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Honorários sucumbenciais e a isonomia

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é o intérprete último da Constituição Federal, suas regras e seus princípios, em especial no que diz com o Poder Judiciário. Quem se dispuser a consultar o Código de Processo Penal, verá que ali ainda se encontra dispositivo que autoriza juiz e delegado a instaurarem Ação Penal por portaria.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Atualizado em 14 de maio de 2010 14:05


Honorários sucumbenciais e a isonomia

Adauto Suannes*

"If law, and law alone, provides regulations for the relations between individuals and individuals and state; if enacted law is the sole means of social change; this naturally does not mean that the written words produce these changes, but that the applications of these words by organs of state, in the sphere of social relations, fulfills those tasks which are attributed to the law. The attitude of the judges towards the law, and their position in the state, is therefore the crux of the liberal system."1

"A vinculação dos tribunais aos direitos fundamentais revela-se, também, no dever que se impõe aos juízes de respeitar os preceitos de direitos fundamentais, no curso do processo e no conteúdo das decisões - digam eles respeito a matéria de direito público, de direito privado ou de direito estrangeiro."2

1. Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é o intérprete último da Constituição Federal (clique aqui), suas regras e seus princípios, em especial no que diz com o Poder Judiciário3.

2. Quem se dispuser a consultar o Código de Processo Penal (clique aqui), verá que ali ainda se encontra dispositivo que autoriza juiz e delegado a instaurarem Ação Penal por portaria4. Guilherme de Souza Nucci, comentando tal artigo, esclarece que:

"até o advento da nova Constituição, entendia o Supremo Tribunal Federal, a despeito de doutas opiniões em contrário na doutrina, que era viável o início da ação penal por portaria da autoridade judiciária ou policial. Foi preciso expressa menção de que a titularidade é do Ministério Público (CF, art° 129, I) para que não mais se permitisse o início da ação penal por portaria.5"

3. Seria para perguntar qual o motivo pelo qual os princípios processuais constitucionais soem ser tão desconsiderados por nossos julgadores. Para alguns, a resposta seria esta:

"O jurista tem a grave tarefa de promover a melhor aplicação do direito. A tarefa do jurista é a luta contra o arbítrio. (...) O juiz não tem essa obrigação, pois a ele compete resolver o caso concreto, de acordo com o seu livre convencimento motivado (CPC, art° 131 - clique aqui)"6.

4. Ocorre que essa motivação não pode contravir os princípios constitucionais, especialmente aqueles reunidos sob a rubrica de due process of law.

5. Citando Josef Esser, registra Nelson Nery Júnior que "também no campo do Direito Constitucional existem princípios não-escritos válidos (v.g., razoabilidade ou proporionalidade), que são seus pressupostos positivos e necessários."7

6. Se "não constitui exagero algum afirmar que o princípio da proporcionalidade é também um princípio informativo do processo civil, isto porque é portador da esperança de um processo mais justo e équo, permitindo a visualização de eventuais distorções que o sistema processual possa apresentar, contribuindo, assim para a solução de vários problemas desse sistema"8, dia virá em que os processualistas civis dirão o mesmo a respeito de si, em face da clara inconstitucionalidade do art° 20, § 4°, do Código de Processo Civil9.

7. Sabe-se também que, por força de disposição constitucional, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça dar a última palavra quando se cuida do real alcance de lei federal infraconstitucional10.

8. De fato, se a cada dia descobrimos novos alcances da due process clause, aí incluídos princípios como o da razoabilidade e o da proporcionalidade11, com que argumentos se haverá de sustentar a validade, a nível constitucional, de uma disposição legal que trata de modo tão desproporcional12 autor e réu?

9. Muito embora seja o STJ o responsável pela uniformização da interpretação a ser dada às leis federais, aquele, como todos os demais tribunais brasileiros, divide-se em várias seções, sendo raríssimo que a totalidade de seus membros participe de algum julgamento13.

10. Daí o surgimento de interpretações diversas dadas pelo Tribunal a um mesmo dispositivo legal, o que é simplesmente a negação da norma constitucional.

