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Justiça do Trabalho

Empresa é condenada por realizar exame toxicológico sem consentimento do empregado

A ré vai pagar R$ 6 mil de danos morais.

Da Redação

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Atualizado às 08:18

A 4ª turma do TST, concluindo que um trabalhador teve sua integridade e privacidade violadas ao ser submetido a exames toxicológicos sem o seu consentimento, reformou decisão do TRT da 5ª região que absolveu a empresa da condenação pelo ato. Para a turma, cabia apenas ao funcionário decidir se queria realizar exames para constatar a existência de drogas em seu organismo.

O empregado foi contratado para exercer o cargo de auxiliar de serviços gerais e, periodicamente, era submetido a exames. Durante a realização de uma dessas análises, descobriu que estava sendo submetido a exame toxicológico, realizado para detectar indícios de exposição ou ingestão de produtos tóxicos, drogas ou substâncias potencialmente causadoras de intoxicações. Inconformado com a atitude da empresa, o empregado ingressou em juízo e pleiteou indenização no valor de R$ 200 mil a título de dano moral, alegando violação da sua vida privada.

A 1ª vara do Trabalho de Alagoinhas/BA reconheceu a existência do dano moral e condenou a empresa ao pagamento de R$ 3 mil.

O TRT reformou a sentença e excluiu a condenação. Para os desembargadores, não houve comprovação inequívoca de que a empresa tenha causado qualquer dano moral ao trabalhador.

O empregado interpôs recurso de revista ao TST e a relatora, ministra Maria de Assis Calsing, lhe deu razão. Ela adotou entendimento firmado no Tribunal no sentido de que, demonstrada a conduta lesiva aos direitos da personalidade, é dispensável a comprovação do prejuízo para a caracterização do dano moral, por se tratar de algo presumível.

No caso, ao realizar exames toxicológicos sem prévio consentimento do trabalhador, a empresa atingiu sua integridade e invadiu sua privacidade, razão pela qual "não há como se afastar a condenação em indenização por dano moral", concluiu. A decisão foi unânime para reformar o acórdão do TRT e deferir indenização por dano moral no valor de R$ 6 mil, tendo em vista a finalidade pedagógica da medida.

_____________

ACÓRDÃO

(4.ª Turma)

GMMAC/r3/kcm/vldr

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXAMES TOXICOLÓGICOS. PROVA DO DANO. O TST tem firmado o entendimento de que a caracterização do dano moral prescinde da comprovação do prejuízo, uma vez que presumível, quando demonstrada a conduta lesiva aos direitos da personalidade e a sua conexão com o fato gerador. Desse modo, partindo-se da premissa de que a Reclamada realizou exames toxicológicos sem a devida anuência do Reclamante, não há como se afastar a condenação em indenização por dano moral, pois a integridade do Autor foi atingida no momento em que sua privacidade foi invadida, vez que somente a ele interessava discernir se queria realizar os exames para saber se havia sinais da existência de drogas em seu organismo. Recurso de Revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-876-59.2010.5.05.0221, em que é Recorrente E.D.B. e Recorrida SOTEP SOCIEDADE TÉCNICA DE PERFURAÇÃO S.A.

RELATÓRIO

O TRT da 5.ª Região, pelo acórdão a fls. 983/988, negou provimento ao Recurso Ordinário do Autor e deu provimento ao Recurso Ordinário da Reclamada, para excluir da condenação a indenização por danos morais, tornando-se improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Inconformado, o Reclamante interpõe o Recurso de Revista a fls. 993/1.003.

Admitido o apelo pelo despacho a fls. 1.009/1.011, não foram apresentadas contrarrazões, conforme certidão a fls. 1.014.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2.º, II, do RITST.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos.

CONHECIMENTO

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - EXAMES TOXICOLÓGICOS - PROVA DO DANO

O Regional, ao fundamento de que não ficou comprovado o dano moral, excluiu da condenação a indenização correspondente. Eis os fundamentos da decisão:

"A verba foi postulada sob o argumento de que o empregado sofria constrangimento e humilhação em virtude de submissão a exames toxicológicos e de HIV.

A reclamada, em sua defesa, aduz que não praticou qualquer ato ilícito violador dos atributos da personalidade do autor.

Sobre o tema, o d. Juízo de origem proclamou (in verbis): 'Inicialmente, convém pontuar que não restou provada a realização de exame para aferir se o Reclamante era soropositivo. Dentre os exames solicitados nos ASO a fls. 395-410 não se inclui o 'Anti HIV'. Provou-se, no entanto, que em uma oportunidade a empresa investigou a existência de resíduos de cocaína e maconha no organismo do Reclamante (a fls. 397). O procedimento patronal mostrou-se ilícito, porquanto invadiu injustificadamente a esfera de intimidade do obreiro. Não há razão relevante para a investigação empreendida, em decorrência da função exercida na empresa. A Constituição Federal, em seu art. 5.º , I, resguarda 'intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas', assegurando aos ofendidos 'o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação'. Não há dúvidas, portanto, que a realização de exame toxicológico sem a solicitação ou autorização do empregado importa em invasão da privacidade e causa dano moral indenizável, ainda que não se tenha divulgado o seu resultado.' (fl.445v).

