capitais de cobertura), o crescimento da contribuição pode ser reduzido pelo aumento dos jovens ou pela alta rotatividade dos segurados; 4) a contribuição no regime de capitalização coletiva é prevista para manter-se inalterada no tempo, com um valor intermediário entre o mínimo e máximo dos regimes anteriores. Assim o é devido ao excesso de contribuição inicial do regime de capitalização frente à repartição que será utilizado para cobrir, no futuro, a contribuição inferior do regime de capitalização frente à repartição, devido ao envelhecimento da clientela atendida.

Nos últimos anos, especialmente com as reformas do Welfare State mundo afora, a capitalização alçou ares de unanimidade, como capaz de produzir incrementos de poupança, estímulo à atividade econômica e melhor retorno na aposentadoria. No entanto, a avaliação é seguramente incorreta. A crença da plena superioridade dos modelos capitalizados não se sustenta, pois assim como a repartição simples, irá também produzir algum tipo de dependência frente a gerações futuras. É errado afirmar que tal atributo é exclusivo dos modelos de repartição, pois, mesmo nos sistemas capitalizados, assume-se que as pessoas, no futuro, serão capazes de adquirir bens de consumo, que externa, em alguma medida, a dependência frente àqueles que os produzem.

Com o fenômeno da redução populacional, sistemas capitalizados também sofrem, pois, as reservas acumuladas, como visam consumo, têm perdas, seja por inflação (elevadas reservas para limita capacidade de produção) ou desvalorização (muitos investimentos e ações para poucos interessados). A menor população na geração seguinte traz incertezas também em modelos capitalizados. Em contextos de variações demográficas, um instrumento relevante é buscar o crescimento econômico que permita a preservação do equilíbrio e por isso, do ponto de vista macroeconômico, a opção por capitalização ou repartição pode ser vista como secundária.

Os modelos de repartição, para alguns, teriam encontrado sua aplicação nos anos 30, como forma de proteção aos milhares de trabalhadores afetados pela crise de 1929, mas o século XXI demandaria novas formas de proteção, haja vista novas realidades econômicas e a preservação do nível de empregabilidade. Sem embargo, mesmo para os defensores dos regimes capitalizados de previdência social, é hoje comum reconhecer-se, ao menos, a existência de um pilar universal financiado por repartição simples, assegurando, com máxima efetividade, o mínimo existencial.

De modo geral, há uma defesa generalizada, no mercado, pelos modelos previdenciários públicos de capitalização, pois seriam opções privadas e voluntárias de proteção que respeitam as preferências individuais sobre risco e cobertura, além dos modelos de repartição, alegadamente, serem mais obscuros, isto é, sem transparência na gestão de ativos e concessão de benefícios, trazendo com isso efeitos possivelmente perversos sobre a economia. Em suma, por se tratar de um mal necessário, modelos universais e compulsórios de proteção deveriam ser limitados ao mínimo. No entanto, o regime de capitalização possui riscos inerentes elevados, que podem acabar por excluir a proteção pretendida. A capitalização individual, por si só, também não é suficiente para atender determinados riscos sociais, como doenças e acidentes, que demandam solidariedade capaz de assegurar rendimento adequado.

A crença na formação de reservas financeiras que produzam externalidades positivas, incluindo os próprios investimentos previdenciários, é certamente incompleta, já que, como visto, as intempéries econômicas podem, com facilidade, colocar tudo a perder. Ainda que alguma capitalização possa, de fato, ser desejável, o regime exclusivamente capitalizado está longe de garantir a proteção necessária, como nos mostra os eventos recentes na economia mundial.

Os mesmos riscos que atingem os regimes de repartição também vulneram os modelos capitalizados, como aspectos macroeconômicos (e.g. inflação), variações demográficas e mesmo riscos políticos, com intervenção estatal indevida na gestão previdenciária. Em verdade, o modelo capitalizado é que apresenta ainda maiores riscos, especialmente no que diz respeito ao gerenciamento dos investimentos. Com má gestão, qualquer modelo está em perigo.

Como países não possuem prazos de validade, as obrigações futuras tendem, sempre, a serem arcadas com a arrecadação vindoura, não fazendo sentido, portanto, o Estado pretender antecipar a receita para fazer frente ao gasto futuro. Se isso fosse efetivamente algo útil, porque não capitalizar também sistemas de saúde, educação e tantos outros que geram gastos futuros?

O modelo de capitalização também produz risco elevado ao colocar elevados valores em controle do governo ou de suas agências, o que, intuitivamente, traz compreensível preocupação para o particular. A questão é comum no modelo norte-americano, no qual o excedente de receita é escancaradamente desviado para financiar o Tesouro, sob o eufemismo dos trust funds, enquanto no modelo brasileiro, o excedente é utilizado para financiar prestações verdadeiramente assistenciais, como a pseudoprevidência da área rural e benefícios cruzados, por meio de renúncias fiscais. Este foi um dos motivos que propiciou, no Canadá, a manutenção do regime de repartição como principal regime de financiamento da previdência.

Em suma, o tema apresenta complexidades que são frequentemente ignoradas pelos defensores dos modelos capitalizados na previdência pública. Temos de repensar que tal medida não se mostrou bem-sucedida nos poucos países que a adotaram. Temos de parar de buscar soluções mágicas e, pragmaticamente, buscar soluções para a previdência brasileira que sejam comprometidas com os objetivos do sistema protetivo.