11. Figuremos uma hipótese concreta. Suponha-se que o tribunal local tenha assim concluído:

"Assim, na exata proporção do decaimento respectivo do pedido de cada parte, arcarão os executados embargantes com verba honorária de 10% (dez por cento) sobre o valor pelo qual prosseguirá a execução (R$ 355.209,23), ao patrono do banco exequente embargado, e o banco exequente, por sua vez, arcará com honorários, também de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado de seu pedido, consistente na quantia de Cr$ 429.579.691."

12. Ambos os litigantes foram tratados isonomamente pelo tribunal local e, se o valor dos honorários a serem suportados pelo banco parecerem muito elevados, sibi imputet, pois quem ajuizou crédito exorbitante foi ele.

13. Interposto Recurso Especial, assim decidiu o STJ, por uma de suas câmaras:

"Estou conhecendo do recurso para dar-lhe parcial provimento a fim de condenar o banco-embargado ao pagamento de honorários, arbitrados em R$ 450.000,00, já compensados com os honorários advocatícios correspondentes ao processo de execução."

1 - No dizer de Edward Keynes, como que escrevendo para o caso sob estudo,

"embora as cláusulas do devido processo legal sejam uma larga promessa de li-berdade, elas não definem quais interesses específicos relacionados com liberdade e propriedade aí estão compreendidos. As cláusulas do devido processo expressam valores substanciais profundos que são a raison d'être de um governo constitucional - a proteção da vida, da liberdade e da propriedade, mas os autores da Quinta Emenda deixaram a definição dos interesses específicos relacionados com liberdade e propriedade ao Congresso e aos Tribunais".14

14. Constou o Acórdão esta autêntica confissão, que parece um pedido de desculpa:

"O tema da estipulação dos honorários nos processos de execução embargada, com redução do valor da dívida, tem sido reiteradamente apreciado neste Tribunal. Na egrégia Terceira Turma prevalece o entendimento aceito no r. acórdão recorrido, cada parte sendo condenada em honorários calculados sobre sua sucumbência; já nesta Quarta Turma tem sido decidido que há de se deferir uma única verba honorária, em favor do credor, sobre o quantitativo da dívida remanescente e em percentual reduzido, como constou da sentença."

15. A ser assim, se uma ação visando ao recebimento de R$ 1.000,00 for julgada procedente, o vencedor fará jus a, pelo menos, R$ 100,00 reais, para remuneração do seu advogado15, cujo trabalho, as mais das vezes, consiste apenas em anexar documentos e contar com a presunção legal a seu favor16. Já no que diz com o réu, se vencedor, os honorários de seu advogado, em nome da "equidade"17, talvez chegue a R$ 10,00, nada obstante todo o esforço por ele desenvolvido para superar a præsumptio legalis que beneficia o autor, embora juris tantum.

16. Diz Marcelo José Magalhães Bonício: "quando o próprio Código de Processo Civil estabelece a proibição de julgamento por equidade18, está, na verdade, criando uma proteção contra o subjetivismo do juiz, só admissível em circunstâncias excepcionais", como autorizado nos procedimentos de jurisdição voluntária, pela Lei de Arbitragem e pela Lei de Juizados Especiais.19

17. Que há de excepcional no fato de equiparar a conduta processual do advogado do réu à conduta do advogado do autor? Absolutamente nada.

18. Qual o motivo pelo qual o advogado do autor vencedor mereça recompensa que pode chegar ao décuplo da recompensa reservada ao advogado do réu vencedor? Evidentemente nenhum, máxime diante do princípio da isonomia.

19. Se a lei, levando em conta o quod plerumque accidit, dá preferência ao autor, punindo com mínimos 10% de sucumbência a quem resistiu indevidamente à pretensão da parte contrária, por que não punir tão severamente assim o autor quando sobrecarrega os serviços forenses e incomoda indevidamente alguém que nada lhe deve?

