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A novela do ponto extra. Coisa de quem não tem o que fazer ou forma de acobertar problemas sérios?

Coisa que está tremendamente difícil de entender, é a verdadeira novela do "embróglio jurídico-político" da discussão sobre a cobrança ou não do ponto extra das empresas de TV à cabo e similares.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Atualizado em 9 de abril de 2010 10:58


A novela do ponto extra. Coisa de quem não tem o que fazer ou forma de acobertar problemas sérios?

Mauro Tavares Cerdeira*

Coisa que está tremendamente difícil de entender, é a verdadeira novela do "embróglio jurídico-político" da discussão sobre a cobrança ou não do ponto extra das empresas de TV à cabo e similares.

Fico imaginando, neste corredor de "pode-não-pode cobrar", sempre sem qualquer justificativa que seja realmente plausível, qual é a importância real desse negócio?

É notório que o setor de telefonia e telecomunicações, e muito especialmente as empresas desse primeiro citado, são, salvo exceções, campeãs em afrontas ao código do consumidor e lesões diversas e quase inimagináveis, disso não há dúvidas e basta ler o noticiário ou consultar os bancos de dados dos institutos de proteção ao consumidor ou os arquivos dos tribunais.

Problemas como a tal fidelização, e o costumeiro "programa de lesões programadas" que se segue naquele período em que o consumidor é prisioneiro, são absolutamente prejudiciais. É como aqueles ratinhos cobaias, pobres infelizes, presos em uma gaiola e levando choques de hora em hora. Bingo e ponto para o Promotor que está tentando enquadrar judicialmente a Anatel, que deveria estar cumprindo o seu papel (rimou, hein?). O mau atendimento e o desserviço é questão de honra. Falta de "sinal", telefones e TVs, devidamente cobradas em mensalidade, dias e dias fora do ar; e as cobranças indevidas então? Tenho um amigo que liga todo mês lá na empresa de celular a que está vinculado, e sem discutir ligação por ligação, abaixa duzentos reais na conta. O próprio funcionário sabe que a conta já foi "a maior", como dizem. Tudo isso é sabido, é grave, necessita providências, intervenção, socorro, uma luz, Deus do céu me ajude e nos acuda, etc.

Mas o negócio do ponto extra, que diabo de importância tem isso? Dissequemos ainda que perfunctoriamente, como diria o jurista, a matéria, segundo a teoria maior do bom senso e da racionalidade.

O caso diz respeito à TV à cabo, ou por assinatura, termo este mais apropriado. É uma TV opcional, já que existe o sistema de TV aberta, aquele que o Ministro fez uma revolução que é só comprar um aparelhinho caríssimo ou uma TV nova de LCD mais cara que as outras, que a imagem fica uma tetéia, ou até que deveria ficar, se sua TV não for deslizada juntamente com sua casa após um incrível fenômeno da natureza que se chama chuva.

Ou seja, ainda que consideremos os sinais ou programas de televisão como essenciais hoje em dia, e há quem diga que não são, estamos falando de um serviço excedente, além do básico, fornecido pela iniciativa privada e, portanto, pago (não pense que o serviço público não é pago - na verdade, aqui, ele é sobrepago).

Pois bem, então, caso eu goste muito de TV, ou goste de assistir Lost ou Heroes ou Jack Bauer antes que os outros, ou tenha tempo extra (opa!), e tenha também grana extra (olha quanto extra!), posso escolher uma empresa de TV por assinatura e contratá-la.

Logicamente que este contrato deve me dar mobilidade para mudar para outra empresa se preferir, a qualquer momento, ou cancelar se o Jack Bauer estiver meio mole na oitava temporada, ou se a empresa não servir ao meu novo endereço, ou se a minha grana acabar etc; e posso também pechinchar, reclamar, processar, acionar o Ministério Público e o PROCON, e convocar um leilão de menor preço entre as operadoras lá em casa ou no hall do meu condomínio etc; e se resolver ligar lá eles tem de me atender, me chamar de senhor (a), usar de sinceridade absoluta, e não colocar aquela musiquinha que um amigo meu teve internado dez dias no mês passado por neurose múltipla encefálica do miocérebro, que aquilo é quase de matar!

