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Justiça do Trabalho

Empresa de logística que não fiscalizou contratadas é condenada por trabalho escravo

Empregado receberá R$ 50 mil de danos morais.

Da Redação

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Atualizado às 14:36

A 8ª turma do TST manteve decisão que garantiu R$ 50 mil de indenização por danos morais a empregado submetido a condições análogas à de escravo por empresas do RS. A América Latina Logística Malha Sul S/A responderá solidariamente pela condenação por não ter fiscalizado as empresas que contratou e que empregavam o reclamante. Os ministros acordaram em dar provimento ao recurso apenas quanto ao tema dos honorários advocatícios, determinando que estes sejam calculados sobre o valor líquido da condenação.

O caso

As duas microempresas (Ricardo Peralta Pelegrine-ME e Vilmar Irineu Pelegrine-ME) que submeteram o trabalhador a condições análogas à de escravo atuavam na contratação de empregados para a extração de madeira, confecção e transporte de dormentes, postes e varas utilizados pela Logística Malha Sul, empresa do ramo de transporte e logística, sediada em Curitiba/PR.

O empregado denunciou que trabalhou por quase três anos como operador de motosserra. Explicou que jamais recebeu integralmente o salário acordado em razão de descontos indevidos, inclusive para alimentação - a qual classificou como precária. Afirmou ainda que nos acampamentos nos quais morava não havia as mínimas condições de higiene, pois dormia em barracas e a água para consumo provinha de um riacho sem que houvesse controle de salubridade. Tinha ainda restrições ao seu direito de ir e vir.

Na sentença que condenou as empregadoras, o juiz da ara de Alegrete/RS ressaltou que o trabalho análogo ao de escravo foi constatado por operação conjunta feita pelo MTE, o MPT, a PF e a Brigada Militar, na qual 47 trabalhadores foram resgatados em condições degradantes no trabalho de extração de madeiras nas localidades de Macaco Branco, Apesul e Areai, no Município de Cacequi/RS.

De acordo com a inspeção, os trabalhadores não eram registrados e estavam alojados em barracas de plástico preto e lonas amarradas às árvores, e dormindo sobre pedaços de espumas. Também havia a prática de compra em armazém do empregador, o que causava grande retenção salarial. Constatou-se, ainda, que a jornada excedia a dez horas diárias.

A condenação em danos morais, pagamento de horas extras, adicional de periculosidade e outras verbas salariais alcançou, além dos microempresários, a América Latina Logística Malha Sul, terceira reclamada, de forma solidária.

Após interposição de recursos ordinários pelo trabalhador e a Logística, o Tribunal Regional do RS majorou a indenização por danos morais para R$ 50 mil. O recurso de revista da empresa chegou ao TST, que ratificou o valor da indenização e a responsabilidade da terceira reclamada.

TST

A desembargadora convocada Maria Laura Franco Lima de Faria, relatora, destacou que, ao contrário dos argumentos da empresa, o dano foi fartamente comprovado nos autos, e que no valor fixado pelo TRT/RS considerou-se que o operador de motosserra ficou sujeito a condição precária de trabalho por mais de dois anos.

Em relação à responsabilidade solidária, a relatora destacou que "não obstante a recorrente tenha tido ciência da forma de trabalho empreendida pela empresa contratada, manteve a prestação de serviços. Assim, compactuou com os atos ilícitos praticados contra a legislação trabalhista e, principalmente contra os trabalhadores vítimas destas condições degradantes de trabalho". Para a magistrada, a omissão da empresa "não se justifica sob qualquer ótica que se analise a questão".

  • Processo Relacionado : RR-325-52.2010.5.04..0821

____________

ACÓRDÃO

(8ª Turma)

GJCMLF/tkw/bv

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO. Constatada a possível violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento.

II - RECURSO DE REVISTA. 1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO. De acordo com a OJ-SDI-1 nº 348 do TST, "os honorários advocatícios, arbitrados nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários". Recurso de Revista conhecido e provido.

2. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA A ESCRAVO. De acordo com o contexto fático delineado pelo TRT, verifica-se que os empregadores RICARDO PERALTA PELEGRINE - ME e VILMAR IRINEU PELEGRINE - ME submetiam seus empregados a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos trabalhadores (truck system) e restrições ao seu direito de ir e vir, caracterizando trabalho análogo a de escravos. Além disso, o Regional ressaltou que a Recorrente possuía elevados poderes fiscalizatórios sobre os serviços prestados pelos primeiros reclamados, a indicar a efetiva ingerência na atividade prestada. Constata-se, portanto, que, não obstante a Recorrente tenha tido ciência da forma de trabalho empreendida pela empresa contratada, manteve a prestação de serviços. Assim, compactuou com os atos ilícitos praticados contra a legislação trabalhista e, principalmente contra os trabalhadores vítimas destas condições degradantes de trabalho. Deste modo, não há como se afastar a responsabilização solidária da Reclamada, tendo por norte os artigos 186 e 942 do Código Civil. Recurso não conhecido.

3. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. O Tribunal Regional, com base na análise do conteúdo fático-probatório dos autos, concluiu que o Autor laborava em área de risco pelo armazenamento de líquidos inflamáveis, assim como, registrou que a Recorrente não comprovou a permanência do Reclamante no depósito por apenas alguns minutos por dia. Deste modo, entendimento diverso do consignado no acórdão recorrido somente seria possível com o reexame de fatos e provas, o que é obstado pela Súmula nº 126 do TST. Recurso não conhecido.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. QUANTUM DEVIDO. Verifica-se que restou fartamente comprovado que os Reclamados mantinham os trabalhadores em condição análoga a escravo, impingindo-lhes labor em jornadas excessivas e sem condições mínimas de higiene. Tal fato foi, inclusive, objeto de investigação pelo Ministério Público do Trabalho. Além disso, consta expressamente da decisão recorrida que "O depoimento das testemunhas inquiridas confirma a manutenção das condições de trabalho degradantes quando da vigência do contrato de trabalho do reclamante".

