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STJ

Concedida liminar contra decisão de juiz que se recusou a aplicar súmula do STJ

Juiz afirmou que a "súmula 440 do STJ representa entendimento completamente divorciado da realidade do país".

Da Redação

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Atualizado às 09:36

A ministra Laurita Vaz concedeu liminar em HC contra decisão de juiz que se recusou a aplicar a súmula 440 do STJ, que estabelece que, "fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito".

Apesar desse entendimento consolidado, um juiz de SP fixou o regime prisional fechado ao condenar um homem por roubos com uso de arma de fogo e em concurso de agentes, sendo que, segundo a ministra, "não se pode determinar o regime inicial fechado na hipótese, porque inidônea e ilegal a fundamentação, baseada tão somente na gravidade abstrata da conduta cometida e na opinião pessoal dos julgadores".

Na decisão, o magistrado explicou que os crimes demonstravam "conduta absolutamente reprovável e que causa verdadeiro pânico" na cidade. "Entendo que o único regime inicial adequado para cumprimento da pena deve ser o fechado, uma vez que a súmula 440 do STJ representa entendimento completamente divorciado da realidade do país, a exigir severo combate à criminalidade e não o afrouxamento das reprimendas, além de ignorar completamente o direito social à paz pública", afirmou o juiz. A decisão foi mantida pelo TJ/SP.

A ministra Laurita Vaz observou a ocorrência de patente constrangimento ilegal no caso. "É nítida a afronta do juízo de primeiro grau e do tribunal de origem aos posicionamentos deste Superior Tribunal, o qual, ao editar a súmula mencionada, pacificou seu próprio entendimento acerca da controvérsia e cumpriu seu relevante papel de unificador da interpretação das leis Federais", declarou.

A liminar concedida determina que o réu seja imediatamente colocado no regime semiaberto até o julgamento de mérito do HC pela 5ª turma.

Veja a íntegra da decisão.

____________

HABEAS CORPUS Nº 254.034 - SP (2012/0192621-2)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: LUCIANO DAL SASSO MASSON - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: D.P.S.

DECISÃO

Vistos etc.

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de D.P.S. - condenado à pena privativa de liberdade de 6 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito previsto no art. 157, § 2.º, incisos I e II (duas vezes), na forma do art. 71, todos do Código Penal -, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Alega-se, na presente impetração, em suma, que a fixação do regime fechado deu-se sem fundamentação idônea, porque a pena-base foi estabelecida no mínimo legal.

Requer-se, por isso, liminarmente e no mérito, seja abrandado o regime prisional inicial, do fechado para o semiaberto.

É o que há de necessário para relatar até o presente momento processual.

Passo a decidir o pedido de medida urgente.

Observo a ocorrência de patente constrangimento ilegal quanto à fixação do regime prisional na hipótese.

A pena-base do Paciente foi estabelecida no mínimo legal (04 anos de reclusão). Porém, o Magistrado a quo fixou regime prisional mais gravoso à margem da lei, baseado em sua própria opinião acerca da gravidade do delito, ao consignar o que se segue (fl. 19):

"[D]ada a natureza dos crimes, cometidos com grave ameaça mediante emprego de arma de fogo e concurso de agentes, conduta absolutamente reprovável e que causa verdadeiro pânico nesta Comarca, entendo que o único regime inicial adequado para cumprimento da pena deve ser o fechado, uma vez que a súmula 440 do STJ representa entendimento completamente divorciado da realidade do país, a exigir severo combate à criminalidade e não o afrouxamento das reprimendas, além de ignorar completamente o direito social à paz pública". (grifei.)

Com efeito, cabe explicitar: não se pode determinar o regime inicial fechado na hipótese, porque inidônea e ilegal a fundamentação, baseada tão somente na gravidade abstrata da conduta cometida e na opinião pessoal dos julgadores.

A questão acerca do regime prisional ora discutida tem sido apreciada repetidas vezes por este Superior Tribunal de Justiça, o que culminou na edição da Súmula n.º 440, assim redigida, ad litteram:

"Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito."

No mesmo sentido têm sido os reiterados julgados do Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência está, inclusive, espelhada nos verbetes sumulares n.ºs 718 e 719, respectivamente, in verbis:

"A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada."

"A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea."

No mais, no caso é nítida a afronta do Juízo de primeiro grau e do Tribunal de origem aos posicionamentos deste Superior Tribunal, o qual, ao editar a súmula acima mencionada, pacificou seu próprio entendimento acerca da controvérsia, e cumpriu seu relevante papel de unificador da interpretação das leis federais. Da mesma forma, há ofensa à autoridade da Suprema Corte.