Agora vamos ao "ponto extra". Não se trata aqui daquele ponto de repetição de sinal, em que se você ligar a TV do quarto, esta fará repetir o canal sintonizado na sala. Trata-se aqui de um novo aparelho decodificado ou coisa que o valha, devidamente instalado a pedido do freguês, que na época da contratação inclusive aceitou os termos do contrato, que pode sintonizar qualquer canal, que pode funcionar independente e autonomamente, que pode dar defeito enquanto os outros pontos da mesma casa continuam funcionando, que exige troca e atualização de aparelhos e equipamentos, que exige manutenção própria e eventualmente isolada. Ou seja, ao que parece, pode ser que seja indiferente à operadora instalar o tal ponto extra em sua casa ou na casa do vizinho, que dá o mesmo trabalho e gera a mesma despesa. Não entendo disso, mas é o que parece.

Então, o que estou querendo dizer, é que só faltava agora, no regime em que vivemos, em que tudo tem preço, eu resolver ir na Pernambucanas ou na Magazine Luiza, comprar 32 TVs de 50 polegadas (ou 50 de 32, whatever?), pregar tudo nas paredes do meu apartamento, ligar lá na empresa para a qual eu pago minha mensalidade de R$112,28, que realmente acho meio caro, e pedir 49 ou 31 pontos extras, ou seja, 49 ou 31 aparelhos, mais a contratação dos funcionários respectivos para lhes dar manutenção, mais sei lá o que precisa para transmitir estes sinais em maior quantidade, etc etc. Daí ligo minhas TVs uma em cada canal (e vai faltar TV, pois tenho mais de cem canais), e fico fazendo cooper pela casa enquanto assisto, como dizem, "uma programação variada de entretenimento televisivo", e continuo pagando os meus R$112,28.

E quando coincidir de ter um intervalo em conluio, de forma polibiunívoca1, em todos os canais das minhas diversas televisões, correrei até o Pão de Açúcar, que é também Casas Bahia, Ponto Frio e mais várias coisas, e comprarei um engradado de 88 kaisers, que é a única cerveja, ao que parece, que não é da Ambev, e pagarei somente uma, porque logicamente que pagando a primeira estarei pagando todas as outras, que são iguais.

Para encurtar o caso, que andam reclamando que só sei escrever coisa comprida. Quem tem responsabilidade neste país, seja agência reguladora, órgão de proteção ao consumidor, ministério público, associações e instituições diversas e o Deus nos acuda e nos a CADE, por favor, cuidem para que, no mercado de TV a cabo ou coisa que o valha, haja concorrência de verdade, para que assim, os preços se tornem competitivos e ao alcance de todos, e não uma grande combinação, como acontece com diversos setores, e vai acontecer cada vez mais, quanto mais aumenta o grau de monopólio na economia. Cuidem para que os contratos sejam cumpridos, para que os canais não saiam do ar, para que os sinais não sejam interrompidos, e que caso sejam, os consumidores sejam ressarcidos. Cuidem das coisas sérias, que realmente importam. Daí, de uma hora para outra, quem sabe não aparecerá uma empresa que ofereça um ou dois pontos extras grátis, ou até que dêem o aparelho de TV de presente ao cliente para conquistá-lo!

Ficar insistindo em uma bobagem como esta, de ponto extra, ainda mais indo e voltando com as determinações, deixando todo mundo sem saber o que vale ou o que pode ou o que fazer, só serve a que o pessoal bole um jeito de cobrar o ponto extra de uma forma "intra". E ainda mais, talvez a questão escape do poder regulatório do Estado, enquanto outras que estão inseridas dançam balada no meio da avenida Paulista, atrapalhando o trânsito, e ninguém parece enxergar.

Então, não tem outra coisa a se pensar, ou essa novela do ponto extra é coisa de quem não tem mais o que fazer, e não tem nem TV à cabo pra ver, ou está a encobrir coisas grandes, quem sabe uma invasão de extraterrestres?!

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1 Esta palavra, tudo bem, foi inventada, mas saiba você que Shakespeare inventou mais de 1.800 palavras do vocabulário inglês, e até hoje está muito famoso.

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*Advogado do escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais










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