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Livre arbítrio

Adesão espontânea ao tabaco não gera indenização a fumantes

Decisão é da 5ª câmara de Direito Privado do TJ/SP.

Da Redação

terça-feira, 26 de junho de 2012

Atualizado às 07:19

A 5ª câmara de Direito Privado do TJ/SP negou provimento ao recurso da viúva e dos filhos de um fumante contra a empresa Souza Cruz. Os autores alegaram que a morte do familiar foi consequência de um enfisema pulmonar ocasionado pelo fumo. Aduziram que a empresa divulgou publicidade enganosa, deixando de esclarecer a respeito da nocividade e periculosidade do consumo de cigarros.

Os apelantes pleitearam indenização por danos materiais, correspondentes às despesas efetuadas para o tratamento da doença, bem como danos morais, haja vista o sofrimento decorrente da morte do pai e marido. No entanto, o desembargador João Francisco Moreira Viegas, relator, julgou improcedentes os pedidos, pois, segundo ele, "o falecido aderiu voluntariamente ao produto fabricado pela ré, fumando por, aproximadamente, quarenta e cinco anos por sua livre e espontânea vontade".

Ainda de acordo com o magistrado, "o livre arbítrio, por si só afasta, inevitavelmente, o nexo causal, pois decorre da voluntariedade da conduta a causa do possível dano à sua saúde".

Recentemente, o juízo da 1ª vara Cível de Itajaí/SC (0019439-74.2008.8.24.0033) e a 9ª câmara Cível do TJ/PR (0009229-63.2010.8.16.0017) também decidiram no sentido de não condenar a indústria tabagista por ausência de ilicitude na comercialização do produto e de violação ao dever de informação. Os julgadores entenderam que não houve, nos casos, responsabilidade civil por ato ilícito. Para os magistrados, a culpa foi exclusiva das vítimas, uma vez que aderiram espontaneamente ao tabaco.

Veja a íntegra da decisão.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0273857-86.2009.8.26.0000, da Comarca de Mirassol, em que são apelantes N.F., V.F., V.F. e V.L.G.S.F. sendo apelado SOUZA CRUZ S A.

ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, V.U. Presente para sustentar oralmente o Dr. Julio Garcia Morais.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JAMES SIANO (Presidente sem voto), CHRISTINE SANTINI E EDSON LUIZ DE QUEIROZ.

São Paulo, 20 de junho de 2012.

Moreira Viegas

RELATOR

Apelação Cível: 0273857-86.2009.8.26.0000

Comarca: Mirassol

Apelantes: N.F. (ESPÓLIO) e OUTROS

Apelada: SOUZA CRUZ S.A.

RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos materiais e morais - Propositura por viúva e filhos de fumante contra indústria tabagista - Sentença de improcedência PRELIMINARES - Não conhecimento do recurso - Ausência de impugnação - específica dos fundamentos da sentença, bem como de pedido de anulação da r. sentença - Preenchimento dos requisitos do art. 514, do CPC - Inexistência de obrigatoriedade de formulação de pedido de anulação da r. sentença, ante a falta de alegação de cerceamento de defesa - Preliminares afastadas - Adesão espontânea ao produto prejudicial à saúde - Culpa exclusiva da vítima - Nexo causal afastado - Ausência de ilicitude na comercialização do produto e de violação ao dever de informação - Sentença de improcedência mantida - Recurso não provido.

VOTO Nº 2430

Apelação interposta em face de r. sentença de fls. 727/732 que, nos autos de ação de indenização por danos materiais e morais, julgou improcedentes os pedidos, por não vislumbrar a prática de ato ilícito pela ré.

Alegam os apelantes que a apelada divulgou publicidade enganosa, deixando de esclarecer a respeito da nocividade e periculosidade do consumo do tabaco. Aduzem que o falecido foi acometido de enfisema pulmonar, em virtude do consumo do cigarro, necessitando de tratamento médico, vindo, posteriormente, a óbito. Sustentam que se aplica à hipótese os artigos 10 e 12, do Código de Defesa do Consumidor.

Pugnam pelo arbitramento de indenização por danos materiais, correspondentes às despesas efetuadas para o tratamento da doença desenvolvida pelo de cujus, bem como danos morais, haja vista o sofrimento decorrente do consumo do cigarro (fls. 735/749).

