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Taxa

Juiz suspende cobrança do Ecad por execução de músicas em casamento

Se a liminar não for cumprida, o órgão terá que pagar multa de R$ 10 mil.

Da Redação

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Atualizado às 08:42

O juiz Eduardo Perez Oliveira, do 2° JEC de Goiânia, concedeu liminar suspendendo cobrança de R$ 610 feita pelo Ecad em função das músicas que seriam executadas em um casamento.

Os noivos, que se casarão no próximo sábado, 2, ingressaram com pedido de suspensão da taxa, pois não querem prejudicar a cerimônia, principalmente, por temerem a presença dos fiscais num momento que deve ser de festa e celebração.

"A lei é clara ao indicar que não haverá lesão aos direitos autorais a execução musical no recesso familiar e, mais, que somente se considera a necessidade de intervenção do Ecad quando a execução se der em local de frequência pública", afirmou o magistrado.

Para ele, "não se pode considerar uma festa de casamento um evento onde a execução de música tem como objetivo o lucro. É, sim, uma cerimônia sacra, realizada entre familiares e amigos, com o objetivo de celebrar o enlace de duas pessoas".

Caso a liminar não seja cumprida, o órgão terá que pagar multa de R$ 10 mil.

  • Processo: 5048843.79

Veja a íntegra da decisão.

___________

Processo n.°: 5048843.79

DECISÃO

A parte autora, M.S.C. e C.C.H.T., ingressa com pedido de suspensão da cobrança feita pelo ECAD quanto ao uso de eventuais direitos do autor pela execução de música em seu casamento, a realizar-se no dia 2 de junho de 2012.

Aduz que tal cobrança não é possível e, em razão da proximidade do enlace, pleiteia a concessão de tutela antecipada.

Emendada a inicial para informar o valor cobrado pelo ECAD, de R$ 610,64.

É o breve relatório. Decido.

Conforme preceitua o art. 273 do CPC, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Em sede de análise perfunctória, própria desta fase processual, entendo que se afiguram presentes os requisitos que autorizam a antecipação dos efeitos da tutela vindicada.

Quanto à urgência do provimento jurisdicional, surge da necessidade dos noivos de não verem interrompida a cerimônia de casamento por eventual cobrança de fiscais do ECAD, sendo justo o desamparo anímico que adviria do receio de serem abordados e prejudicada a festa em um momento que deve ser de celebração entre familiares e amigos próximos.

No que tange ao direito, há clara verossimilhança das alegações brandidas em juízo para a concessão do pleito antecipatório.

Como se sabe, o ECAD é, segundo sua própria definição, "(...) uma sociedade civil, de natureza privada, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira - 9.610/98."

Sua função é fiscalizar e cobrar pela execução pública de músicas.

No entanto, sua conduta é notoriamente intensa, para não dizer agressiva, sendo tamanha a sanha arrecadatória que foi necessário que os Tribunais pátrios se manifestassem a respeito dizendo que o ECAD não possui poder de polícia.

Vale transcrever acórdão exemplificativo:

ECAD - AÇÃO DE COBRANÇA - ARRECADAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS - ECAD -LEGITIMIDADE PARA REGULAMENTAÇÃO DA LEI Nº 9.610/98 - FIXAÇÃO UNILATERAL DE PREÇOS - ILEGALIDADEDIREITOS AUTORAIS9.610- O ECAD é uma pessoa jurídica de natureza privada e, por isso, não possui legitimidade para regulamentar a Lei dos Direitos Autorais, em substituição ao Poder Público. O ECAD não tem competência para exercer poder de polícia, com base no regulamento por ele próprio editado. Não pode assumir o caráter de autoridade para regulamentar qualquer lei, nem mesmo a Lei nº. 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais). Tal competência, aliás, é privativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição Federal.Lei dos Direitos Autorais9.610Lei dos Direitos Autorais84IVConstituição Federal- Os agentes do ECAD não são servidores públicos e seus atos não gozam de presunção de veracidade, já que por sua qualidade não possuem fé pública. (101510200270260011 MG 1.0151.02.002702-6/001(1), Relator: NILO LACERDA, Data de Julgamento: 09/12/2009, Data de Publicação: 11/01/2010)

Não se está a dizer que o ECAD não pode exercer as suas funções. Pelo contrário, deve fazê-la como qualquer outro ente privado, e grifo a expressão privado, para indicar que o ECAD não tem qualquer poder regulamentar, de polícia ou qualquer outro inerente à Administração.

