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Google deve excluir dois perfis ofensivos do Orkut

De acordo com decisão, internet se encontra em condição de "terra sem lei".

Da Redação

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Atualizado às 08:52

A 3ª câmara de Direito Civil do TJ/SC negou provimento a um recurso do Google contra sentença que determinou a exclusão de dois perfis do site de relacionamento Orkut com conteúdos ofensivos à moral de um usuário.

O agravado, não obstante tenha utilizado a ferramenta "denunciar abuso", foi informado que os conteúdos analisados não infringiam os termos de serviço do site Orkut pelo fato de ter apenas descrito o nome dos perfis "Karoline Triste" e "Olhos Tristes", sem especificar os respectivos endereços das páginas. Desse modo, alegou o agravante que o Orkut não dispõe de meios eletrônicos possíveis para localizar dados de contas de usuários e proceder à remoção sem que haja indicação precisa das URLs.

Entretanto, o desembargador Fernando Carioni, relator, entendeu que o "Google torna-se responsável solidária com o usuário que propaga as ofensas no site de relacionamento Orkut se não adota nenhuma medida enérgica para a imediata retirada do material ofensivo do ar".

Veja a íntegra da decisão.

_______________

Agravo de Instrumento n. 2012.054155-8, de Itajaí

Relator: Des. Fernando Carioni

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERFIS DIFAMATÓRIOS CRIADOS EM NOME DE TERCEIRA PESSOA EM SITE DE RELACIONAMENTO. ORKUT. INTERLOCUTÓRIA DETERMINANDO A REMOÇÃO. INDICAÇÃO PRECISA DA URL DAS PÁGINAS OFENSIVAS. IRRELEVÂNCIA. FORNECIMENTO DE IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO RESPONSÁVEL PELA OFENSA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"O provedor de Internet - administrador de redes sociais -, ainda em sede de liminar, deve retirar informações difamantes a terceiros manifestadas por seus usuários, independentemente da indicação precisa, pelo ofendido, das páginas que foram veiculadas as ofensas (URLs)" (STJ, REsp 1.175.675/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 9-8-2011).

"Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que registra o número de protocolo (IP) na Internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de Internet" (STJ, REsp 1.186.616/MG, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. em 23-8-2011).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2012.054155-8, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é agravante Google Internet Brasil Ltda., e agravado M.A.S.:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

Florianópolis, 16 de outubro de 2012.

Fernando Carioni

PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

Google Internet Brasil Ltda. interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo da decisão interlocutória do Juiz de Direito José Agenor de Aragão, da 3ª Vara Cível da comarca de Itajaí, que determinou a exclusão, no prazo de 5 (cinco) dias, dos perfis criados no site de relacionamento Orkut intitulados como "Karoline Triste" e "Olhos Tristes" e o fornecimento da respectiva identificação do usuário.