Diante deste quadro fático retratado pelo Regional, soberano na análise de provas (Súmula 126 do TST), infere-se a constatação de prova do fato (trabalho análogo à condição de escravo), do dano experimentado pelo trabalhador decorrente do próprio fato (dor íntima), do nexo de causalidade com a atividade laboral e da culpa do empregador (que não observou as normas trabalhistas), a atrair o dever de indenizar. Com relação ao valor da arbitrado, deve-se ressaltar que o Juiz deve adotar, quando da fixação da indenização por danos morais, um critério de razoabilidade e proporcionalidade entre a lesão de ordem imaterial sofrida, seus efeitos extrapatrimoniais porventura perceptíveis, o grau da culpa do lesante e a capacidade econômica do réu. Na hipótese vertente, a indenização por danos morais foi fixada em patamar razoável. Recurso não conhecido.

5. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT. Não há que se falar em violação literal ao artigo 477 da CLT, uma vez que a citada norma não trata da abrangência da responsabilidade solidária. Além disso, o recurso também não prospera por divergência jurisprudencial, tendo em vista que os arestos colacionados são inespecíficos por tratarem de responsabilidade subsidiária. Recurso não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-325-52.2010.5.04.0821, em que é Recorrente ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S.A. e Recorrido GIOVANE DE MELO VALAU, RICARDO PERALTA PELEGRINE - ME e VILMAR IRINEU PELEGRINE - ME.

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão mediante a qual se denegou seguimento ao Recurso de Revista.

Procura-se demonstrar a satisfação dos pressupostos para o processamento do Recurso obstado.

Não houve apresentação de Contraminuta ao Agravo de Instrumento, nem de Contrarrazões ao Recurso de Revista.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 83, § 2º, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO

1 - CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, conheço do Agravo de Instrumento.

2 - MÉRITO

O Tribunal Regional denegou seguimento ao Recurso de Revista pelos seguintes fundamentos:

"PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Tempestivo o recurso.

Regular a representação processual.

Satisfeito o preparo.

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / PARTES E PROCURADORES / SUCUMBÊNCIA / HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

Alegação(ões):

- violação do(s) art(s). 11, § 1º, da Lei 1060/1950.

A 6ª Turma manteve a condenação ao pagamento de honorários assistenciais, na forma fixada na sentença. Assim fundamentou: A ré não se conforma com a fixação dos honorários advocatícios à razão de 15% sobre o valor total bruto da condenação, ao argumento de que a verba honorária deve ser estabelecida com base em valor líquido da condenação, consoante art. 11, §1º, da Lei nº 1.060/50. Outrossim, requer a redução do percentual para 10%. Sem razão. Quanto à base de incidência dos honorários assistenciais, adota-se o entendimento da Súmula nº 37 deste Regional, que dispõe que os honorários de assistência judiciária devem incidir sobre o valor bruto da condenação. Com relação ao percentual arbitrado, este é o parâmetro usual no âmbito desta Justiça Especializada, correspondente ao limite definido por lei, não havendo razão para sua redução. Nega-se provimento. (Relatora: Beatriz Renck) - grifei.

Não detecto violação literal a dispositivo de lei, circunstância que obsta a admissão do recurso pelo critério previsto na alínea "c" do art. 896 da CLT.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA/SUBSIDIÁRIA.

Alegação(ões):

- violação do(s) art(s). 5º, II, da CF.

- violação do(s) art(s). 2º, § 2º, 455 da CLT; 265 do CC.

- divergência jurisprudencial.

A Turma manteve a sentença que reconheceu a responsabilidade solidária da terceira reclamada, ora recorrente. Fundamentou no sentido de que: No presente caso, verifica-se que a relação mantida entre os reclamados extrapolou os limites da mera operação comercial, tendo em vista os contratos das fls. 172-80, e das fls. 102-4, cujo objeto é de prestação de serviços de transporte de dormentes, assim como a própria confecção dos dormentes, postes e varas. De ressaltar, outrossim, os elevados poderes fiscalizatórios da terceira reclamada ante os serviços prestados pelos primeiros reclamados, a indicar a efetiva ingerência da ora recorrente na atividade prestada pelos reclamados contratados. A ALL tinha o poder de fiscalizar a execução dos serviços (cláusula 5.1), tendo os primeiros reclamados o dever de prestar contas, quinzenalmente, acerca do cumprimento das obrigações trabalhistas, inclusive (cláusula 6.9). Ademais, conforme depoimento de preposto da terceira reclamada, constata-se que a ALL comprava dormentes somente dos reclamados. Assim sendo, conclui-se que houve inegável intermediação de mão de obra entre os reclamados, devendo a recorrente ser responsabilizada solidariamente, tendo em vista a ingerência que mantinha sobre os serviços da prestadora. Impende ressaltar, por fim, o modus operandi dos primeiros reclamados, certamente de conhecimento da terceira reclamada, que importa grave ofensa aos direitos fundamentais mínimos dos trabalhadores. Em inspeção realizada pelo Ministério do Trabalho no ano de 2007 - relatório das fls. 38-72 -, constatou-se que o empregador, Ricardo Peralta Pelegrine, realizada a aquisição de "mato" em variados Municípios, para sua extração, transformação em dormentes e futura venda destes, com exclusividade, para a empresa ALL. Para a consecução destas atividades, eram recrutados trabalhadores do interior do Rio Grande do Sul, assim como do Paraguai e Mato Grosso, os quais eram submetidos às mais variadas privações, e desrespeito aos mais elementares direitos trabalhistas. Verificou-se a prática de trabalho análogo à condição de escravo (fl. 47 e ss.), por submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos trabalhadores (truck system) e restrições ao seu direito de ir e vir. Este cenário torpe e hostil, que será esquadrinhado quando da análise do dano moral, somado ao dever contratual de fiscalização da terceira reclamada, contamina a terceirização havida de ilicitude, por vulnerar o último e primeiro bem jurídico do ser humano, sua própria dignidade. Não se pode compactuar com o aproveitamento, ainda que mediante terceirização, da mão de obra de outrem neste aflitivo e desumano grau de exploração. Nesta senda, a responsabilidade solidária da terceira ré encontra respaldo na norma inserta no art. 186 do Código Civil, uma vez que com sua total omissão contribuiu para os atos ilícitos praticados pela primeira contra seus empregados. Grifei.

