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Recursos

Critério para definição de "necessitado" varia nas Defensorias Públicas

Amplitude do conceito e os parâmetros definidos em diferentes Estados do país são questões ainda controversas.

Da Redação

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Atualizado em 25 de janeiro de 2016 15:04

A reabertura política do Brasil à democracia teve como marco a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então, instituições brasileiras, pilares do país, se organizaram e trabalharam para dar efetividade à inclusão e justiça social, desafio ainda vigente.

Nesse cenário de mudanças, a Defensoria Pública foi incumbida, conforme expresso na Carta Magna, de cumprir o dever constitucional de prestar "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (inciso LXXIV, art. 5º).

A instituição passou a assumir papel proeminente na ampliação do acesso à Justiça, incumbindo-lhe "a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados" (art. 134, CF).

Apesar de se reconhecer a nobre missão da Defensoria e a importância da disposição, fica o questionamento: quem é o "necessitado" de que trata a lei? Brasileiro, 36 anos, casado, 7 filhos, recebe 3,5 salários mínimos? Brasileira, solteira, 18 anos, sem filhos, recebe 2 salários mínimos?

A amplitude do conceito e os parâmetros definidos em diferentes Estados do país são questões ainda controversas.

Variação

Em atenção às disposições a respeito da verificação de necessidade, algumas unidades da Federação disciplinaram a forma de comprovação, para fins de assistência jurídica integral e gratuita, estabelecendo critérios para sua aferição.

Necessitado

Estado Critério econômico*
AM R$ 2.640,00 (3 SM)**
BA Valor da isenção de pagamento do IR (R$ 2.046,38)
DF R$ 4.400,00 (5 SM)
MT R$ 2.640,00 (3 SM)
MG R$ 2.640,00 (3 SM)
PR R$ 2.640,00 (3 SM)
PI R$ 2.640,00 (3 SM)
RJ Sem critério econômico fixo
SC R$ 2.640,00 (3 SM)
SP R$ 2.640,00 (3 SM)

*Para a composição da tabela foi utilizado apenas o critério salário mínimo, não sendo inseridos outros fatores cumulativos como posse de bens móveis, imóveis ou direitos e de recursos financeiros em aplicações ou investimentos.
**SM: Salário mínimo

No DF, por exemplo, a resolução 140/15 estabelece que considera-se hipossuficiente a pessoa natural que não possua condições econômicas de contratação de advogado particular sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.

Presume-se a hipossuficiência de recursos de quem, cumulativamente, aufira renda familiar mensal não superior a cinco salários mínimos; não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 20 salários mínimos; e não seja proprietário, titular de direito à aquisição, usufrutuário ou possuidor a qualquer título de mais de um imóvel.

Já em SP (deliberação 89/08), estabeleceu-se a hipótese de atendimento pela Defensoria Pública mediante o atendimento das seguintes condições: aufira renda familiar mensal não superior a três salários mínimos; não seja proprietário, titular de aquisição, herdeira, legatária ou usufrutuária de bens móveis, imóveis ou direitos, cujos valores ultrapassem a quantia equivalente a 5.000 UFESP's; não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 12 salários mínimos federais.

O critério econômico de limitação em três salários mínimos também é estipulado pelas Defensorias Públicas de SC (resolução 15/14), PI (resolução 26/12), AM (resolução 12/14), PR (deliberação 19/14), MT (resolução 46/11), entre outros.

Em MG, a resolução 1/12 dispõe que "presume-se necessitada toda pessoa natural, nacional ou estrangeira, residente ou não no Brasil, cuja renda mensal individual não ultrapasse o valor de três salários mínimos, ou cuja renda mensal familiar não seja superior a cinco salários mínimos".

Na BA, por sua vez, é necessário que o "necessitado" aufira renda mensal não superior ao valor da isenção de pagamento do imposto de renda (R$ 2.046,38) - resolução 3/14.

Para a Defensoria Pública do RJ, entretanto, têm Direito à assessoria todas as pessoas sem condições financeiras de contratar advogado e pagar despesas de processo judicial, ou por certidões, escrituras, etc, sem prejuízo do seu sustento e de sua família.

Desta forma, segundo a instituição, "o importante não é o valor do salário da pessoa mas se as despesas dela e de sua família permitem a contratação de advogado ou permitem que ela pague por documentos, certidões, etc".

Conceito no STJ

A conceituação de "necessitado" também já foi alvo de discussão em diversas oportunidade na mais alta Corte infraconstitucional do país. A mais recente delas, em novembro de 2015, teve lugar na Corte Especial, quando em julgamento do REsp 1.192.577 firmou-se entendimento de que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se discute abusividade de aumento de plano de saúde de idosos, devendo a comprovação individualizada sobre a insuficiência de recursos ficar postergada para o momento da liquidação ou execução.

Na oportunidade, a relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, adotou interpretação mais ampla da expressão, conforme firmado pela 2ª turma em 2011, no julgamento do REsp 1.264.116.

Naquele julgamento, o ministro Herman Benjamin afirmou que, no campo da ação civil pública, o conceito deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis.

Em seu voto, o ministro Benjamin afirmou que a expressão inclui "os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras; enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado". A relatora concordou com a definição.

Projeto de lei

No Estado de São Paulo, a questão motivou a OAB/SP a propor discussão no Congresso da definição do termo "carente'. Para isso foi entregue ao deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, no início deste mês, o texto de um projeto de lei que conceitua quem é carente na lei orgânica da Defensoria Pública.

"Carente é aquele inscrito nos cadastros dos programas sociais do governo federal. Assim acabará a situação de subjetividade da Defensoria, de escolher quem ela atende, para que sirva aquele que de fato não tem recurso para pagar um advogado", afirmou o presidente da seccional, Marcos da Costa.

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