Relembre-se ao Magistrado de piso e à Corte origem que a edição de súmulas é apenas o último passo do longo processo de uniformização da jurisprudência, o que se dá após inúmeras discussões e divergências acerca do sentido e alcance de dispositivos dentre os próprios ministros, em diversos órgãos julgadores.

O acolhimento de posições pacificadas ou sumuladas pelos tribunais superiores ou pelo Supremo Tribunal Federal - vinculantes, ou não - está longe de significar um "engessamento" dos Magistrados de instâncias inferiores. O desrespeito, porém, em nada contribui para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Sequer provoca a rediscussão da controvérsia da maneira devida, significando, tão somente, indesejável insegurança jurídica, e o abarrotamento desnecessário dos órgãos jurisdicionais de superposição.

Em verdade, ao assim agirem, as jurisdições anteriores desprestigiam o papel desta Corte de unificador da Jurisprudência dos Tribunais Pátrios, e contribuem para o aumento da sobrecarga de processos que já enfrenta este Sodalício, além de ensejar grande descrédito à atividade jurisdicional, como um todo.

Por isso, devem os Julgadores de hierarquia jurisdicional ínfera compreender que, neste Superior Tribunal de Justiça, onde apenas dez ministros têm a hercúlea tarefa de julgar habeas corpus impetrados contra Tribunais de apelação de todo o país, a contraproducente prolação de decisões contrárias aos posicionamentos desta Corte e do Supremo Tribunal Federal é um grande e grave fator - desnecessário - a concorrer para a demora na concretização da prestação jurisdicional, causado pelos próprios Juízes das instâncias antecedentes.

Reproduzo ainda, por relevante, a percuciente lição do ilustre Professor Luiz Guilherme Marinoni, o qual, em artigo publicado no site da Revista Consultor Jurídico, em 10 de abril de 2012, advertiu o que se segue:

"Uma "Corte de Precedentes", ao exercer sua função de colaborar com a construção do direito, não pode se desligar do seu dever de tutelar a coerência do direito, a segurança jurídica e a igualdade perante as decisões judiciais. A Corte deixa, assim, de objetivar apenas a tutela do litigante mediante a correção da interpretação do direito e passa a estar consciente de sua missão de revelar o sentido do direito, bem como de sua responsabilidade perante o futuro.

A Corte tem função proativa, prevenindo agressões ao Direito e permitindo a sua evolução e transformação. Se o STJ tem a função de dar unidade ao direito federal mediante a instituição de precedentes, os seus ministros e turmas, assim como os tribunais inferiores, deles não podem divergir. O precedente pode ser revogado pela Corte quando presentes circunstâncias que assim aconselhem, tomando-se a cautela de não violar a confiança justificada dos jurisdicionados, mediante a atribuição, se for o caso, de efeitos prospectivos à decisão revogadora.

Por sua vez, os tribunais inferiores, diante do precedente, devem bem operar com a técnica da distinção (distinguishing), evitando aplicar o precedente em face de casos diversos. Tem-se, nesta dimensão, verdadeira unidade do direito federal, real dignidade das decisões da Corte, evitando-se a violação da segurança jurídica e da igualdade perante o direito. Como consequência, há tutela jurisdicional muito mais tempestiva e barata [...], evitando-se a litigiosidade diante da solução já expressa no precedente. [...].

É preciso que o sentido do direito federal tenha estabilidade e que os precedentes sejam criados e revogados apenas quando necessário em face da evolução da concepção geral do direito e da própria realidade social. Com isso a vida dos processos não ultrapassará, em regra, o segundo grau de jurisdição, priorizando-se a tempestividade da tutela jurisdicional, a economia de gastos financeiros e a racionalidade do serviço dos Tribunais e do próprio STJ, além de - e isto é mais importante - a coerência da ordem jurídica, a segurança e a igualdade perante o direito. [...]".

(https://www.conjur.com.br/2012-abr-10/primeiro-grau-efeitividade-stj-cumprapapel - acessado em 12 de abril de 2012.)

Ante todo o exposto, demonstrada a plausibilidade do direito arguido, bem assim o prejuízo na permanência da ilegalidade por mais tempo, DEFIRO o pedido liminar, para determinar, até o julgamento final do presente writ, a colocação do Paciente no regime semiaberto, aplicando-se-lhe as regras desse regime.

Oficie-se, com urgência, ao respectivo Tribunal de Justiça e ao Juiz de Direito José Roberto Cabral Longaretti, encaminhado-se-lhes cópias da presente decisão.

Os documentos acostados aos autos permitem a correta compreensão da controvérsia, razão pela qual dispenso as informações.

Ouça-se o Ministério Público Federal.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 14 de setembro de 2012.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora