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A lei 13.043, de 13 novembro de 2014: alterações no procedimento de alienação fiduciária de bens móveis

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Atualizado às 08:46

Em 13 de novembro último entrou em vigor a lei 13.043 com 114 artigos, todos eles modificando uma série de leis anteriores, trazendo para a comunidade jurídica a necessidade de um estudo pormenorizado de uma série de institutos jurídicos. No nosso caso, a analise recairá sobre o procedimento da alienação fiduciária em garantia de bem móvel, ou seja, o decreto lei 911 de 1° de outubro de 1969.

Durante muito tempo, o referido decreto era tido como um ranço do regime miliar, até porque subscrito pelos ministros da marinha de guerra, do exército e da aeronáutica militar. Porém, passados 45 anos, o decreto lei 911 de 1° de outubro de 1969 passou por duas grandes reformas, uma promovida pela lei 10.931 de 2004 e outra, dez anos mais tarde, em 2014, pela lei 13.043, vigente há poucos dias, e que, de certa forma, moderniza o procedimento, coadunando-o à nova realidade social. Contudo, não há como negar que o instituto continua a gerar ainda grandes discussões, tanto em órbita material como processual.

Na prática, a Alienação Fiduciária de bens móveis é comum quando um comprador adquire um bem, normalmente um automóvel, a crédito e permanece como possuidor direto e depositário do mesmo, respondendo por todos os encargos civis e penais a ele relacionados. O credor, por sua vez, toma o próprio bem em garantia e a propriedade consolida em suas mãos com o inadimplemento da obrigação. O instituto é amplamente utilizado no Brasil, sobretudo, na compra de automóveis, como já dito. Neste caso, a alienação é registrada no documento de transferência do veículo (DUT) a fim de certificar (súmula 92 do STJ).

Em 2004, a lei 10.931 ampliou sobremaneira o instituto da alienação fiduciária no âmbito das empresas financeiras. Permitiu-se a alienação fiduciária em garantia de bens fungíveis, bem como a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, tais como os títulos de crédito, além de importantes modificações no procedimento de busca e apreensão de bens móveis, o que repercutiu no mecanismo de purgação da mora, conferindo à consolidação da propriedade tratamento mais compatível com as exigências do mercado.

Dentre os destaques da alteração legislativa de 2004, temos o procedimento de busca e apreensão do bem móvel em caso de inadimplemento parcial, ou seja, de mora. O procedimento foi introduzido pelo decreto lei 911/69 e em 2004 a lei 10.931 reduziu para cinco dias o prazo de purgar da mora ou para a consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor.

Melhor explicando, o STJ passou a entender que os §§ 1° e 2° do art. 3° não diziam respeito à purgação da mora, mas sim à necessidade do pagamento integral da dívida pendente - "nos contratos firmados na vigência da lei 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". Com isso o devedor nos 5 dias após a concessão da liminar passou a ter a obrigação de quitar a dívida sob pena de consolidação da propriedade em nome do credor.

Pelo Decreto 911/69, despachada a inicial e executada a liminar, o réu era citado para em três dias apresentar contestação e/ou se já tivesse pago 40% do preço financiado, purgar a mora. No caso da contestação, o devedor poderia somente alegar ou o pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais. Para a purgação da mora, o juiz, tempestivamente agendava prazo final não superior a dez dias. Se, mesmo assim, a mora não fosse purgada (independentemente da contestação), cinco dias após o decurso do prazo de defesa o juiz proferiria a sentença, consolidando a propriedade plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário (art. 3º, §§). Tínhamos, dessa forma, um procedimento que garantia um prazo de quinze dias para a purgação da mora e direito de contestação anterior à consolidação da propriedade. Embora não tão ágil o sistema seguramente alicerçava-se nos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, garantindo assim, tanto o devedor fiduciante, como o credo fiduciário.

Mencionadas as alterações de 2004, dez anos depois, óbvio que o intuito do legislador com a lei 13.041, foi agilizar ainda mais a venda dos bens retomados, conferindo fluidez e mais dinâmica ao mercado, bem como celeridade ao sistema processual. Aliás, esse tem sido o foco das legislações mais recentes.

Dentre as principais características da nova lei 13.043 de novembro de 2014 na regulamentação da alienação fiduciária de bem imóveis citamos: (i) alteração na caracterização da mora ex re (prescinde-se de notificação formal); (ii) permanência da proibição ao pacto comissório; (iii) inserção do RENAJUD no procedimento; (iv) precatória simplificada; (v) retirada do bem do depósito em até 48 horas; (vi) agilização na venda direta do bem a terceiros; (vi) possibilidade de apelação da sentença apenas quanto ao seu efeito devolutivo; (vii) possibilidade de requisição pelo próprio credor do pedido de busca e apreensão em ação executiva para a entrega da coisa (art. 4° do decreto lei 911 de 1969, com redação dada pela lei 13.043 de 2014). Vejamos algumas das alterações mais detalhadamente.

