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O olhar geográfico e social de Euclides da Cunha

"A porta do barraco era sem trinco Mas a lua furando nosso zinco Salpicava de estrelas nosso chão"

Da Redação

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Atualizado em 15 de agosto de 2022 09:11

O olhar geográfico e social de Euclides da Cunha

De onde vem a Favela?

"A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão"

(Chão de Estrelas - Silvio Caldas/Orestes Barbosa)

 

"Barracão de zinco,
tradição do meu país.
Barracão de zinco,
pobre é tão infeliz."

(Barracão - Luís Antônio e Oldemar Magalhães)

Quem passa pelo subúrbio de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro e vislumbra todo aquele conjunto de habitações populares, toscamente construídas - via de regra em morros e com recursos higiênicos deficientes - chamadas favelas, talvez nem imagine de onde surgiu esse termo.

Tornado conhecido pelo registro de Euclides da Cunha em "Os Sertões", favela foi usado para designar certa área geográfica em torno do arraial: "Canudos, assim circunvalado quase todo pelo Vaza-Barris, embatia ao sul contra as vertentes da favela e dominado no ocidente pelas lombas mais altas de flancos em escarpa em que se comprimia aquele nas enchentes, desatava-se para o levante segundo o expandir dos plainos ondulados"1.

Tanto é assim que o escritor Pedro Augusto Pinto, n' "Os Sertões de Euclides da Cunha - vocábulos e notas lexicólogas"2 define o termo favela como "monte ao sul de Canudos". Cita também o termo faveleira, afirmando ser uma espécie de planta euforbiácea que, segundo o próprio Euclides da Cunha, significa leguminosa. E, de fato, a favela (Cnidoscolus phyllacanthus) é uma forrageira nativa das caatingas do nordeste, presente em Estados como Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.

Trata-se de um arbusto de grande porte, com ramos lenhosos, folhas repletas de espinhos e flores alvas. No final do período de chuvas, os animais comem as folhas maduras que caem ao chão e em tempos de seca, alimentam-se dos brotos e da casca da favela.

Outras conotações

Um dos morros que circundavam o arraial de Canudos era coberto por essa planta e, por isso, ficou conhecido como Morro da Favela. O termo acabou ganhando outras concepções, que não a geográfica, quando passou a ser usado no Rio de Janeiro pelos soldados que ali se estabeleciam ao regressar da campanha de Canudos, como explica o dicionário Aurélio. O que aconteceu foi que os soldados deixaram de receber seu soldo e instalaram-se provisoriamente nos morros da cidade. A partir desse episódio, passaram a chamar o morro em que estavam de favela, em referência ao Morro da Favela de Canudos.

A favela d' "Os Sertões", as favelas do Brasil

Apesar da conotação geográfica que o termo possuía para Euclides da Cunha, a descrição que faz das construções do arraial n' "Os Sertões" assemelha-se muito ao que conhecemos como favela nos dias de hoje : "feitas de pau-a-pique e divididas em três compartimentos minúsculos, as casas eram paródia grosseira da antiga morada romana : um vestíbulo exíguo, um átrio servindo ao mesmo tempo de cozinha, sala de jantar e de recepção; e uma alcova lateral, furna escuríssima mal revelada por uma porta estreita e baixa".3

A descrição que se faz n' "Os Sertões" parece ser a figura do que existe principalmente na periferia das grandes cidades do país.

Na próxima matéria, trataremos de aspectos econômicos do país durante a guerra de Canudos e a previsão de Euclides da Cunha sobre a crise de 1929. Você não pode perder!

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1 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 23ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1954. p.165.

2 PINTO, Pedro Augusto. Os Sertões de Euclides da Cunha - vocabulário e notas lexicológicas. Rio de Janeiro, F. Alves, 1930.

3 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 23ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1954. p.162.

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