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Poder Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade quanto à publicação de seus atos

Em uma sentença armazenada no site do TRT da 3ª região, os valores das custas processuais e da condenação do reclamante foram divulgados diferentes dos valores corretos atribuídos na decisão, o que levou as reclamadas a recolherem as custas e o depósito recursal em valores inferiores aos efetivamente devidos. O Tribunal não conheceu do recurso interposto pelas reclamadas por deserção, sob o fundamento de que a consulta feita na internet não tem valor jurídico oficial. Insatisfeitas, elas recorreram ao TST. A 6ª turma, por unanimidade, conheceu do recurso de revista por divergência jurisprudencial.

Da Redação

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Atualizado às 09:18

Responsabilidade virtual

Poder Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade quanto à publicação de seus atos

Em uma sentença armazenada no site do TRT da 3ª região os valores das custas processuais e da condenação do reclamante foram divulgados diferentes dos valores corretos atribuídos na decisão, o que levou as reclamadas a recolherem as custas e o deposito recursal em valores inferiores aos efetivamente devidos.

O Tribunal regional não conheceu do RO interposto pelas reclamadas por deserção, sob o fundamento de que a consulta feita na internet não tem valor jurídico oficial. Insatisfeitos, elas recorreram ao TST.

A 6ª turma, por unanimidade, conheceu do recurso de revista por divergência jurisprudencial. O ministro Mauricio Godinho Delgado ponderou que o "Poder Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade quanto à publicação de seus atos nos sítios oficiais, sob pena de comprometer a credibilidade da informatização da prestação jurisdicional, da boa-fé e da instrumentalidade dos atos processuais. Nesse passo, uma vez constatado equivoco que conduza as partes a erro, tal conduta deve ser retificada para assegurar o direito de acesso a Justiça".

O advogado Bruno Andrade de Siqueira, do escritório Maia Advocacia e Associados, representou as reclamadas no caso.

  • Processo relacionado: RR-59100-71.2009.5.03.0094 - clique aqui.

Confira abaixo a íntegra da decisão.

__________

A C Ó R D Ã O

(6ª Turma)

GMMGD/pm/mjr/jr

RECURSO DE REVISTA. SENTENÇA ARMAZENADA NO SÍTIO ELETRÔNICO DO TRT. ERRO NA DIVULGAÇÃO QUANTO AOS VALORES DA CONDENAÇÃO E DAS CUSTAS. RECOLHIMENTO COM BASE NOS VALORES DIVULGADOS. DESERÇÃO AFASTADA.

No caso concreto, na sentença foi atribuído à condenação o valor de R$ 6.000,00 e fixado o valor de R$120,00 a título de custas processuais. Contudo, constou do sítio eletrônico do Regional o valor da condenação de R$5.000,00 e das custas de R$100,00, diversos, portanto, dos valores constantes da sentença, o que levou os Reclamados a recolherem as custas e o depósito recursal em valores inferiores aos efetivamente devidos. O Regional não conheceu do RO interposto pelas Reclamadas por deserção, sob o fundamento de que a consulta feita na Internet não tem valor jurídico oficial. Ocorre que o Poder Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade quanto à publicação de seus atos nos sítios oficiais, sob pena de comprometer a credibilidade da informatização da prestação jurisdicional, da boa-fé e da instrumentalidade dos atos processuais. Nesse passo, uma vez constatado equívoco que conduza às partes a erro, tal conduta deve ser retificada para assegurar o direito de acesso à Justiça. Assim, ante tal contexto, resta afastada a deserção. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-59100-71.2009.5.03.0094, em que são Recorrentes ISAL INDUSTRIAL SABARÁ LTDA. E OUTRO e Recorrido JAKSON RENATO SOARES FERREIRA.

O TRT da 3ª Região não conheceu do recurso ordinário interposto pelas Reclamadas por deserção (fls. 387-388).

Inconformadas, as Reclamadas interpõem o presente recurso de revista (fls. 418-424).

A Vice-Presidência do TRT admitiu o apelo quanto ao tema -deserção-, por divergência jurisprudencial (fls. 425-426).

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso de revista (fls. 248-243), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos gerais do recurso, passo à análise dos específicos.

SENTENÇA ARMAZENADA NO SÍTIO ELETRÔNICO DO TRT. ERRO NA DIVULGAÇÃO QUANTO AOS VALORES DA CONDENAÇÃO E DAS CUSTAS. RECOLHIMENTO COM BASE NOS VALORES DIVULGADOS. DESERÇÃO AFASTADA

O Tribunal Regional, quanto ao tema, assim decidiu:

-RECOLHIMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DO DEPÓSITO RECURSAL EM VALORES INFERIORES AOS ARBITRADOS EM SENTENÇA. DESERÇÃO.