Portanto, suas atribuições estão vinculadas, em grande parte, à Lei n.° 9.610/1998, notadamente em seu art. 99:

Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.

§ 1º O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem.

§ 2º O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titu-lares a eles vinculados.

§ 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário.

§ 4º O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título.

§ 5º A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis.

Todavia, a própria norma em comento traça as exceções em seu art. 46, das quais transcrevo as relevantes para o deslinde do feito:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:

(...)

VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

Também o art. 68 da mesma norma:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

(...)

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequencia coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. (grifei)

No caso em voga, trata-se de uma celebração de casamento a ocorrer em salão locado para tal.

Salvo raras exceções, como os casos de alguns jogadores de futebol, artistas e que-tais, que buscam notoriedade com seus atos para a divulgação de sua imagem, o casamento é uma cerimônia sacra, independentemente de religião ou mesmo de sua ausência absoluta, realizada entre familiares e amigos, com o objetivo de celebrar o enlace de duas pessoas que resolveram devotar a vida uma à outra, pelo tempo que entenderem conveniente.

A lei é clara ao indicar que não haverá lesão aos direitos autorais a execução musical no recesso familiar, e mais, que somente se considera a necessidade de intervenção do ECAD quando a execução se der em local de frequencia pública, especificando quais são esses locais.

Indene de dúvida que tais ambientes devem buscar lucro direito ou indireto, pela própria especificação do dispositivo de lei e do rol exemplificativo narrado, além da menção expressa ao termo "empresário" como a pessoa responsável em contatar o ECAD.

Por maior que seja o esforço interpretativo do hermeneuta, por mais acrobacias jurídicas que se faça, não se pode extrair do texto legal tamanha complacência a ponto de considerar uma festa de casamento um evento capitaneado por um empresário, onde a execução de música busca lucro direto ou indireto (a menos, é claro, que os presentes sejam computados como algum tipo de vantagem que, espertamente, os noivos busquem).

A lei não possui palavras vazias, de forma que ao expressamente mencionar "empresário", quis denotar que o evento onde se dará a execução da música deve, de algum modo, buscar lucro.

O simples fato de uma festa realizar-se em um salão locado, embora com público restrito a familiares e amigos íntimos, não basta para que se dê feição lucrativa ao evento.

Ademais, não soa razoável ou conforme a intenção da lei (art. 5° da LINDB) que se permita que o ECAD passe a, sponte propria, dizer o que é ou não evento com finalidade lucrativa, ao arrepio da lei e arrogando-se em um poder que somente é conferido ao Estado para a defesa dos interesses da sociedade, e não a uma entidade privada para a defesa dos interesses de uns poucos.

Por fim, aponto que o boleto apresentado pelo ECAD menciona que o valor foi apurado "conforme seu regulamento de arrecadação" (sic), demonstrando, mais uma vez, aparente lesão à norma, ao regulamentar a lei ao arrepio da ordem constitucional vigente.

No caso em apreço, ao menos na versão por ora apresentada pelos autores e consoante as normas que regem o ato, além da interpretação do ordenamento conforme a LINDB, extraio a verossimilhança do narrado na inicial hábil a conferir à parte demandante a tutela pleiteada, desde que o faça mediante caução a ser depositada no prazo de 5 dias, ou mediante a concessão de garantia real.

Aponto que, no caso em apreço, não há que se falar em irreversibilidade da medida, eis que se trata de dívida de baixo valor, além do que, a parte demandante deverá caucionar o juízo.

Firme em tais razões, presentes os requisitos legais, defiro o pedido de tutela antecipada para determinar à parte ré que se abstenha de realizar qualquer tipo de cobrança a título de retribuição por execução de obra fonográfica no casamento dos autores a realizar-se em 02.06.2012, no local apontado na inicial, sob pena de multa no importe de R$ 10.000,00 pelo descumprimento, cuja destinação será dada pelo juízo oportunamente, sem prejuízo da aplicação do art. 14, parágrafo único, do CPC.

Intime-se a parte autora a caucionar o juízo nos termos lançados, no prazo de 05 dias.

Advirto a parte autora que tal concessão de liminar não exaure o objeto da demanda, que terá por fim a aferição da legitimidade do pedido, podendo o pleiteante vir a ressarcir a parte ré por eventuais despesas, caso improcedente ou extinto o certame, sem prejuízo da condenação por litigância de má-fé e apuração de responsabilidade.

Designe-se audiência de conciliação para o feito.

Goiânia, 30 de maio de 2012.

EDUARDO PEREZ OLIVEIRA

Juiz de Direito

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