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Palestra

Ministro Barroso: Estado não pode retirar da mulher o direito de decidir sobre aborto

Em palestra na ABL, o ministro abordou as questões da interrupção da gestação, uniões homoafetivas e morte digna.

Da Redação

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Atualizado às 10:01

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, palestrou nesta terça-feira, 6, na Academia Brasileira de Letras, no encerramento do ciclo de conferências intitulado "O corpo: liberdades e riscos". Barroso falou sobre "A liberdade de ser: Morte, vida e escolhas existenciais", e abordou as questões da interrupção da gestação, uniões homoafetivas e morte digna.

Durante a exposição, o ministro ressaltou que ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher. Disse, ainda, que, justamente porque à mulher cabe o ônus da gravidez, sua vontade e seus direitos devem ser protegidos com maior intensidade. "O Estado não pode retirar da mulher o direito de decidir."

"O Estado - isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito - não pode impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida."

Barroso ainda afirmou que o aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve, e que ao se afirmar a incompatibilidade da criminalização com a CF, não se está a fazer a defesa da disseminação do procedimento. "Pelo contrário, o que ser pretende é que ele seja raro e seguro."

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A LIBERDADE DE SER:
MORTE, VIDA E ESCOLHAS EXISTENCIAIS

Luís Roberto Barroso

Palestra na Academia Brasileira de Letras, 6.12.2016

I. INTRODUÇÃO

1. Eu tenho muito prazer e muita honra de estar aqui, na Academia Brasileira de Letras, atendendo a um convite da Acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira, dentro deste ciclo "O corpo: liberdades e riscos". É um privilégio poder falar para as pessoas a quem estou acostumado a ler e ouvir. Eu espero estar inspirado e à altura do momento de elevação intelectual que me proporcionam.

2. Começo minha exposição com uma homenagem ao poeta Ferreira Gullar, falecido neste último final de semana, e que tinha assento nesta Academia Brasileira de Letras. Como teve ele visões diferentes do mundo ao longo de sua prolífica vida - e sei que há os que apreciam o período mais antigo e os que, diferentemente, preferem o período mais recente -, escolhi um verso atemporal, porque lírico e apaixonante. Devo dizer que o recito de memória (e não por haver decorado no voo para cá):

"Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento".

I.1. Autoapresentação

3. Os senhores não me conhecem. Portanto, eu me apresento em um parágrafo. Apesar do risco de qualquer autoanálise, bem revelado por Ortega y Gasset, quando escreveu: "Entre o querer ser e o crer que já se é, vai a distância entre o sublime e o ridículo".

4. Eu penso ser um sujeito republicano, liberal e progressista. Sou republicano porque acredito na igualdade essencial entre as pessoas e na decência política como um princípio maior a governar a atividade pública. Sou liberal porque acredito que a livre-iniciativa é a melhor forma de geração de riquezas, e que a exploração econômica pelo Estado é invariavelmente desastrada e com frequência corrupta. E sou progressista porque acredito que o grande papel do Estado é redistribuir riquezas e proporcionar o máximo de igualdade entre as pessoas, igualdade de oportunidades, o que a meu ver começa com ensino público de qualidade para todos, da pré-escola até o ensino médio.

5. Ser republicano, liberal e progressista não é muito fácil no Brasil. O país não é muito republicano: aqui domina o patrimonialismo, o compadrio e as relações de amizade acima do dever. Certamente não é liberal: até o capitalismo entre nós é desvirtuado, pois vive de financiamento público e reserva de mercado, quando não de cartelização. E progressista nem sempre: o Estado é apropriado privadamente pelas corporações, e a esquerda, frequentemente conservadora, defende o atraso e não o progresso.