A agravante sustentou que: a) o agravado propôs demanda dizendo que conheceu uma jovem, de nome K., de 17 (dezessete) anos, por meio do site de relacionamento Orkut, e com a qual manteve, aproximadamente, contato por 15 (quinze) dias, quando, então, resolveu afastar-se, ao tomar conhecimento das intenções dela de querer fugir de casa para encontrá-lo na cidade de Itajaí/SC; b) o agravado continuou a narrativa, na referida ação que motivou a antecipação de tutela objeto do presente recurso, afirmando que a jovem K., inconformada com a atitude dele, iniciou uma campanha difamatória, com postagens no site de relacionamento Orkut de cunho depreciativo e inverídico e as quais estariam estampadas nos perfis intitulados como "Karoline Triste" e "Olhos Tristes"; c) o Orkut é uma plataforma de hospedagem e sobre o qual, portanto, não se exerce nenhum controle editorial, prévio ou de monitoramento, servindo como um site de relacionamento pelo qual os usuários, depois de aceitarem os "Termos de Serviço" e os "Termos Adicionais do Orkut e respectiva "Política de Privacidade", criam páginas pessoais (perfis) e trocam todo o tipo de informações; d) aos usuários é disponibilizada a ferramenta "denunciar abuso", pelo que lhes cabe, caso se sintam ofendidos por algum conteúdo inserido no Orkut, revelar a página que contém o texto ou foto não condizente com o ambiente social criado e desenvolvido, o que pode gerar um controle repressivo, com a respectiva remoção da página, caso flagrante a ilegalidade, ou não, dependendo, nesse sentido, de ordem judicial; e) ao agravado, não obstante tenha utilizado a ferramenta "denunciar abuso", foi informado que os conteúdos analisados não infringiam os termos de serviço do site Orkut; f) por se tratar de uma plataforma de hospedagem, o Orkut não dispõe de meios eletrônicos possíveis para localizar dados de contas de usuários e proceder à remoção sem que haja indicação precisa da URL das páginas hospedadas; g) o agravado apenas descreveu o nome dos perfis sem especificar os respectivos endereços, ou seja, as URLs; h) a obrigação que lhe foi imposta na decisão agravada, de identificar a URL dos perfis com conteúdo difamatórios, é impossível de ser cumprida; i) o termo de ajustamento de conduta que assinou com o Ministério Público Federal de São Paulo reconheceu a necessidade de indicar a URL, sob pena de ser inviável o atendimento do comando judicial de retirada das páginas ofensivas do site de relacionamento Orkut; j) a manutenção da ordem agravada implica na violação do artigo 248 do Código Civil, porquanto, sem culpa sua, a citada obrigação será impossível de ser cumprida; k) no Brasil, não há nenhuma legislação que lhe obrigue armazenar dados referentes a um perfil; l) no referido termo de ajustamento de conduta, foi-lhe consignada a armazenagem de informações, tais como o número de IP, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias; m) compete ao agravado informar a URL para que possa ser verificado se os dados do IP ainda estão disponíveis em seus servidores; n) o Orkut não exige dos seus usuários nenhum documento pessoal, pela simples razão de que o cadastro é realizado on line, fato que lhe inviabiliza conferir a veracidade das informações prestadas; o) o único dado que tem condições de informar é o IP.

Requereu: a) a concessão do efeito suspensivo, à vista de que está sendo compelida a cumprir ordem judicial impossível; e, no mérito, b) a exoneração de atendimento ao comando judicial de remoção dos perfis reclamados pelo agravado fornecer os respectivos dados sobre o usuário (fls. 2-34).

Nesta instância, foi indeferido o efeito suspensivo almejado (fl. 118).

Certidão deste Tribunal de Justiça, lavrada pela Secretária Eni Terezinha Lehmkuhl Costa, na qual atestou que, decorrido o prazo legal, o agravado deixou de apresentar contraminuta (fl. 123).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento com o desiderato de reformar a decisão interlocutória que determinou à agravante Google excluir os perfis intitulados "Karoline Triste" e "Olhos Tristes", criados no site de relacionamento Orkut com conteúdos ofensivos à moral do agravado, e fornecer informações que possibilitem a identificação do respectivo usuário.

Pelo que dos autos consta, o agravado formulou pedido de antecipação de tutela na ação de obrigação de fazer que ajuizou contra a agravante Google em virtude de que a sua pessoa teria sido utilizada para a criação de dois perfis no site de relacionamento Orkut com o único propósito de difamá-la, contendo expressões como "maníaco, canalha, pedófilo, viciado em sexo e sujeito perigoso", e nos quais, inclusive, haviam fotos suas.

Diante disso, o Juiz a quo, convencendo-se da prova inequívoca produzida pelo agravado e presente o dano irreparável ou de difícil reparação a direitos da personalidade, concedeu a referida antecipação de tutela almejada, e contra a qual a agravante se insurge, sob o argumento, em linhas gerais, de que o comando judicial é impossível de ser cumprido, devido à inviabilidade técnica de se proceder a uma varredura no site com a finalidade de localizar as referidas páginas pessoais de conteúdos difamatórios, sem a indicação precisa da URL, e ao fornecimento de quaisquer informações sobre o usuário responsável pelas ofensas, já que não exige documentos pessoais para a realização do cadastramento no Orkut.

Pois bem. Como fundamentou o Juiz a quo, o deferimento da antecipação de tutela reclama a demonstração da prova inequívoca que convença o juiz da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme determina o artigo 273, caput, e inciso I, do Código de Processo Civil:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (sublinhei).