Venia concessa, para que se imponha a responsabilização trabalhista por danos é necessária a verificação inequívoca dos seguintes requisitos: comprovação da materialidade do ato do empregador; prejuízo manifesto por parte do empregado; e nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo sofrido. A inocorrência de um deles retira o direito à reparação ou indenização.

Na hipótese, não há elementos nos autos que comprovem, inequivocamente, que a Recorrente tenha causado qualquer gravame moral ao reclamante que comportasse reparação pecuniária. O dano moral só se existe quando ocasionado por sofrimento, dor e humilhação que fogem da normalidade, interferindo intensamente no aspecto psicológico do indivíduo, causando intenso e permanente desequilíbrio, o que não restou evidenciado no caso.

Excluo da condenação de origem, portanto, a indenização por danos morais." (a fls. 984/985)

O Recorrente sustenta que o dano moral independe de prova, e que a simples exigência do exame periódico, a qual ficou comprovada, e sem previsão legal, já é uma afronta lesiva à honra e à intimidade. Aponta violação dos arts. 5.º, II, X, XXXV, LV e LXIII, da Constituição da República, 104, II e III, do Código Civil e 2.º, II, "b", da Lei n.º 9.029/95. Transcreve arestos para o confronto de teses.

O apelo habilita-se ao conhecimento, tendo em vista a especificidade do aresto a fls. 1.001, proferido pela SBDI-1 do TST, que consigna tese no sentido de que "a integridade do autor foi atingida no momento em que sua privacidade foi invadida, vez que somente a ele interessava discernir se queria realizar os exames para saber se tinha AIDS ou se havia sinais de existência de drogas em seu organismo".

Conheço, por divergência jurisprudencial.

MÉRITO

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - EXAMES TOXICOLÓGICOS - PROVA DO DANO

O TST tem firmado entendimento no sentido de que, para a caracterização do dano moral, é necessária apenas a demonstração da conduta potencialmente lesiva aos direitos da personalidade e a sua conexão com o fato gerador, sendo dispensável a comprovação do prejuízo, uma vez que presumível.

Nessa esteira, os seguintes precedentes:

"(...) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERDA AUDITIVA. DOENÇA PROFISSIONAL. NÃO PROVIMENTO. O dano moral decorre da simples violação dos bens imateriais tutelados pelos direitos personalíssimos do ofendido, de forma que para a sua configuração basta a demonstração da conduta potencialmente lesiva aos direitos da personalidade e a sua conexão com o fato gerador, sendo prescindível a comprovação do prejuízo, uma vez que presumível. Na hipótese vertente observa-se que o egrégio Tribunal Regional consignou expressamente que ficou constatado, mediante laudo pericial, que o Reclamante apresentava perda auditiva induzida por ruído e que a utilização dos EPI's fornecidos pela Reclamada não eliminava ou neutralizava o agente insalubre. Assim, vindo o empregado a sofrer perda auditiva, que o obrigou a conviver daí por diante, com o sofrimento físico e moral resultante da redução significativa de um dos sentidos básicos do ser humano, faz jus à indenização por dano moral. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-145600-90.2009.5.03.0143, 2.ª Turma, Relator: Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/4/2012.)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DOENÇA OCUPACIONAL. O Regional, com amparo no laudo pericial e demais provas dos autos, concluiu haver indiscutível nexo causal entre a doença que acomete a Reclamante e suas atividades laborativas, destacando que a culpa do Reclamado reside em ter submetido a empregada a condições de trabalho inadequadas. Para se concluir de forma diversa, necessário seria o reexame do conjunto probatório dos autos, intento vedado pela Súmula n.º 126 do TST. 2. DOENÇA OCUPACIONAL. PROVA DO DANO MORAL. DESNECESSIDADE. Nos casos em que o dano decorre de acidente do trabalho ou de doença profissional, esta Corte tem entendido que o dano moral se verifica in re ipsa (a coisa fala por si mesma), ou seja, é presumido. Assim, sua prova é prescindível, de modo que, para o deferimento de indenização é necessário apenas que se comprovem a ação ou omissão culposa do ofensor, a lesão e o nexo de causalidade, o que ficou configurado no caso vertente. (...). Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AIRR-108500-48.2006.5.05.0015, 8.ª Turma, Relatora: Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 20/4/2012.)