Não verifico afronta direta e literal ao art. 5º, II, da Constituição Federal. O conteúdo da decisão atacada não contraria o princípio da legalidade.

Tampouco detecto violação literal a dispositivo de lei, circunstância que obsta a admissão do recurso pelo critério previsto na alínea "c" do art. 896 da CLT.

À luz da Súmula 296 do TST, aresto que não revela identidade fática com a situação descrita nos autos ou que não dissente do posicionamento adotado não serve para impulsionar recurso de revista.

REMUNERAÇÃO, VERBAS INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS / ADICIONAL / ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.

Alegação(ões):

- contrariedade à(s) Súmula(s) 364, I,/TST.

- violação do(s) art(s). 193 da CLT.

- divergência jurisprudencial.

A Turma manteve a condenação ao pagamento de adicional de periculosidade, consignando: No laudo pericial das fls. 301-6, o perito conclui que as atividades desempenhadas pelo autor, em favor dos reclamados, se caracterizam como perigosas, devido ao labor em área de risco pelo armazenamento de líquidos inflamáveis, conforme o Anexo nº 2 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do MTE. Relata o experto que, no exercício de suas funções, o autor entrava e permanecia em área de risco, onde ficavam armazenados cerca de 500 litros de combustível. O reclamante lá ingressava para buscar gasolina e óleo ao abastecimento do trator e da motosserra. A prova testemunhal corrobora as conclusões periciais. (...). Cabe observar, por fim, que o adicional de periculosidade é devido, ainda que a exposição não ocorra durante toda a jornada de trabalho, nos termos da Súmula nº 364, I, do TST, in verbis: "Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido". O fato de que o reclamante permanecia no depósito por apenas alguns minutos por dia, o que não foi provado pelas rés, não possuiria o condão de afastar a percepção da vantagem, diante da imprevisibilidade da ocorrência do sinistro, uma vez que bastaria pouco tempo de contato para determinar a morte do empregado. Nega-se provimento ao recurso. Grifei.

A decisão não contraria a Súmula indicada.

Não detecto violação literal a dispositivo de lei, circunstância que obsta a admissão do recurso pelo critério previsto na alínea "c" do art. 896 da CLT.

À luz da Súmula 296 do TST, aresto que não revela identidade fática com a situação descrita nos autos ou que não dissente do posicionamento adotado não serve para impulsionar recurso de revista.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / PARTES E PROCURADORES / HONORÁRIOS PERICIAIS.

Inviabiliza o exame de admissibilidade recursal o ataque a matéria não abordada no acórdão.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR/EMPREGADO / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

Alegação(ões):

- violação do(s) art(s). 5º, II e V, da CF.

- violação do(s) art(s). 818 da CLT; 333, I, do CPC; 944 do CC.

- divergência jurisprudencial.

A Turma manteve a condenação ao pagamento de indenização por dano moral, majorando o seu valor para R$ 50.000,00. O acórdão registra: No relatório de fiscalização confeccionado pelo Ministério do Trabalho (...), elaborado em novembro de 2007, constatou-se que na localidade de Cacequi/RS, o empregador Ricardo Peralta Pelegrine (primeiro reclamado nesta demanda) adquiria "mato" (sem realizar a compra das terras) para retirada de madeiras, utilizadas na produção de dormentes vendidos à empresa ALL - América Latina Logística. Quanto às condições de trabalho, constatou-se que "o empregador mantinha, em condições de trabalho degradante, um total de 47 trabalhadores (...). Os mesmos estavam sem o registro e alojados em barracos de plástico preto e lonas, escorados com tábuas e amarrados às árvores; dormiam sobre pedaços de esponjas; alimentavam-se, basicamente, de arroz, feijão e massa; realizavam suas refeições sentados no chão ou em tocos de madeiras; a água, tanto para consumo como para a higiene pessoal, provinha de uma 'sanga', também utilizada para lavagem de maquinário agrícola; inexistiam sanitários; não havia o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI); os exames médicos ocupacionais não eram realizados; os salários não eram pagos dentro do prazo legal e sofriam descontos não autorizados em lei; (...) os trabalhadores eram induzidos a comprarem no armazém mantido pelo empregador e as jornadas de trabalho excediam de dez horas diárias" (...). Os trabalhadores eram recrutados por Vilmar Pelegrine (administrador da empresa, segundo reclamado, e progenitor do primeiro reclamado), em Municípios próximos de Cacequi, no Paraguai e no Mato Grosso do Sul. Após relatório pormenorizado das condições de trabalho, concluiu-se que: "A denúncia é procedente no que se refere às práticas que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo, especialmente, em face da sujeição dos empregados a condições degradantes de trabalho; à jornada exaustiva; pela restrição à locomoção do trabalhador em razão de dívidas; bem como pelo cerceamento ao uso de qualquer meio de transporte pelo empregado e pela retenção de seus documentos, com o fim de retê-los nos locais de trabalho". (...). Ainda, no depoimento prestado pelo primeiro reclamado ao Ministério Público do Trabalho (...), confessa que ele e seu progenitor (segundo reclamado) são os empregadores dos trabalhadores encontrados em regime análogo à escravidão. Outrossim, que possuíam uma empregada dentro do escritório da ALL em Cacequi/RS. (...). Às fls. 84-93 foi juntado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por intermédio do qual, além do comprometimento dos reclamados ao cumprimento das obrigações trabalhistas, fixou-se o valor de R$ 33.600,00 a título de dano moral coletivo. No caso concreto, foi reconhecido vínculo de emprego entre autor e primeiro reclamado no período de 19-07-2008 a 20-03-2010, tendo sido o autor arregimentado no Município de Alegrete, para laborar em "matos" no interior do Rio Grande do Sul. O depoimento das testemunhas inquiridas confirma a manutenção das condições de trabalho degradantes quando da vigência do contrato de trabalho do reclamante. (...). Por todo exposto, inegável a ocorrência do dano moral, porquanto o trabalhador foi afetado por conduta do empregador que lhe expôs a situação degradante, atingindo seus direitos de personalidade. A configuração do dano moral exige prova de que o empregador tenha agido de forma a macular a honra e a dignidade do empregado. Na hipótese dos autos, a manutenção dos trabalhadores em situação que viola sua própria constituição como seres humanos, impingindo-lhes labor em jornadas excessivas, sem condições mínimas de higiene e afrontando os mais basilares direitos fundamentais resguardados em nossa Constituição Federal, não deixa dúvida quanto ao dever de compensar o dano pelos réus. Relativamente à alegação de que somente os reais empregadores - primeiros reclamados - deveriam ser responsabilizados, não prospera. A condenação foi dada com base na relação de emprego da qual a terceira reclamada se beneficiou, estando neste fator a causa de sua responsabilização. Importa esclarecer que não há necessidade de se perquirir a culpa da ora recorrente, na medida em que sua responsabilização decorre da conduta culposa dos reclamados, efetivamente condenados pela prática ultrajante. Ainda assim, cumpre referir que a terceira reclamada, ante seus elevados poderes fiscalizatórios, tinha ciência da situação de trabalho dos empregados do primeiro reclamado. Por fim, no tocante ao valor fixado, entende-se insuficiente diante da realidade emoldurada nos presentes autos, pois o valor devido a título de dano moral, como nos ensina a doutrina, deve ser arbitrado com esteio na extensão do dano, nas condições econômicas do agressor, de modo a compensar, ainda que parcialmente, o dano sofrido, sem causar enriquecimento injustificado e de forma a atuar pedagogicamente, com o intuito de evitar que situações dessa natureza repitam. Sinala-se que o valor de R$ 10.000,00 fixado na origem é insuficiente a compensação da dor moral sofrido pelo trabalhador que foi sujeitado à condição de labor análoga a de escravo por mais de dois anos e da capacidade econômica daqueles aos quais reverteu sua produção (aí incluída a terceira ré). Diante desta realidade, dá-se provimento ao recurso do autor, na espécie, para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 50.000,00, a época da prolação da sentença. Grifei.

Não constato violação aos dispositivos de lei e da Constituição Federal invocados, circunstância que obsta a admissão do recurso pelo critério previsto na alínea "c" do art. 896 da CLT.

À luz da Súmula 296 do TST, aresto que não revela identidade fática com a situação descrita nos autos ou que não dissente do posicionamento adotado não serve para impulsionar recurso de revista.

Rescisão do Contrato de Trabalho / Verbas Rescisórias / Multa do Artigo 477 da CLT.

Alegação(ões):

- violação do(s) art(s). 477 da CLT.

- divergência jurisprudencial.

A Turma manteve a condenação solidária da ora recorrente ao pagamento da multa prevista no artigo 477 da CLT, pois: A responsabilidade solidária atribuída à recorrente abrange a totalidade das parcelas deferidas. A condenação ao pagamento das verbas rescisórias destina-se, sim, às empregadoras (shuld), todavia a responsabilidade pelo seu pagamento (haftung) atinge de maneira integral e irrestrita a responsável solidária.

Não detecto violação literal a dispositivo de lei, circunstância que obsta a admissão do recurso pelo critério previsto na alínea "c" do art. 896 da CLT.

Não serve ao confronto de teses, nos termos do parágrafo 4º do art. 896 da CLT, aresto superado pela Súmula 331, VI, do TST.

Ademais, à luz da Súmula 296 do TST, aresto que não revela identidade fática com a situação descrita nos autos ou que não dissente do posicionamento adotado não serve para impulsionar recurso de revista.

CONCLUSÃO

Nego seguimento."

A Agravante alega que os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o valor líquido apurado na execução de sentença. Aponta violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50.

À análise.

Ante a possível violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50, dou provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o Recurso de Revista.

II - RECURSO DE REVISTA

CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos extrínsecos do Recurso de Revista, passo ao exame dos seus requisitos intrínsecos.

1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO

O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada pelos seguintes fundamentos:

"A ré não se conforma com a fixação dos honorários advocatícios à razão de 15% sobre o valor total bruto da condenação, ao argumento de que a verba honorária deve ser estabelecida com base em valor líquido da condenação, consoante art. 11, §1º, da Lei nº 1.060/50. Outrossim, requer a redução do percentual para 10%.

Sem razão.

Quanto à base de incidência dos honorários assistenciais, adota-se o entendimento da Súmula nº 37 deste Regional, que dispõe que os honorários de assistência judiciária devem incidir sobre o valor bruto da condenação. Com relação ao percentual arbitrado, este é o parâmetro usual no âmbito desta Justiça Especializada, correspondente ao limite definido por lei, não havendo razão para sua redução.

Nega-se provimento."

A Recorrente alega que os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o valor líquido apurado na execução de sentença. Aponta violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50.

À análise.

O artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50 dispõe que:

"Art. 11. Os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de assistência for vencedor na causa.

§ 1º. Os honorários do advogado serão arbitrados pelo juiz até o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o líquido apurado na execução da sentença."