Sobre o tema, Humberto Theodoro Junior acentua:

Justifica-se a antecipação de tutela pelo princípio da necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. Reconhece-se, assim, a existência de casos em que a tutela somente servirá ao demandante se deferida de imediato.

[...]

Para qualquer hipótese de tutela antecipada, o art. 273, caput, do CPC, impõe a observância de dois pressupostos genéricos:

a) "prova inequívoca"; e

b) "verossimilhança da alegação".

[...]

A antecipação não é de ser prodigalizada à base de simples alegações ou suspeitas. Haverá de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, não precisa ser necessariamente documental. Terá, no entanto, que ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.

[...]

Além dos pressupostos genéricos de natureza probatória, que se acaba de enunciar, o art. 273 do CPC condiciona o deferimento da tutela antecipada a dois outros requisitos, a serem observados de maneira alternativa, ou seja:

a) "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação" (inc. I); ou

b) "o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (inc. II) (Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. II, p. 554, 558-559).

As jurisprudências, a seu turno, trazem os seguintes entendimentos:

Para antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela jurisdiconal, além da prova inequívoca, o magistrado deverá se convencer da verossimilhança da alegação (AI n. 2012.004228-7, de Chapecó, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 26-6-2012).

Nesse ínterim, a antecipação dos efeitos da tutela pressupõe, além da presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a prova inequívoca da verossimilhança do direito invocado (AI n. n. 2010.068021-8, de Orleans, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. em 5-6-2012).

"A antecipação dos efeitos da tutela pressupõe, além da presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a prova inequívoca da verossimilhança do direito invocado, a situação que os autos reproduzem". (TJSC, Agravo de instrumento n. 2007.049155-6, de São José, Relator: Des. Jânio Machado, j. em: 27/07/2010; AI n. 2011.097930-7, de Porto Belo, rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, j. em 21-6-2012).

A antecipação dos efeitos da tutela reclama, ao lado da prova inequívoca, a verossimilhança das alegações invocadas, bem ainda a demonstração do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Presentes os requisitos legais, é de rigor a concessão da medida (AI n. 2010.069873-4, de Criciúma, rel. Des. Subst. Saul Steil, j. em 24-4-2012).

Se assim o é, não assiste razão à agravante, visto que os requisitos se fizeram presentes, dada à flagrante ofensa, que sofre o agravado, propagada no site por ela administrado.

A Internet, vale lembrar, não obstante, em 1957, nos Estados Unidos, tenha nascido com simples propósito de facilitar a comunicação entre o exército e respectivas bases militares (Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 935), o certo é que, dado o rápido avanço tecnológico nas últimas décadas, atualmente "'[...] tornou-se mais uma forma de extensão do homem. Extensão que é coroada pelo fato de estar em determinados lugares ao mesmo tempo, quedando-se imóvel. Pode-se conversar com alguém que esteja além-mar. Com o Oriente, com a América e até com um vizinho. Vizinho no aspecto físico-corporal, porque no mundo mítico da Internet há como que uma aproximação do Oriente com o Ocidente, estendendo as possibilidades do ser humano que é a deslocação rápida, eficaz e sem maiores traumas, pois basta um click para a viagem começar'" (Antonio Jeová Santos apud Rui Stoco. Tratado deresponsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 938).

Bem por isso a Internet constituiu-se em um poderoso meio de comunicação, pela qual, diariamente, trafegam milhares de informações, não se limitando a fronteira de nenhum país.

Como adverte Rui Stoco, a Internet é um "[...] conglomerado, ou seja, um grupo de redes heterogêneas de diferentes computadores interligados por linguagens preestabelecidas", o que, sem sombra de dúvida, tem acarretado "[...] grande dificuldade de regulamentação dessa via virtual de comunicação e a edição de leis, seja de âmbito nacional, internacional ou transnacional - através de tratados ou convenções [...] (Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 938).

Isso resulta, portanto, que "'a Internet não é governada por ninguém. Nenhum governo tem poder sobre ela, para interferir e manietá-la. A Rede é descentralizada. A grande regra na Rede - segundo uso corrente - é a ausência de regras que a regulamente. A liberdade de acesso à informação é total e sem peias'" (Antonio Jeová Santos apud Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 938).