Recurso processado, isento de preparo.

Contrarrazões às fls. 752/793, com preliminar de não conhecimento da apelação.

É o relatório.

Afasta-se a preliminar de não conhecimento do recurso, sob a alegação de que não houve impugnação específica aos fundamentos da r. decisão recorrida.

Com efeito, dispõe o artigo 514, do Código de Processo Civil, in verbis:

"Art. 514. A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz, conterá:

I - os nomes e a qualificação das partes;

II - os fundamentos de fato e de direito;

III - o pedido de nova decisão."

Da análise do recurso interposto pela autora, verifica-se que este preenche todos os requisitos do dispositivo retro mencionado, tendo havido impugnação dos fundamentos que embasaram a improcedência dos pedidos, não havendo que se cogitar em violação ao artigo referido.

No tocante à ausência de pedido de anulação da r. sentença por eventual cerceamento de defesa, tal circunstância não impede o conhecimento do recurso, salientando-se que em momento algum das razões recursais os autores afirmaram a necessidade de dilação probatória.

Ademais, quando do julgamento antecipado da lide, como na hipótese vertente, não há obrigatoriedade de formulação de pedido para a anulação da r. sentença em sede de apelação, cabendo à parte interessada impugnar os fundamentos da decisão, mediante alegações que entenda pertinentes e relevantes para a formação da convicção do julgador.

Superadas as prejudiciais, no mérito, o recurso não comporta provimento.

Com a presente demanda, pretendem os autores a reparação por danos materiais e morais que alegam ter sofrido em virtude do consumo, por N.F., de cigarros fabricados pela ré, desde meados de 1950, acarretando danos à sua saúde, culminando, posteriormente, com seu falecimento, no ano de 2001.

E, em que pese o inconformismo dos autores, a r. sentença que reconheceu a improcedência dos pedidos não merece reparos.

Quando se fala em responsabilidade civil por ato ilícito, necessário se faz para sua configuração a presença de três requisitos.

O primeiro, refere-se ao ato ilícito praticado pelo agente; o segundo, ao dano ou resultado lesivo experimentado pelo ofendido; e o terceiro ao nexo de causalidade, ou seja, o liame ou vínculo que deve haver entre a conduta do agente e o resultado lesivo experimentado pelo ofendido.

Posta desta forma a questão, deve-se consignar primeiramente que o falecido aderiu voluntariamente ao produto fabricado pela ré, fumando por, aproximadamente, quarenta e cinco anos por sua livre e espontânea vontade.

Tal circunstância (o livre arbítrio), por si só afasta, inevitavelmente, o nexo causal, pois decorre da voluntariedade da conduta a causa do possível dano à sua saúde, ainda que se alegue que a doença adquirida tenha decorrido do uso do tabaco.

Ora, embora controvertida, não se pode deixar de reconhecer a licitude da atividade desenvolvida pela ré, de modo que a comercialização do produto traduz exercício regular de direito.

Nem se alegue, ainda, responsabilidade objetiva da empresa tabagista, uma vez que a relação estabelecida entre o fumante e o cigarro adveio de seu arbítrio.

Lembre-se que, apesar das atraentes propagandas veiculadas pela ré, são muitos os que nunca experimentaram cigarro.

Demais disso, é certo que em décadas pretéritas, não havia, no Brasil, norma legal que estabelecendo às indústrias do fumo qualquer restrição em relação a propagandas, ou à prestação de esclarecimentos aos usuários a respeito dos malefícios ocasionados pela prática tabagista, razão pela qual não se vislumbra a existência de propaganda enganosa, tampouco violação ao dever de informar.

No presente caso, portanto, sem prejuízo de se lamentar a morte do esposo e pai dos autores, a voluntariedade da sua conduta ao iniciar o hábito de fumar (que afasta o nexo causal), além da licitude da atividade da ré são fatores que afastam a pretensão indenizatória formulada na inicial.

Esse o entendimento prevalente na Corte.