Neste sentido, a jurisprudência desta Corte estabelece que os honorários advocatícios devem incidir sobre o valor líquido da condenação. Este é o teor da OJ-SDI-1 nº 348 do TST, in verbis:

"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO. LEI Nº 1.060, DE 05.02.1950. DJ 25.04.2007

Os honorários advocatícios, arbitrados nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários."

Deste modo, a decisão recorrida ao determinar que os honorários de assistência judiciária devem incidir sobre o valor bruto da condenação contrariou a jurisprudência desta Corte.

Conheço do Recurso de Revista por violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50.

MÉRITO

Conhecido o Recurso de Revista por violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50, seu provimento é medida que se impõe.

Dou provimento ao Recurso de Revista para determinar que os honorários advocatícios sejam calculados sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença.

2. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA A ESCRAVO

O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada pelos seguintes fundamentos:

"O Juízo de origem reconheceu a responsabilidade solidária ao fundamento de que houve contrato de prestação de serviços entre terceira reclamada e o primeiro reclamado, e que a ora recorrente não fiscalizou a contento o cumprimento das obrigações trabalhistas pelos primeiros reclamados.

No presente caso, verifica-se que a relação mantida entre os reclamados extrapolou os limites da mera operação comercial, tendo em vista os contratos das fls. 172-80, e das fls. 102-4, cujo objeto é de prestação de serviços de transporte de dormentes, assim como a própria confecção dos dormentes, postes e varas. De ressaltar, outrossim, os elevados poderes fiscalizatórios da terceira reclamada ante os serviços prestados pelos primeiros reclamados, a indicar a efetiva ingerência da ora recorrente na atividade prestada pelos reclamados contratados. A ALL tinha o poder de fiscalizar a execução dos serviços (cláusula 5.1), tendo os primeiros reclamados o dever de prestar contas, quinzenalmente, acerca do cumprimento das obrigações trabalhistas, inclusive (cláusula 6.9). Ademais, conforme depoimento de preposto da terceira reclamada, constata-se que a ALL comprava dormentes somente dos reclamados.

Assim sendo, conclui-se que houve inegável intermediação de mão de obra entre os reclamados, devendo a recorrente ser responsabilizada solidariamente, tendo em vista a ingerência que mantinha sobre os serviços da prestadora.

Impende ressaltar, por fim, o modus operandi dos primeiros reclamados, certamente de conhecimento da terceira reclamada, que importa grave ofensa aos direitos fundamentais mínimos dos trabalhadores. Em inspeção realizada pelo Ministério do Trabalho no ano de 2007 - relatório das fls. 38-72 -, constatou-se que o empregador, Ricardo Peralta Pelegrine, realizada a aquisição de "mato" em variados Municípios, para sua extração, transformação em dormentes e futura venda destes, com exclusividade, para a empresa ALL. Para a consecução destas atividades, eram recrutados trabalhadores do interior do Rio Grande do Sul, assim como do Paraguai e Mato Grosso, os quais eram submetidos às mais variadas privações, e desrespeito aos mais elementares direitos trabalhistas. Verificou-se a prática de trabalho análogo à condição de escravo (fl. 47 e ss.), por submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos trabalhadores (truck system) e restrições ao seu direito de ir e vir. Este cenário torpe e hostil, que será esquadrinhado quando da análise do dano moral, somado ao dever contratual de fiscalização da terceira reclamada, contamina a terceirização havida de ilicitude, por vulnerar o último e primeiro bem jurídico do ser humano, sua própria dignidade. Não se pode compactuar com o aproveitamento, ainda que mediante terceirização, da mão de obra de outrem neste aflitivo e desumano grau de exploração.

Nesta senda, a responsabilidade solidária da terceira ré encontra respaldo na norma inserta no art. 186 do Código Civil, uma vez que com sua total omissão contribuiu para os atos ilícitos praticados pela primeira contra seus empregados.

Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso."

A Recorrente sustenta que a decisão viola o princípio da legalidade, pois não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer regra que permita a responsabilidade solidária de empresas distintas, cuja relação é meramente de natureza civil.

Argumenta que a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes, pressupostos inexistentes no presente caso.

Aponta violação aos artigos 5º, II, da CR; 2º, §2º e 455 da CLT; 265 do CC. Colaciona arestos à divergência.

À análise.

De acordo com o contexto fático delineado pelo TRT, verifica-se que os empregadores RICARDO PERALTA PELEGRINE - ME e VILMAR IRINEU PELEGRINE - ME submetiam seus empregados a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, endividamento dos trabalhadores (truck system) e restrições ao seu direito de ir e vir, caracterizando trabalho análogo a de escravos. Além disso, o Regional ressaltou que a Recorrente possuía elevados poderes fiscalizatórios sobre os serviços prestados pelos primeiros reclamados, a indicar a efetiva ingerência na atividade prestada.

Constata-se, portanto, que, não obstante a Recorrente tenha tido ciência da forma de trabalho empreendida pela empresa contratada, manteve a prestação de serviços. Assim, compactuou com os atos ilícitos praticados contra a legislação trabalhista e, principalmente contra os trabalhadores vítimas destas condições degradantes de trabalho.

Deste modo, não há como se afastar a responsabilização solidária da Reclamada, tendo por norte o artigo 942 do Código Civil, o qual dispõe:

"Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação."

Ressalte-se que o trabalho era realizado em condições absolutamente aviltantes e degradantes, em total ofensa à própria dignidade dos trabalhadores e a omissão da Recorrente não se justifica sob qualquer ótica que se analise a questão.