O contrato que se converte em direito real de alienação fiduciária em garantia bens móveis continua a ser lavrado por instrumento público ou particular, sendo imprescindível para eficácia "erga omnes" o seu registro no ofício de títulos e documentos do domicilio do vedor (art. 129, 5º item da LRP). A especialização do contrato continua com as mesmas bases do art. 1° do decreto lei em questão.

Pela recente alteração, a primeira grande novidade está no fato de que em caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais passa-se ser imprescindível a prestação de contas do contrato para que o devedor saiba exatamente o valor da dívida e o saldo apurado. Uma vez prestada contas a mora (imperfeição no pagamento) ocorre de forma automática prescindindo-se de notificação via TD ou protesto do título, bastando a carta registrada com aviso de recebimento, não sendo inclusive exigido que a assinatura no documento seja a do próprio destinatário, o que vem a confirmar a solução aplicada pelo STJ2. Trata-se de uma simples notificação extrajudicial, indispensável para o ajuizamento da ação de busca e apreensão (sumula 72 do STJ). O legislador renuncia a segurança em nome da celeridade e da redução de custos.

Uma vez comprovada a mora, passa o proprietário credor a ter condição de procedibilidade para a ação de busca e apreensão com direito a tutela liminar, que inclusive pode ser apreciada em plantão judicial. Com a nova redação o direito a liminar passou a ser ininterrupto, garantindo ao credor o direito de buscar o judiciário aos sábados, domingos e feriados, inclusive em recesso.

Como já mencionado, a lei 10.931 já havia alterado o sistema anterior que garantia direito a purgação da mora caso houvesse ocorrido o pagamento com pelo menos 40% do preço financiado, ocasião em que o devedor teria dez dias para a referida purgação. Com a mudança de 2004 cinco dias após executada a liminar consolidava a propriedade em nome do credor fiduciário que podia até o prazo de cinco dias quitar integralmente a dívida pendente e com isso se livrar da consolidação sem o pagamento de outro ônus decorrente da mora.

Com a nova legislação ao decretar a busca e apreensão do veículo, o juiz passa a inserir diretamente a restrição judicial na base de dados do RENAVAM via RENAJUD, um sistema eletrônico de inserção de constrição. Com tal medida, o bem automaticamente se torna inalienável até a retirada da constrição após a apreensão do veículo e a efetividade formal da liminar já está garantida no sistema, remanescendo o bem fora do comercio, até que o oficial de justiça consiga cumprir a liminar liberando o automóvel para o credor, situação que muitas vezes perdura por meses.

Com o fim de agilizar o cumprimento da busca e apreensão, pode o credor, agora, deprecar o pedido para o juízo de outra comarca automaticamente, bastando juntar cópia da petição inicial e do despacho concessivo da liminar. Outra medida agilizadora, está no fato que uma vez apreendido o veículo será intimada a instituição financeira para a retirada do mesmo do local em que se encontra no prazo de 48h.

Outra grande mudança está na adaptação do procedimento à decisão do Supremo Tribunal Federal que passou a entender não ser mais possível prisão por dívida decorrente de depósito ou mesmo por depósito puro, revogando, por conseguinte, o art. 4º do decreto 911 que admitia a conversão de busca e apreensão em ação de depósito (STF, Res 349.703 e 466.343, com a publicação da súmula vinculante 25). Pela nova sistemática, caso o bem não seja encontrado, haverá a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva direta ou convertida e serão penhorados, nos próprios autos bens do devedor quanto bastem para assegurar a execução.

Por fim, é bom mencionar que o terceiro interessado fiador ou avalista que pagar a dívida se subrroga na qualidade de credor fiduciário para todos os fins (art.6º). Muito embora discutíveis algumas modificações sob o ponto de vista do devedor e suas garantias, são também louváveis as mudanças na proteção da afetividade do crédito, bem como quanto à agilização do procedimento que em última análise implicará em redução de custo, estimulando ainda mais a indústria automobilística no Brasil. Discussão, que remanecerá para outro registralhas está no artigo 102 da lei em debate que criou o artigo 1.368-B e que entende a alienação fiduciária como um direito real de aquisição. Contudo, esse é assunto para outra hora, até o próximo Registralhas!

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1STJ, 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, rel. min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo)

2STJ, 4ª Turma. AgRg no AREsp 419.667/MS, rel. min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/5/2014.

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*O artigo foi escrito em coautoria com Ana Paula Ribeiro Ferreira da Costa, graduanda da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora jurídica.