Em contra-razões, o reclamante afirma que o recurso ordinário não pode ser conhecido, porque deserto, uma vez que os valores recolhidos a título de custas processuais e depósito recursal são inferiores aos fixados na r. sentença.

Nos termos do artigo 899, § 6º, da CLT, 'quando o valor da condenação, ou o arbitrado para fins de custas, exceder o limite de 10 (dez) vezes o valor de referência da região, o depósito para fins de recursos será limitado a este valor'.

Ademais, à luz do artigo 789, §1º, da CLT: 'As custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal.'

À luz da referida norma, o pagamento das custas processuais e do depósito recursal, com a respectiva comprovação, é pressuposto de admissibilidade recursal, cuja ausência provoca a deserção, impedindo o conhecimento do recurso.

No presente caso, verifica-se que o valor da condenação foi arbitrado em R$6.000,00, com custas no importe de R$120,00 (f. 365).Veja-se que o valor máximo para depósito recursal foi fixado em R$5.621,90 para o recurso ordinário a partir de 01.ago.2009 através do Ato Sejud - GP 447/2009.

Entretanto, as reclamadas efetuaram o recolhimento das custas processuais no valor de R$100,00 (f. 375) e do depósito recursal no valor de R$5.000,00 (f. 376).

Em conseqüência, o recurso ordinário não pode ser conhecido, uma vez que os valores recolhidos a título de custas processuais e de depósito recursal são inferiores aos fixados na r. sentença, o que torna deserto o apelo.

Por todo o exposto, acolho a preliminar suscitada em contra-razões e não conheço do recurso ordinário, porque deserto- (fls. 387-388 - destacamos).

Tal decisão foi corroborada no julgamento de embargos declaratórios, sob os seguintes fundamentos:

-A embargante afirma que o v. acórdão incorreu em contradição ao deixar de conhecer do recurso ordinário por ela interposto, ao argumento de que as custas processuais e o depósito recursal foram recolhidos em valores inferiores aos fixados na r. sentença.

Ressalta que foi induzida a erro pela equivocada publicação ocorrida no sítio deste Eg. Regional, pois o valor da condenação indicado na sentença ali disponibilizada foi de R$5.000,00, com custas no importe de R$100,00.

De fato, observa-se que os valores recolhidos pela reclamada a título de custas (R$100,00 - f. 375) e de depósito recursal (R$5.000,00 - f. 376), por ocasião da interposição do recurso ordinário, correspondem àqueles fixados na cópia da sentença juntada às fs. 394-411, que, segundo a ré, foi extraída do sítio deste Eg. Regional.

Entretanto, a consulta feita na Internet não tem valor jurídico oficial, mas apenas informativo, tanto é que não se conta o prazo recursal a partir da publicação na internet, mas sim, a partir da publicação feita no órgão oficial.

Cumpria, pois, à embargante, cientificar-se da publicação ocorrida no órgão oficial, a fim de tomar conhecimento do conteúdo da decisão.

Ademais, deve-se salientar que os recolhimentos comprovados às fs. 712-413 não afastam a deserção, porque efetuados tardiamente, quando já decorrido o prazo para a realização do preparo.

Nego provimento- (fls. 416-416v - destacamos).

As Reclamadas sustentam que foram induzidas a erro pelo teor equivocado da sentença que foi publicada, na íntegra, no portal eletrônico do TRT da 3ª Região. Aduzem que na referida sentença consta que o valor da condenação é R$ 5.000,00 e que foram fixadas custas no importe de R$100,00, valores esses que foram devidamente recolhidos. Pugnam pelo afastamento da deserção. Apontam violação dos arts. 535 e 560 do CPC, 5º, LV, e 93, IX, da CF/88, bem como transcrevem arestos para o confronto de teses.

Com razão as Reclamadas.

A divergência jurisprudencial espelhada pelo aresto acostado às fls. 421-422 permite o trânsito da revista, haja vista externar posicionamento dissonante daquele advindo do Tribunal Regional, no sentido de que -resultando incontroversa a existência de erro material relativamente aos valores das custas e do depósito recursal na cópia da sentença obtida na internet, acolhe-se o pedido da reclamada de processamento do recurso ordinário por ela interposto, inacolhido em primeira instância em face da deserção-.

Diante da constatação de divergência jurisprudencial específica, CONHEÇO do recurso de revista.

II) MÉRITO

SENTENÇA ARMAZENADA NO SÍTIO ELETRÔNICO DO TRT. ERRO NA DIVULGAÇÃO QUANTO AOS VALORES DA CONDENAÇÃO E DAS CUSTAS. RECOLHIMENTO COM BASE NOS VALORES DIVULGADOS. DESERÇÃO AFASTADA

Na sentença foi atribuído à condenação o valor de R$ 6.000,00 e fixado o valor de R$120,00 a título de custas processuais (fl. 365).

O teor integral da sentença foi publicado no portal eletrônico do TRT da 3º Região, contudo, no tocante aos valores atribuídos à condenação e às custas constam valores diversos, conforme se verifica do seguinte trecho, in verbis: -Custas processuais, pelas reclamadas, no importe de R$100,00 calculadas sobre R$5.000,00, valor que se arbitra para fins da condenação- (fl. 411).

O Regional consignou que, de fato, os valores recolhidos pelas Reclamadas correspondem às importâncias assinaladas na sentença publicada no sítio do Tribunal regional, quais sejam, R$100,00 a título de custas e R$5.000,00 no tocante ao depósito recursal. Considerou, também, que a publicação da sentença na internet não tem caráter oficial. Por fim, não conheceu do recurso ordinário das Reclamadas por deserção (fl. 416-416v).

A Lei nº 11.419/2006 dispõe sobre a informatização do processo judicial e possibilita a publicação de atos judiciais e administrativos dos tribunais em sítio próprio disponibilizado na rede mundial de computadores da rede. Em seu art. 4º dispõe que as publicações eletrônicas assinadas digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada serão considerados originais para todos os efeitos legais.

Fixada tal premissa, tem-se que o uso do meio eletrônico pelos órgão da Justiça confirma a utilização do meio eletrônico como forma de otimizar a prestação jurisdicional, gozando as suas publicações da presunção de autenticidade, uma vez que as informações são armazenadas em arquivo digital eletrônico inviolável (art. 169, § 2º, do CPC).

Nesse passo, o Poder Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade quanto ao teor de suas publicações, sob de pena de comprometer a credibilidade da informatização da prestação jurisdicional, da boa-fé e da instrumentalidade dos atos processuais. Assim, uma vez constatado equívoco que conduza às partes ao erro, tal conduta deve ser retificada, de sorte a assegurar o direito de acesso à justiça.

Na hipótese, as Reclamadas recolheram integralmente os valores constantes na sentença divulgada no portal eletrônico do Regional, não podendo, portanto, ser apenadas por equívoco do Tribunal a quo. Assim, como o recolhimento ocorreu no valor determinado na referida sentença e no prazo certo, não há como negar que o ato tenha atingido sua finalidade, o que afasta a conclusão regional de deserção.

Nesse sentido, cita-se o seguinte precedente:

-RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A v. decisão recorrida está devidamente fundamentada, expressa seu entendimento e apresenta os elementos necessários para a apreciação e deslinde da matéria. Recurso de revista não conhecido. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO POR DESERTO. CUSTAS RECOLHIDAS COM BASE NO VALOR CONSTANTE DA SENTENÇA ARMAZENADA NO SÍTIO DO TRT. É incontroverso que o sítio eletrônico do eg. TRT armazenou a sentença com o valor da condenação inferior ao correto, o que conduziu a reclamada a recolher as custas em valor inferior ao efetivamente devido. A legitimidade, confiabilidade e inviolabilidade dos atos praticados pelos órgãos judiciários e -transformados- em meio eletrônico decorrem da própria sistemática adotada e da lei, que modificaram os mecanismos tradicionais de o Estado prestar a jurisdição. Desse modo, os Tribunais não podem recusar a ilegitimidade de seus atos, quando diante de equívocos não causados pelas partes constatarem falhas que as conduzam a erro, devendo em nome da credibilidade da -informatização da prestação jurisdicional-, do direito de acesso à justiça e dos princípios da boa-fé e da instrumentalidade dos atos processuais corrigir os seus desvios. Dessa forma, há que se anular a v. decisão recorrida e determinar o retorno dos autos para o eg. TRT, a fim de que afastada a deserção, prossiga no exame do feito, como entender de direito. Prejudicado o exame das matérias remanescentes. Recurso de revista conhecido e provido- (RR - 122700-23.2010.5.03.0000 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 03/08/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: 12/08/2011).

Ademais, assente-se que, ao constatarem o equívoco na divulgação da sentença, via Internet, as Reclamadas complementaram os valores já recolhidos para que o montante alcançasse as importâncias efetivamente fixadas na sentença (fls. 412-413 e 365), o que explicita a sua boa-fé processual, não se havendo falar em deserção.

Por todo o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para, afastando a deserção decretada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento do recurso, como entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento para, afastando a deserção decretada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento do recurso, como entender de direito.

Brasília, 26 de outubro de 2011.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Mauricio Godinho Delgado

Ministro Relator

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