20. Nelson Nery Júnior considera inadmissíveis esses tratamentos discriminatórios, lembrando ainda que, ao reverso do que se conclui da jurisprudência, citando, em sentido contrário, julgado do extinto I TASP, onde se afirmou que "fixação de honorários equitativamente não significa modicamente", a fixação dos honorários abaixo de 10% viola o princípio da isonomia.20

21. A falta de razoabilidade em tal distinção leva a evidente e injustificável desproporção no trata-mento de situações iguais.

22. Eis alguns exemplos concretos:

a) Uma causa no valor de R$ 700.000,00 é julgada improcedente, fixando-se os honorários, "por equidade", em ridículos R$ 1.000,00, ou seja, menos de 1% daquele valor. Por força de Recurso Especial, esse valor, "por equidade", é elevado para R$ 10.000,00, argumentando-se, contraditoriamente, que "a jurisprudência deste Tribunal trata como ínfima a verba honorária que não corresponde sequer a 1% do valor da disputa (REsp 660.071/SC, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 13.06.2005: REsp 651.226/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 21.02.2005)".21

Tal valor representa 10% do mínimo que receberia o autor. Por que tal diferença?

b) "No caso vertente, o valor dado à causa é de R$ 163.037,71 (cento e sessenta e três mil, trinta e sete reais e setenta e um centavos) e os honorários advocatícios foram fixados em apenas R$ 1.000,00 (mil reais) devidos por cada um de ambos os embargantes. Note-se que a verba honorária não corresponde a sequer 1% (um por cento) do valor discutido, motivo pelo qual a considero irrisória."22

Que critérios se haverão de levar em conta para que os honorários sucumbenciais do réu não mereçam o epíteto de irrisórios?

c) "O arbitramento de honorários de sucumbência em valor correspondente a cinco milésimos do valor da lide ofende a equidade e, em conseqüência, o art° 20, § 4°, do CPC".23

É evidente que esse incrível valor correspondente a 0,005% não se refere ao advogado do autor. Por que?

d) "Não é lícito fixar-se honorários em valor irrisório (menos de 1%)".24

Por que 1% e não 3% ou 5%? Qual o critério na adoção desse arbitrário percentual?

e) "A verba honorária fixada consoante apreciação equitativa do juiz (art° 20, § 4°/CPC), por decorrer de ato discricionário do magistrado, deve traduzir-se num valor que não fira a chamada lógica do razoável que, pelas circunstâncias da espécie, deve guardar legítima correspondência com o valor do benefício patrimonial discutido, pois em nome da equidade não se pode baratear a sucumbência, nem elevá-la a patamares pinaculares".25

Eis o critério: fixar o percentual legal levando em conta o benefício patrimonial discutido, o que se aplicará tanto ao autor como ao réu. Por que não?

23. Paradigmático é o Acórdão daquele E Tribunal proferido no Recurso Especial nº 264.740-PR (2000/ 0063172-8), relator o Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 20 de Abril de 2004:

"Ao julgar remessa oficial, decidiu a Corte de origem provê-la parcialmente, tão-só para, com base no art. 20, § 4º, do CPC, reduzir a R$30.000,00 o valor da verba horária fixada na primeira instância em 10% sobre o montante da indenização. Argumentou o Tribunal que tal diminuição decorreria da 'natureza dessas ações (desapropriação indireta), onde, na verdade o maior trabalho fica a cargo da perícia, embora in casu, deva-se louvar com mérito o zelo e a dedicação do procurador dos apelados ...' (fl. 252).

Entendo que, ao assim decidir, o Tribunal a quo acabou por violar o art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, que estabelece os parâmetros a serem observados pelo Magistrado na fixação da verba honorária.

Dispõe o § 3º do art. 20 que os honorários advocatícios devidos pela parte vencida devem ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, atendidos (a) o grau de zelo do profissional, (b) o lugar de prestação dos serviços e (c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Com base em tal disposição, o magistrado de primeiro grau houve por bem fixar a verba honorária no percentual mínimo de 10% sobre o valor da condenação, atendo-se, como não poderia deixar de ser, às particularidades do feito, nos termos das alíneas da retrocitada norma legal.