Confira-se:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. Propositura por fumante contra indústria de cigarro. PRESCRIÇÃO. Inocorrência. Prazo aplicável ao caso que é o do Código Civil, mais benéfico ao consumidor. Precedentes do STJ. Hipótese de adesão espontânea ao produto prejudicial à saúde. Danos ocorridos por culpa exclusiva da vítima. Nexo causal afastado. Ausência de ilicitude no comportamento das rés. Sentença reformada para decretar a improcedência da ação. RECURSOS PROVIDOS". (Apelação nº 0010168-04.2004.8.26.0590, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Paulo Alcides, j. 15.12.2011)

"INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS - TABAGISMO - MORTE DO MARIDO E PAI DOS

AUTORES, ORA APELADOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - PRECEDENTES - PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL - PRAZO QUE COMEÇOU A CORRER COM O FALECIMENTO DO MARIDO E PAI DOS AUTORES - INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CDC - PRECEDENTES ALEGADA RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE DE CIGARROS ATIVIDADE LÍCITA - PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE, NÃO DEFEITUOSO PROPAGANDA LÍCITA, NA ÉPOCA LIVRE-ARBÍTRIO DO FUMANTE - CONSUMO QUE SE CARACTERIZA COMO ATIVIDADE LÍCITA - NEXO DE CAUSALIDADE NÃO SUFICIENTEMENTE CONFIGURADO - VALOR DA CAUSA - SUGESTÃO DOS AUTORES DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM R$ 200.000,00 PARA CADA UM DELES - PREVALÊNCIA DESTE VALOR SOBRE AQUELE QUE FOI INDICADO NA INICIAL ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA QUE DEVE PREVALECER, NAS CIRCUNSTÂNCIAS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO E MAJORAR O VALOR DA CAUSA A R$ 600.000,00". (Apelação nº 9134290-86.2006.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Theodureto Camargo, j. 9. 11.2011)

"Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Pretensão formulada por fumante contra empresa fabricante de cigarros. Improcedência. Vício vinculado ao livre arbítrio das pessoas". (Apelação nº 994.07.085566-0, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Roberto Bedran, j. 30.03.2010).

No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DANOS MORAIS. FUMANTE. EXERCÍCIO DO LIVRE-ARBÍTRIO. RUPTURA DO NEXO DE CAUSALIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA.

1. Tendo o Tribunal a quo apreciado, com a devida clareza, toda a matéria relevante para a apreciação e julgamento do recurso, não há falar em violação ao art. 535 I e II do Código de Processo Civil. 2. É incontroverso nos autos que o Autor começou a fumar nos idos de 1.988, mesmo ano em que as advertências contra os malefícios provocados pelo fumo passaram a ser veiculadas nos maços de cigarro. 3. Tal fato, por si só, afasta as alegações do Recorrido acerca do desconhecimento dos malefícios causados pelo hábito de fumar, pois, mesmo assim, com as advertências, explicitamente estampadas nos maços, Miguel Eduardo optou por adquirir, espontaneamente, o hábito de fumar, valendo-se de seu livre-arbítrio. 4. Por outro lado, o laudo pericial é explícito ao afirmar que não pode comprovar a relação entre o tabagismo do Autor e o surgimento da Tromboangeíte Obliterante. 5. Assim sendo, rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais. 6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido" (REsp 886.347/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 08.06.2010)

"RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇÃO REPARATÓRIA. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DEVER JURÍDICO RELATIVO À INFORMAÇÃO. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANODIREITO E IMEDIATO (INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL).

1. O cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço. 2. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagrados pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas, a partir da década de cinquenta, alcançando notadamente períodos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e a legislações restritivas do tabagismo. 3. Antes da Constituição Federal de 1988 - raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco -, sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n.° 9.294/96, não havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas. 4. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre arbítrio em razão de suposta "contaminação propagandista" arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar se que nessas hipóteses a vontade não é livre. 5. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga/histórico-social. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem conteúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais preexistiam de séculos, para se chegar à conclusão de que era exigível das indústrias do fumo um dever jurídico de informação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento. 6. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causai demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a "teoria do dano direto e imediato", também conhecida como "teoria do nexo causal direto e imediato" ou "teoria da interrupção do nexo causal". 7. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar. 8. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causai juridicamente satisfatório. 9. As estatísticas - muito embora de reconhecida robustez - não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais. 10. Recurso especial a que se nega seguimento". (REsp 1113804, Rel. Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJ 1.02.2011)

Nada mais é preciso dizer para reconhecer o acerto do MM. Juiz de Direito da Comarca em julgar improcedente a ação.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS

Relator

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