A par disso, à falta de maiores regras, é público e notório que a Internet, mormente o site de relacionamento Orkut, tem sido bastante utilizada como meio de propagação de ofensas pessoais, motivada pela certeza da impunidade gera a pelos entraves tecnológicos, como quer fazer crer a agravante, para se chegar até o responsável.

Na verdade, atitudes como as tomadas pela agravante, na hipótese em comento, apenas têm o condão de contribuir para anarquia que se tornou a rede mundial de computadores.

Ora, extrai-se das alegações da agravante que o site Orkut contém mecanismo para detectar ofensas pessoais como a perpetrada no caso dos autos, chamada "ferramenta 'denunciar abuso'", pelo que, uma vez acionada pelo usuário prejudicado, a Google pode exercer o "controle repressivo", que significa remover o "texto" ou a "foto" que apresenta conteúdo ofensivo, desde que não envolvam casos de "proteção ao direito de livre manifestação do pensamento e à liberdade de expressão"; mas não dispõe de mecanismos técnicos para proceder à localização de dados e remoção de contas de usuários sem a indicação precisa da URL, sigla de Uniforme Resource Locator, que é o endereço eletrônico, a localização virtual, da página que contém o material dito ofensivo.

Essa tem sido, em todas as lides que envolvam casos de ofensas pessoais propagadas no site do Orkut, a justificativa apresentada pela Google para não remover a página pessoal ofensiva e a fornecer informações que possibilitem identificar o usuário responsável pela ofensa.

A cantilena, todavia, não mais se sustenta, já que o Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 2011, discutiu especificamente a tal "inviabilidade técnica", que culminou na seguinte ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. MENSAGENS OFENSIVAS À HONRA DO AUTOR VEICULADAS EM REDE SOCIAL NA INTERNET (ORKUT). MEDIDALIMINAR QUE DETERMINA AO ADMINISTRADOR DA REDE SOCIAL (GOOGLE) A RETIRADA DAS MENSAGENS OFENSIVAS. FORNECIMENTO POR PARTE DO OFENDIDO DAS URLS DAS PÁGINAS NAS QUAIS FORAM VEICULADAS AS OFENSAS. DESNECESSIDADE. RESPONSABILIDADE TÉCNICA EXCLUSIVA DE QUEM SE BENEFICIA DA AMPLA LIBERDADE DE ACESSO DE SEUS USUÁRIOS.

1. O provedor de Internet - administrador de redes sociais -, ainda em sede de liminar, deve retirar informações difamantes a terceiros manifestadas por seus usuários, independentemente da indicação precisa, pelo ofendido, das páginas que foram veiculadas as ofensas (URLs).

2. Recurso especial não provido (REsp 1.175.675, do Rio Grande do Sul, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 9-8-2011).

Com efeito, ficou reconhecido no voto paradigma que a Google não pode alegar a inviabilidade técnica para localizar e excluir a página ofensiva, pois a sensação de anonimato que transmite ao deixar cadastrar-se no Orkut sem a exigência de documentos pessoais, aliada à ausência de ferramentas mais eficazes para identificar o responsável pela ofensa, contribui para o incremento de acessos e, com isso, auferir lucros cada vez maiores.

Como se conclui, são proposições inconciliáveis, que ensejam a aplicação da doutrina do venire contra factum proprium, pois não pode a Google alegar a falta técnica de varredura no site para localização e exclusão da página ofensiva e identificação do respectivo responsável pela ofensa se a facilitação de cadastramento de usuários faz parte do próprio lucro obtido, que, segundo se extrai daquele julgado do STJ, é a segunda marca mais valiosa do mundo, algo em torno de US$ 111 bilhões de dólares, só perdendo para a Apple.

Se, como já se disse, a Google "criou um monstro indomável", somente a ela cabe resolver o problema, visto que é inegável, como se sabe, onde está o "ganho", está o "encargo".

Nesses termos, extrai-se do voto condutor acima referido:

4.2. Diante da moldura fática imutável entregue a esta Corte, afigura-se-me correta a decisão singular, bem como o acórdão que a manteve.

É de ser ter em mente que as redes sociais - ou outros sítios que oferecem serviço de hospedagem na rede mundial -, ainda que se intitulem como um serviço gratuito, este refere-se apenas aos usuários que se hospedam nesses ambientes virtuais.

O lucro dos provedores hospedeiros, como é o caso do Orkut, dentre outras fontes, é extraído de serviços de publicidade, os quais serão tanto mais eficientes quanto maior for o número de acesso (ou usuário).

E, nesse passo, é evidente que a ampla liberdade de acesso, o anonimato por vezes propiciado pelo próprio provedor, a ausência de ferramenta capaz de controlar manifestações (saudáveis ou não) no ambiente virtual, tudo isso contribui para o incremento de acessos e se apresenta como chamariz eficiente de usuários.

Tal como asseverado pela Ministra Nancy Andrighi, na relatoria do Resp n. 1.193.764/SP:

No caso do GOOGLE, é clara a existência do chamado cross markenting, consistente numa ação promocional entre produtos ou serviços em que um deles, embora não rentável em si, proporciona ganhos decorrentes da venda de outro. Apesar de gratuito, o ORKUT exige que o usuário realize um cadastro e concorde com as condições de prestação do serviço, gerando um banco de dados com infinitas aplicações comerciais.

4.3. Com efeito, se fosse crível a alegada ausência de ferramentas capazes de fazer uma "varredura" no ambiente virtual chamado Orkut, tal "deficiência técnica" faria parte do amplo mecanismo liberal de acesso a essa rede social, o que certamente atrai mais usuários e fomenta os lucros auferidos pela recorrente.

Ou seja, a alegada incapacidade técnica de varredura das mensagens incontroversamente difamantes é algo de venire contra factum proprium, inoponível em favor do provedor de Internet.

Não se conceberia, por exemplo, que a ausência de ferramentas técnicas à solução de problemas em um produto novo no mercado isentaria a fabricante de providenciar alguma solução. Tal como afirmado na instância de piso, se a Google criou um "monstro" indomável é apenas a ela que deve ser imputadas eventuais consequências desastrosas geradas pela ausência de controle dos usuários de sua rede social, os quais inegavelmente fomentam o lucro da empresa.

Não fosse por isso, não é crível que uma empresa do porte da Google - que, de acordo a pesquisa da agência Millward Brown, veiculada amplamente pela mídia, é a segunda marca mais valiosa do mundo (US$ 111 bilhões de dólares), perdendo apenas para a Apple (US$ 153 bilhões de dólares) -, não possua capacidade técnica para identificar as páginas que contenham mensagens depreciativas à honra do autor, independentemente da identificação precisa, por parte deste, das URLs.

Outrossim, não é demais lembrar o conhecido voto da Mina. Nancy Andrighi, segundo o qual a Google torna-se responsável solidária com o usuário que propaga as ofensas no site de relacionamento Orkut se não adota nenhuma medida enérgica para a imediata retirada do material ofensivo do ar, in verbis:

Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada (REsp 1.193.764/SP, j. em 14-12-2010).

É o que parece que está a acontecer, pois, não obstante o agravado já tenha se utilizado da dita "ferramenta 'denunciar abuso'", negou o pedido dele sob a desculpa de que "[...] os conteúdos analisados não infringiam os termos de serviço do site Orkut" (fl. 12).

Não se duvida que a nova ordem constitucional, editada após a derrocada do Golpe Militar de 1964, protege, como nunca, "a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão", como se observa do artigo 220 da Constituição Federal; todavia esse direito, próprio do Estado Democrático de Direito, não é absoluto, como quer fazer crer a Google.

Dizer que os perfis criados na pessoa do agravado não violam os "termos de serviços do site Orkut" é confirmar a "terra sem lei" que se encontra a Internet, pois tal posição adotada pela Google nega vigência a outros princípios, tão importantes quantos, contidos na Carta Magna, dentre os quais podemos citar o "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família" que os "meios de comunicação social eletrônica" devem observar, como estabelece o artigo 222, § 3º, c/c o artigo 221, ambos da Constituição Federal. Desse modo, a divulgação de ofensas morais como as noticiadas e comprovadas neste caderno processual, sem mesmo ter maiores conhecimentos profundos na ciência do Direito, não está, com toda certeza, amparada no direito de livre manifestação do pensamento, ou, tampouco, no direito de liberdade de expressão.

Tais direitos têm limites, principalmente se os confrontarmos com o princípio da dignidade da pessoa humana, que, além de ser igualmente um direito, é também um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ex vi do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Nesse contexto, colacionam-se, uma vez mais, as palavras do acórdão paradigma, lavrado pelo Min. Luis Felipe Salomão já devidamente identificado alhures:

4.4. Também não impressiona o argumento segundo o qual não seria possível ao provedor de Internet realizar um juízo subjetivo de valor acerca da potencialidade lesiva das mensagens, para ele próprio concluir que há ofensa à honra de outrem.

A verdade é que se veiculam em redes sociais mensagens objetiva e ostensivamente ofensivas à honra de terceiros, as quais podem ser capturadas inclusive por mecanismos de programação.

Outras mensagens que não poderiam, em tese, ser capturadas por programas cibernéticos e que demandariam o mencionado "juízo de valor", poderiam ser examinadas por um corpo técnico especializado, quiçá jurídico ou orientado por especialistas do direito. Nesse caso, assumir-se-ia o risco de manter tais ou quais mensagens na rede e eventualmente a celeuma ser resolvida no âmbito do Poder Judiciário.

5. Vale dizer, portanto, por qualquer ângulo que se analise a controvérsia, afigura-se factível de cumprimento e legítima a decisão de primeiro grau que determinou à Google a retirada de "toda e qualquer menção difamatória do nome do autor dentro do prazo máximo de 48 horas".

Cumpre notar ainda que, no caso de redes sociais, eventuais ofensas à honra de pessoas não podem ser consideradas atos exclusivamente praticados por terceiros (usuários).

Evidentemente há a participação instrumental do fornecedor do "ambiente" virtual que, sabedor da potencialidade lesiva do ato e da possibilidade da rápida disseminação da informação pelo ambiente preparado por ele próprio, não retira a informação do ar tão logo chegue ao seu conhecimento.

E, no caso de uma empresa de Internet de grande porte, deve-se presumir que seja sabedora da existência da mensagem eventualmente ofensiva tão logo tenha sido postada em seu ambiente virtual, independentemente de indicação por parte do ofendido.

No particular, alinho-me ao judicioso voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin, quando em julgamento ação civil pública tendente a compelir a Google a impedir o surgimento de comunidades no site Orkut ofensivas a interesse de menores, verbis:

A internet é o espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um universo sem lei e sem responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer. No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só, pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito brasileiro. Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente, estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet é tão responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em comunidade, seja ela real ou virtual.

Essa co-responsabilidade - parte do compromisso social da empresa com a sociedade, sob o manto da excelência dos serviços que presta e da merecida admiração que conta em todo mundo - é aceita pelo Google, tanto que atuou, de forma decisiva, no sentido de excluir páginas e identificar os gângsteres virtuais.

Tais medidas, por óbvio, não bastam, já que reprimir certas páginas ofensivas já criadas, mas nada fazer para impedir o surgimento e multiplicação de outras tantas, com conteúdo igual ou assemelhado, é, em tese, estimular um jogo de Tom e Jerry, que em nada remedia, mas só prolonga, a situação de exposição, de angústia e de impotência das vítimas das ofensas. (REsp 1117633/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 26/03/2010)

Nesse ponto, ressalto, uma vez mais, que não se afirma que há dano moral imputável ao provedor de Internet (administrador de rede social), já no momento em que determinada mensagem é postada na rede.

Nesse momento, há o dever de o provedor retirar tal mensagem do seu ambiente virtual, mas sua responsabilização civil vai depender de sua conduta, se omissiva ou não, levando-se em conta a proporção entre sua culpa e o dano experimentado por terceiros (art. 944, parágrafo único, do CPC).

Não se trata também de censura prévia à liberdade de expressão dos usuários das chamadas redes sociais. É que a própria Constituição Federal, ao proclamar a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, assim o faz trançando as diretrizes principiológicas de acordo com as quais esse direito será exercido, não havendo, no ponto e em regra, direito absoluto.