A embasar este entendimento, cito o artigo 186 do Código Civil:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Deste modo, não há que se falar em violação aos artigos 5º, II, da CR; 2º, §2º e 455 da CLT e 265 do CC, tampouco em divergência jurisprudencial, pois os arestos colacionados (f.458) não tratam de empregado submetido a condições de trabalho análogo a de escravo.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

3. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada pelos seguintes fundamentos:

"No laudo pericial das fls. 301-6, o perito conclui que as atividades desempenhadas pelo autor, em favor dos reclamados, se caracterizam como perigosas, devido ao labor em área de risco pelo armazenamento de líquidos inflamáveis, conforme o Anexo nº 2 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do MTE. Relata o experto que, no exercício de suas funções, o autor entrava e permanecia em área de risco, onde ficavam armazenados cerca de 500 litros de combustível. O reclamante lá ingressava para buscar gasolina e óleo ao abastecimento do trator e da motosserra.

A prova testemunhal corrobora as conclusões periciais. A testemunha Juliano Machado Fagunde (fl. 343v.), convidada pelo autor, afirma que: "dormiam em barracas de lona preta, no mato; era um acampamento, não tinha luz, nada; a gasolina ficava nas barracas, no mesmo lugar onde dormiam; a gasolina era guardada em tonéis, que eram vários, duzentos, trezentos ou quatrocentos litros de gasolina; os tonéis eram de 50 litros; sempre tinha mais de 10 tonéis; no tanque da motosserra cabe meio litro de gasolina; no dia, cada motosserra abastecia várias vezes (o depoente menciona vinte litros de consumo diário)". No mesmo sentido, a testemunha Cláudio Pinto Bairros (fl. 344).

Cabe observar, por fim, que o adicional de periculosidade é devido, ainda que a exposição não ocorra durante toda a jornada de trabalho, nos termos da Súmula nº 364, I, do TST, in verbis: "Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido". O fato de que o reclamante permanecia no depósito por apenas alguns minutos por dia, o que não foi provado pelas rés, não possuiria o condão de afastar a percepção da vantagem, diante da imprevisibilidade da ocorrência do sinistro, uma vez que bastaria pouco tempo de contato para determinar a morte do empregado.

Nega-se provimento ao recurso." (g.n.)

A Recorrente sustenta que o Autor não mantinha contato permanente com o agente perigoso e em condição de risco acentuado. Argumenta que o TRT enquadrou a periculosidade a partir de uma atividade esporádica e de curta duração, contrariando o disposto no artigo 193 da CLT.

Aponta violação ao artigo 193 da CLT e contrariedade a Súmula nº 364 do TST. Traz arestos à divergência.

À análise.

Constata-se que o Eg. Tribunal Regional, com base na análise do conteúdo fático-probatório dos autos, concluiu que o Autor laborava em área de risco pelo armazenamento de líquidos inflamáveis, assim como, registrou que a Recorrente não comprovou a permanência do Reclamante no depósito por apenas alguns minutos por dia.

Deste modo, entendimento diverso do consignado no acórdão recorrido somente seria possível com o reexame de fatos e provas, o que é obstado pela Súmula nº 126 do TST.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. QUANTUM DEVIDO

O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada pelos seguintes fundamentos:

"No relatório de fiscalização confeccionado pelo Ministério do Trabalho (fls. 38-72), elaborado em novembro de 2007, constatou-se que na localidade de Cacequi/RS, o empregador Ricardo Peralta Pelegrine (primeiro reclamado nesta demanda) adquiria "mato" (sem realizar a compra das terras) para retirada de madeiras, utilizadas na produção de dormentes vendidos à empresa ALL - América Latina Logística. Quanto às condições de trabalho, constatou-se que "o empregador mantinha, em condições de trabalho degradante, um total de 47 trabalhadores (ver V - 5). Os mesmos estavam sem o registro e alojados em barracos de plástico preto e lonas, escorados com tábuas e amarrados às árvores; dormiam sobre pedaços de esponjas; alimentavam-se, basicamente, de arroz, feijão e massa; realizavam suas refeições sentados no chão ou em tocos de madeiras; a água, tanto para consumo como para a higiene pessoal, provinha de uma 'sanga', também utilizada para lavagem de maquinário agrícola; inexistiam sanitários; não havia o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI); os exames médicos ocupacionais não eram realizados; os salários não eram pagos dentro do prazo legal e sofriam descontos não autorizados em lei; (...) os trabalhadores eram induzidos a comprarem no armazém mantido pelo empregador e as jornadas de trabalho excediam de dez horas diárias" (fl. 45). Os trabalhadores eram recrutados por Vilmar Pelegrine (administrador da empresa, segundo reclamado, e progenitor do primeiro reclamado), em Municípios próximos de Cacequi, no Paraguai e no Mato Grosso do Sul.

Após relatório pormenorizado das condições de trabalho, concluiu-se que: "A denúncia é procedente no que se refere às práticas que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo, especialmente, em face da sujeição dos empregados a condições degradantes de trabalho; à jornada exaustiva; pela restrição à locomoção do trabalhador em razão de dívidas; bem como pelo cerceamento ao uso de qualquer meio de transporte pelo empregado e pela retenção de seus documentos, com o fim de retê-los nos locais de trabalho". (fl. 72).

Ainda, no depoimento prestado pelo primeiro reclamado ao Ministério Público do Trabalho (fls. 223-6), confessa que ele e seu progenitor (segundo reclamado) são os empregadores dos trabalhadores encontrados em regime análogo à escravidão. Outrossim, que possuíam uma empregada dentro do escritório da ALL em Cacequi/RS. Com relação ao aliciamento dos trabalhadores, relata que Rubem Fernandes de Melo, seu empregado, arregimentava trabalhadores, em regra, nos Municípios de Alegrete e Cacequi. Estes fatos são corroborados pelos depoimentos de Rubem Fernandes de Melo (fls. 78-80) e de Vilmar Irineu Pelegrine (fls. 81-3).

Às fls. 84-93 foi juntado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por intermédio do qual, além do comprometimento dos reclamados ao cumprimento das obrigações trabalhistas, fixou-se o valor de R$ 33.600,00 a título de dano moral coletivo.