"DANOS MORAIS. PROVA EFETIVA DO DANO. PRESCINDIBILIDADE. O dano moral surge do fato em si, tão somente, sendo despicienda a comprovação de prejuízo em decorrência das lesões sofridas. A conduta do Reclamado basta para violar direito decorrente da personalidade, do que resulta ser prescindível a demonstração de humilhação, aflição, abalo à honra, à psique ou à intimidade do agente passivo, por se tratar de um dano 'in re ipsa. Precedentes do TST." (RR-3942100-26.2008.5.09.0651, 7.ª Turma, Relator: Ministro Pedro Paulo Manus, DEJT de 20/4/2012.)

"(...) DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. Concebido o dano moral como a violação de direitos decorrentes da personalidade - estes compreendidos como -categoria especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser, em todas as suas manifestações espirituais ou físicas- (BELTRÃO, Sílvio Romero, Direitos da Personalidade, São Paulo: Editora Atlas, 2005, p.25) -, sua ocorrência é aferida a partir da violação perpetrada por conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana, sendo dispensada a prova do prejuízo concreto - presumido que é (dano in re ipsa) -, diante da impossibilidade de penetrar na alma humana, que, embora inviabilize se constate a extensão da lesão causada, não pode obstaculizar a justa compensação. Incólumes os arts. 186 e 927 do Código Civil Pátrio. (...)" (RR-9953300-88.2006.5.09.0006, 3.ª Turma, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, DEJT 19/12/2011.)

"(...) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPROVAÇÃO QUANTO AO PREJUÍZO. Hipótese em que para obstar o deferimento da indenização postulada, a única razão destacada pela maioria vencedora da Turma julgadora a quo foi a inexistência de comprovação quanto ao prejuízo eventualmente sofrido pelo obreiro. Ora, sem dúvida nos autos que, quando da ligação telefônica recebida pelo seu ex-empregador em busca de informações profissionais acerca de sua pessoa, o Reclamante encontrava-se em meio a um processo seletivo em busca de nova colocação no mercado de trabalho, a qual teria sido obstaculizada em virtude das referências falsas e desabonadoras passadas naquela oportunidade. Em casos como o dos autos, quando evidente a culpa do agente, não há de se cogitar da prova do prejuízo concreto, pois o dano moral decorre do próprio ato ofensivo ao direito. Recurso de Revista conhecido e provido para restabelecer a sentença que condenou em indenização por danos morais." (RR-134300-13.2004.5.09.0670, 4.ª Turma, de minha Relatoria, DEJT 18/3/2011.)

"RECURSO DE REVISTA. 'LISTA NEGRA'. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. 1. O Tribunal Regional entendeu que a mera inclusão do nome do Reclamante na denominada lista 'PIS-MEL' não era o suficiente para ensejar a indenização por danos morais, sendo imprescindível a demonstração do prejuízo de tal inclusão, o que não ocorreu in casu; 2. No entanto, esta Corte Superior, assim como o c. STJ, tem entendido que, em se tratando de danos morais e não materiais, a única prova que deve ser produzida é a do ato ilícito, porquanto tal dano constitui-se, essencialmente, em ofensa à dignidade humana (artigo 1.º, III, CF/88), sendo desnecessária a comprovação do resultado, porquanto o prejuízo é mero agravante do lesionamento íntimo (precedentes). 4. No mesmo sentido a doutrina. Segundo o ilustre baiano, Luiz de Pinho Pedreira da Silva (in A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho - São Paulo, LTr, 2004, pp. 145 e 146), -Autores brasileiros seguem na mesma esteira. Assim, Carlos Alberto Bittar é, a respeito, categórico: 'na concepção moderna da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera pelo simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, ipso facto, há a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas consequências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova do prejuízo em concreto. Neste sentido, ocorrido o fato gerador e identificadas as situações dos envolvidos, segue-se o de cunho moral pela simples violação da esfera jurídica, afetiva ou moral, do lesado'. Não difere em substância, sobretudo quanto ao dano extracontratual, o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves: 'o dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar o prejuízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante. 4. Recurso conhecido por divergência jurisprudencial e provido." (RR-21500-33.2004.5.09.0091, 6.ª Turma, Redator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, DEJT 18/4/2008.)

Desse modo, partindo-se da premissa fática delineada pelo Regional, de que a Reclamada realizou exames toxicológicos sem consignar nada a respeito de prévio consentimento do empregado, não há como se afastar a condenação em indenização por dano moral, pois a integridade do Autor foi atingida no momento em que sua privacidade foi invadida, vez que somente a ele interessava discernir se queria realizar os exames para saber se havia sinais da existência de drogas em seu organismo.

Assim sendo, estando configurada a prática de ato ilícito por parte da empresa, o dano causado ao empregado e o nexo de causalidade, deve ser o Reclamante indenizado por danos morais.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo para, reformando o acórdão regional, deferir indenização por dano moral no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), tendo em vista a finalidade pedagógica que deve ter a indenização, e pelo fato de que não há registro que os exames feitos tenham se tornado públicos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o acórdão regional, deferir a indenização por dano moral, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Brasília, 5 de Dezembro de 2012.

Maria de Assis Calsing

Ministra Relatora

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