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Taylor - o advogado que jamais perdeu a alegria

José Manoel Barros

No amanhecer do último 7 de março, a cidade de São Paulo ficou um pouquinho menor e também mais triste. Faleceu José Antônio Taylor Martins (1932-2010). Paulistano da gema, nascido e criado no bairro de Santa Cecília, nas proximidades da lendária Avenida São João, viveu a São Paulo da garoa e soube aproveitar essa época bucólica e pacata da cidade.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Atualizado às 09:05


Taylor - o advogado que jamais perdeu a alegria

José Manoel de Aguiar Barros*

No amanhecer do último 7 de março, a cidade de São Paulo ficou um pouquinho menor e também mais triste. Faleceu José Antônio Taylor Martins (1932-2010). Paulistano da gema, nascido e criado no bairro de Santa Cecília, nas proximidades da lendária Avenida São João, viveu a São Paulo da garoa e soube aproveitar essa época bucólica e pacata da cidade. Estudou no tradicional Colégio Oswaldo Cruz e graduou-se pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, turma de 1959.

Como profissional do Direito, possuía vasta cultura e sólido conhecimento da ciência e técnica jurídicas, transitando com facilidade da área penal a civil, da comercial a tributária. Jovem recém-formado foi procurador da SUNAB, que chefiou em São Paulo. Com muita graça ele contava o desfecho de um inquérito administrativo. Esse inquérito ao apurar fraude nessa repartição terminou por absolver os notórios culpados e incriminar os faxineiros. Com efeito, os funcionários do serviço de limpeza foram acusados de destruir as provas por varrerem o chão da repartição. Por isso, desgostoso desse andar da carruagem, demitiu-se do serviço público renunciando todos os benefícios.

Advogado de empresas, consultor jurídico e, acima de tudo, um profissional liberal. Leitor compulsivo, era aberto a todos, recebia os clientes e amigos com um permanente sorriso, pronto para aconselhar, postular em juízo, enfrentar as mais ásperas demandas e buscar, ao final, a tão esperada Justiça.

Ao lado de sua bem sucedida vida profissional, foi admirável chefe de família. Casou-se com Cláudia, teve os filhos Ulisses e Kiki, como ele, também advogados, e Thais, arquiteta. Teve ainda a oportunidade e ventura de conviver com os netos e revelar o seu lado coruja e sempre brincalhão.

Mas o Taylor ou o José Antônio, como gostava de chamá-lo a sua esposa, não seria quem foi, nem teria a importância que teve para todos que o conheceram, se não fosse por sua cativante e alegre personalidade. Mais ainda, e acima de tudo, pelo fato de ao lado desta sua alegria permanente, residir um espírito inquieto, libertário e solidário, marcado por um profundo humanismo.

Desde os temas cavernosos da política nacional aos mais complexos assuntos internacionais, o seu enfoque sempre primou pela visão crítica e na direção dos interesses populares e dos povos oprimidos. Com certa reserva, admirava Getúlio Vargas, que conheceu pessoalmente quando se formou no CPOR, no ano de 1954. Embora freqüentasse o Clube Athetico Paulistano, reconhecidamente conservador, do qual foi conselheiro e diretor, era comum vê-lo travar animadas discussões contra o regime militar brasileiro, os embargos norte-americanos, as guerras da Coréia, Vietnã, e mais recentemente a invasão do Iraque. Ficava eufórico quando os tiranos eram depostos, as nações colonizadas se libertavam, os povos oprimidos desfiavam os opressores.

No âmbito da política interna, os sucessivos escândalos faziam-no lembrar-se das marchinhas do Ademar, do Jânio e das trapalhadas dos corruptos. Todo comentário sério, dele mesmo, ou de seus interlocutores, era seguido de fina gozação e cortante provocação. Zombava dos mensaleiros, das trapalhadas palacianas, das "explicações panetônicas", do "eu não sabia", e, sobretudo, do "nunca visto neste país". Condenava o monetarismo dos sucessivos governos, o assistencialismo populista e os insignificantes avanços na educação e cultura do povo brasileiro. Foi, em tempo integral, um fiel discípulo de Montaigne, Voltaire e Jeremias Bentham.

Desafiando a natureza humana, não era de fazer inimigos, nem nas situações as mais adversas. Muito pelo contrário, fez incontáveis amigos ao longo de sua vida. Todos disputavam a sua presença, pois era garantia de um bom papo, de seguidas brincadeiras, às vezes até com os próprios problemas e dificuldades. Sempre teve tempo para dar ouvidos àqueles que o procuravam e sempre esteve pronto para amparar os amigos.

Num mundo marcado pela velocidade e transitoriedade das relações pessoais, numa sociedade cada dia mais virtual, repleta de seres desprovidos de espírito crítico e humanitário, avessos ao humanismo criador e espirituoso, é irreparável a perda de uma figura humana como a de José Antônio Taylor Martins.

Em seus derradeiros momentos, quando a insidiosa doença já tinha lhe roubado as forças vitais e comprometido de modo irreversível a sua alegria contagiante, despediu-se de seus entes queridos, pediu fossem suspensos os procedimentos extraordinários, foi sedado, e aos poucos apagou. Homem dessa grandeza, dignidade e coragem, deixa saudades. Muitas saudades.

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*Advogado formado na Faculdade de Direito de São Paulo- Turma 1975 (USP). Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto em 1975. Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo (1985-1987/Gov. Montoro). Secretário Executivo do CODEC- Conselho de Defesa dos Capitais do Estado da Secretaria da Fazenda (Mar./1985-Mar./1991). Professor de Direito Constitucional em S. José do Rio Preto





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