No caso concreto, foi reconhecido vínculo de emprego entre autor e primeiro reclamado no período de 19-07-2008 a 20-03-2010, tendo sido o autor arregimentado no Município de Alegrete, para laborar em "matos" no interior do Rio Grande do Sul. O depoimento das testemunhas inquiridas confirma a manutenção das condições de trabalho degradantes quando da vigência do contrato de trabalho do reclamante. A testemunha Juliano Machado Fagundes (fl. 343v.), assim se manifesta: "... depois da fiscalização, o depoente teve contato com o pessoal quando começou a trabalhar no mato da CEEE em fevereiro de 2009; lá era também ajudante de serrador e trabalhava junto com o pessoal; nessa época quem levou o depoente foi o Sr. Rubens, assim como da primeira vez; nada mudou, Rubens e Fabiano continuaram sendo encarregados; nesta época também via os dois primeiros reclamados lá, que também iam conversar com os encarregados; ao que sabe, o Rubens vendia (depois de dizer vendia, diz entregava) madeira para os dois reclamados; os donos do mato eram os dois primeiros reclamados; quando no mato da CEEE não sabe de quem era o mato, só que eles compravam a madeira; o horário de trabalho, no verão, iniciavam às 6h, voltavam às 12h para almoçar, começavam às 13h30min ou 14h e trabalhavam até bem de tardezinha, 19h ou 20h; no inverno, trabalhavam das 7h às 19h, tirando uma hora para almoçar; trabalhavam todos os dias da semana, sem folga; se quisesse tirar folga, podia, por conta, mas não recebia, porque o pagamento era por produção; dormiam em barracas de lona preta, no mato; era um acampamento, não tinha luz, nada; a gasolina ficava nas barracas, no mesmo lugar onde dormiam; a gasolina era guardada em tonéis, que eram vários, duzentos, trezentos ou quatrocentos litros de gasolina; os tonéis eram de 50 litros; sempre tinha mais de 10 tonéis (...)". (grifou-se). A testemunha Cláudio Pinto Barros igualmente ratifica a continuação da prestação de serviços em condições precárias e degradantes: "...trabalhou para os reclamados de 2004 até janeiro de 2010; trabalhou em Cacequi e na CEEE em Alegrete; (...) trabalhavam de segunda até domingo, se precisasse; ficavam acampados no mato, em barracas ou volante (casinha de madeira); não tinha luz elétrica; a gasolina das motosserras ficava atrás de cada barraco, cada um tinha o seu estoque; perto da barraca do Rubens tinha o estoque de gasolina, com cerca de 400 ou 900 ou 1000 litros, em galões de 50 e de 100 litros; o combustível que ficava com os serralheiros era armazenado em galões de 50 litros; os barracos eram próximos, alguns ficavam mais longe; no mato todo tinha cento e poucos empregados; não sabe se os reclamados tinham outros matos além daqueles onde o depoente trabalhou; durante todos os contratos que teve, as condições sempre foram as mesmas e os donos eram os mesmos ao que sabe; a água era de cacimba...". (fl. 344, grifou-se).

O que se verificou após a inspeção realizada pelo Ministério do Trabalho e a assinatura do TAC foi o procedimento escuso dos primeiros reclamados em forjar a figura de seu arregimentador, Rubem Fernandes de Melo, como suposto empregador, mantendo-se semelhantes condições degradantes de seus postos de trabalho. Cumpre transcrever as observações do Juízo de origem, como fundamentos deste voto, acerca da fraude perpetrada pelos reclamados, litteris: "(...) Impende salientar que os documentos das fls. 234 e 284-91, em que consta a existência de empresa constituída por Rubem Fernandes de Melo, assim como notas fiscais de produtor emitidas em seu nome, ao invés de eximir o primeiro e o segundo réus de qualquer responsabilidade, reforçam a verdadeira intenção deles de responsabilizarem Rubem pelos créditos trabalhistas relativos aos empregados admitidos a partir de maio de 2008. Ademais, não se mostra razoável que Rubem, que era empregado dos réus, conforme demonstram os documentos das fls. 206 e 218-20, após um curto lapso temporal, tivesse condições econômicas para constituir uma empresa, admitindo um número considerável de empregados. Saliente-se também que os documentos das fls. 209-17 - declarações de que Rubem explorava diretamente a atividade de exploração de madeira - provam somente as declarações, mas não os fatos declarados, conforme disposto no artigo 368, parágrafo único do CPC, competindo aos interessados em sua veracidade o ônus de prová-lo, tarefa esta de que não se desincumbiram os reclamados. Nesse contexto, não há dúvida de que o autor era subordinado a Rubem, encarregado do primeiro reclamado e este, por sua vez, mantinha com seu genitor (segundo reclamado) uma sociedade de fato ou parceria. (...)". (fl. 351v.).

Por todo exposto, inegável a ocorrência do dano moral, porquanto o trabalhador foi afetado por conduta do empregador que lhe expôs a situação degradante, atingindo seus direitos de personalidade. A configuração do dano moral exige prova de que o empregador tenha agido de forma a macular a honra e a dignidade do empregado. Na hipótese dos autos, a manutenção dos trabalhadores em situação que viola sua própria constituição como seres humanos, impingindo-lhes labor em jornadas excessivas, sem condições mínimas de higiene e afrontando os mais basilares direitos fundamentais resguardados em nossa Constituição Federal, não deixa dúvida quanto ao dever de compensar o dano pelos réus.

Relativamente à alegação de que somente os reais empregadores - primeiros reclamados - deveriam ser responsabilizados, não prospera. A condenação foi dada com base na relação de emprego da qual a terceira reclamada se beneficiou, estando neste fator a causa de sua responsabilização. Importa esclarecer que não há necessidade de se perquirir a culpa da ora recorrente, na medida em que sua responsabilização decorre da conduta culposa dos reclamados, efetivamente condenados pela prática ultrajante. Ainda assim, cumpre referir que a terceira reclamada, ante seus elevados poderes fiscalizatórios, tinha ciência da situação de trabalho dos empregados do primeiro reclamado.