Desse modo, depois de a Carta da República afirmar, no seu art. 220, que "[a] manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição", de logo colaciona alguns princípios norteadores dessa liberdade.

Com efeito, o § 3º do art. 222, em alguma medida, dirige e restringe tal liberdade, ao afirmar que "[os] meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221", princípios dos quais se destaca o "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família" (inciso IV).

É somente com a equilibrada ponderação de valores de elevada envergadura, todos protegidos constitucionalmente, que o problema vai encontrar solução.

De fato, não há como afirmar acertadamente que, por exemplo, o discurso de ódio, mensagens racistas e difamantes, pornografia infantil, anúncios servis a tráfico de entorpecentes - como os que noticiam a imprensa brasileira existirem na rede social ora em questão -, possam fazer parte do âmbito normativo de proteção da liberdade de manifestação do pensamento.

Nesse sentido, colho magistério de renomada doutrina:

Respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com os seus semelhantes. Há o desrespeito ao princípio, quando a pessoa é tratada como objeto, como meio para a satisfação de algum interesse imediato.

O ser humano não pode ser exposto - máxime contra sua vontade - à mera curiosidade de terceiros, para satisfazer instintos primários, nem pode ser apresentado como instrumento de divertimento alheio, com vistas a preencher o tempo de ócio de certo público. Em casos assim, não haverá exercício legítimo da liberdade de expressão (grifei). (MENDES, Gilmar Ferreira [et. al.]. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 365)

Deveras, a dignidade da pessoa humana, sendo um dos fundamentos da República (art. 1º, inciso III, CF/88) e não simplesmente um direito, é a lente pela qual devem ser lidos os demais direitos e liberdades consagrados constitucionalmente.

Enfim, a alegada dificuldade técnica, sem a identificação precisa da URL, caiu por terra definitivamente haja vista o entendimento supra do Superior Tribunal de Justiça.

Até porque, segundo se subsome da ação de obrigação de fazer intentada pelo agravado, já foram indicadas as páginas ofensivas, pelo que descabe a informação da URL.

Nesse sentido, colhe-se do Tribunal de Justiça Gaúcho:

Desnecessidade de indicação das URLs para a retirada dos conteúdos denunciados, já que as comunidades foram indicadas claramente pela vítima (Ap. Cív. n. 70041394883, de Porto Alegre, rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, j. em 21-9-2011).

Com base nisso, a agravante tem plenas condições para identificar, pelo menos, o IP do usuário que criou os perfis difamatórios em nome do agravado, embora ela própria afirme que não exige, no cadastramento de seus usuários, documentos pessoais.

O IP, que significa protocolo de Internet, consiste, grosso modo, em um endereço composto de uma sequência de números que identifica o computador na rede mundial de computadores.

A respeito, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que registra o número de protocolo (IP) na Internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de Internet (REsp 1.186.616/MG, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. em 23-8-2011).

E, ainda, deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DETERMINAR A EXCLUSÃO DE PERFIL DO SITE DE RELACIONAMENTO ORKUT, QUE CONTINHA COMENTÁRIOS OFENSIVOS À IMAGEM DA AUTORA E DE SUA FAMÍLIA, COMPELINDO O AGRAVANTE AO FORNECIMENTO DOS DADOS PESSOAIS DO USUÁRIO RESPONSÁVEL PELO PERFIL FALSO - IRRESIGNAÇÃO PARCIAL QUANTO À ORDEM DE FORNECIMENTO DA IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO - PROVEDOR DE HOSPEDAGEM QUE NÃO TEM OBRIGAÇÃO LEGAL DE EXIGIR INFORMAÇÕES PARTICULARES QUANDO DA CRIAÇÃO DA CONTA NO ORKUT - OBRIGATORIEDADE, TODAVIA, DE FORNECIMENTO DO IP (INTERNET PROTOCOL), QUE JÁ FOI DISPONIBILIZADO PELO AGRAVANTE - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TJSC, AI n. 2011.067811-3, de São José, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. em 8-12-2011).

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Este é o voto.

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