Por fim, no tocante ao valor fixado, entende-se insuficiente diante da realidade emoldurada nos presentes autos, pois o valor devido a título de dano moral, como nos ensina a doutrina, deve ser arbitrado com esteio na extensão do dano, nas condições econômicas do agressor, de modo a compensar, ainda que parcialmente, o dano sofrido, sem causar enriquecimento injustificado e de forma a atuar pedagogicamente, com o intuito de evitar que situações dessa natureza repitam.

Sinala-se que o valor de R$ 10.000,00 fixado na origem é insuficiente a compensação da dor moral sofrido pelo trabalhador que foi sujeitado à condição de labor análoga a de escravo por mais de dois anos e da capacidade econômica daqueles aos quais reverteu sua produção (aí incluída a terceira ré).

Diante desta realidade, dá-se provimento ao recurso do autor, na espécie, para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 50.000,00, a época da prolação da sentença.

Nega-se provimento ao recurso da terceira reclamada." (g.n.)

A Recorrente sustenta que o Autor não comprovou efetivamente o abalo moral, além do que a prova dos autos é frágil e não dá suporte ao pedido. Argumenta que o valor da condenação é desproporcional.

Aponta violação aos artigos 5º, II e V, da CR; 818 da CLT; 944 do CC e 333, I, do CPC. Traz arestos à divergência.

À análise.

Para que se impute a condenação ao pagamento de indenização por dano moral baseada na responsabilização subjetiva contemplada no art. 186 do Código Civil de 2002, imperativa se torna a existência de ação ou omissão do empregador, nexo causal e lesão extrapatrimonial.

No caso, verifica-se que restou fartamente comprovado que os Reclamados mantinham os trabalhadores em condição análoga a escravo, impingindo-lhes labor em jornadas excessivas e sem condições mínimas de higiene. Tal fato foi, inclusive, objeto de investigação pelo Ministério Público do Trabalho. Além disso, consta expressamente da decisão recorrida que "O depoimento das testemunhas inquiridas confirma a manutenção das condições de trabalho degradantes quando da vigência do contrato de trabalho do reclamante".

Diante deste quadro fático retratado pelo Regional, soberano na análise de provas (Súmula 126 do TST), infere-se a constatação de prova do fato (trabalho análogo à condição de escravo), do dano experimentado pelo trabalhador decorrente do próprio fato (dor íntima), do nexo de causalidade com a atividade laboral e da culpa do empregador (que não observou as normas trabalhistas), a atrair o dever de indenizar.

No tocante ao valor da indenização, cumpre ressaltar que as Cortes Superiores vêm admitindo rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais e materiais, visando a reprimir as quantificações que não respeitem os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Ante a absoluta impossibilidade concreta de se delimitar economicamente a extensão do dano de natureza imaterial, o pagamento imposto pelo juízo, em virtude de um dano moral, não corresponde propriamente a uma indenização. Trata-se, na realidade, de verdadeira compensação pecuniária, que visa a atenuar os prejuízos de ordem extrapatrimonial decorrentes da lesão à esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade, v.g, honra, intimidade, vida privada, imagem, integridade física); e, secundariamente, consubstancia, também, um desestímulo jurídico à conduta do lesante.

Ora, o Eg. Tribunal de origem fixou a compensação por danos morais em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo por base que o Autor "foi sujeitado à condição de labor análoga a de escravo por mais de dois anos."

Assim, o valor determinado para a compensação pelos danos sofridos afigura-se compatível com a lesão causada, não justificando a excepcional intervenção desta Corte.

Tendo em vista o contexto fático delineado nos autos, considero que a fixação do quantum indenizatório em R$50.000,00 (cinquenta mil reais) atende aos ditames da proporcionalidade e razoabilidade que devem guiar a prestação jurisdicional.

Incólumes os dispositivos apontados, bem como inespecíficos os arestos colacionados às f. 464/465 por não retratarem o fato de que houve trabalho análogo à condição de escravo.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

5. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT

O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada pelos seguintes fundamentos:

"A reclamada insurge-se contra a condenação ao pagamento de verbas rescisórias e multa do art. 477 da CLT, sustentando que estas parcelas devem ser de responsabilidade exclusiva dos primeiros reclamados, reais empregadores.

Sem razão.

A responsabilidade solidária atribuída à recorrente abrange a totalidade das parcelas deferidas. A condenação ao pagamento das verbas rescisórias destina-se, sim, às empregadoras (shuld), todavia a responsabilidade pelo seu pagamento (haftung) atinge de maneira integral e irrestrita a responsável solidária.

Nega-se provimento."

A Recorrente sustenta que a multa do artigo 477 da CLT é um infração personalíssima imposta ao empregador, não estando abrangida pela responsabilidade solidária do tomador de serviços.

Aponta violação ao artigo 477 da CLT e divergência jurisprudencial.

À análise.

Não há que se falar em violação literal ao artigo 477 da CLT, uma vez que a citada norma não trata da abrangência da responsabilidade solidária.

Além disso, o recurso também não prospera por divergência jurisprudencial, tendo em vista que os dois arestos colacionados às f. 465v/466 são inespecíficos por tratarem de responsabilidade subsidiária.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o Recurso de Revista; conhecer do Recurso de Revista apenas quanto ao tema "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO" por violação do artigo 11, §1º, da Lei nº 1.060/50 e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar que os honorários advocatícios sejam calculados sobre o valor líquido da condenação.

Brasília, 24 de outubro de 2012.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006)

MARIA LAURA FRANCO LIMA DE FARIA

Desembargadora Convocada Relatora

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