Entretanto, ao reduzir os honorários de 10% para, aproximadamente, 1% do valor da condenação, a pretexto de promover o ajuste equitativo da lide, o que fez o Tribunal a quo foi desqualificar os trabalhos desenvolvidos pelo advogado, com base em argumento frágil, que generaliza, de maneira insólita e ofensiva, a atuação do profissional no acompanhamento das ações de desapropriação indireta, tudo com o intuito de favorecer a Fazenda Pública.

Oportuno salientar que, em situações inversas, a Fazenda tem obtido desse STJ, reiteradamente, decisões fixando em 10% o valor da verba honorária devida a seu favor.

Em tais circunstâncias, a redução de 10% para 1% no valor dos honorários chega a ser afrontosa para com o profissional do direito, sobretudo se levado em conta que a própria lei processual já fixa o percentual mínimo, no caso, 10%, a ser arbitrado na hipótese em que os trabalhos desenvolvidos pelo procurador justifiquem, a critério do Magistrado, sua aplicação.

Ainda que se argumente que a verba honorária, nas hipóteses em que é vencida a Fazenda Pública, possa ser fixada em percentual inferior ao mínimo indicado no § 3º do art. 20 do CPC, com base no que prescreve o § 4º do mesmo preceito processual, não há de se admitir que tal estipulação se dê com base em valores que não guardem a mínima correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional.

Sobre o tema, trago à colação os seguintes arestos da Corte:

'HONORÁRIOS DE ADVOGADO. EXECUÇÃO. FIXAÇÃO DA VERBA PARA O CASO DE INEXISTIREM EMBARGOS. VALOR IRRISÓRIO.

- A Turma tem conhecido de recurso especial para re-ver a fixação de verba honorária em valor irrisório ou excessivo, pois tal decisão se afasta do juízo de eqüidade preconizado pela lei e permite o processamento do recurso pela alínea a.

- É irrisória a quantia de R$ 5.400,00 estipulada como verba honorária em favor do advogado que promove execução de R$ 849.199,00, para o caso de não oferecimento de embargos.

- Recurso conhecido e provido em parte (REsp n. 251.017/MT, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 11/9/2000).

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO. VALOR DA CONDENAÇÃO E VALOR DA EXECUÇÃO.

- Nas ações em que vencida a Fazenda Pública, a verba honorária deve ser calculada sobre o valor da condenação, nos termos dos § 3º e 4º, do art. 20, do CPC, sendo vedado sua fixação em percentual irrisório.

- Os embargos à execução, por consubstanciarem uma ação de cognição incidental, comportam a condenação em honorários advocatícios, cuja base de cálculo deve incidir sobre o valor discutido na execução e não sobre o total do quantum executado.

- Embargos parcialmente acolhidos. (EDcl no REsp n. 249768/SP, rel. Min. Vicente Leal, DJ de 23/10/2000).

PROCESSUAL CIVIL. VERBA HONORÁRIA. FIXAÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL (ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC). IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. Consoante jurisprudência iterativa desta Corte, os honorários advocatícios devidos pela parte vencida devem ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, como determinado no art. 20, §§ 3º e 4º, do diploma processual.

2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp n. 209.593/DF, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 16/6/2003).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. HONORÁ-RIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO EM VALOR IRRISÓRIO. MÍ-NIMO APLICÁVEL. ART. 20, § 3º, DO CPC. PRECEDENTES.

1. Agravo Regimental contra decisão que conheceu de agravo de instrumento para prover o recurso especial da parte agravada, para fixar o percentual de 10% (dez por cento) de verba honorária advocatícia, sobre o valor da condenação, em virtude de o v. Acórdão a quo tê-la arbitrado em 2% (dois por cento) sobre o valor da causa.

2. O art. 20, do CPC, em seu § 3º, determina que os honorários advocatícios sejam fixados em um mínimo de 10% (dez por cento) e um máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Fixação do percentual de 10% (dez por cento) de verba honorária advocatícia, sobre o valor da condenação.

3. Precedentes de todas as Turmas desta Corte Superior.

4. Agravo regimental não provido. (REsp n. 472.930/MT , rel. Min. José Delgado, DJ de 10/3/2003).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, restabelecendo a decisão monocrática, fixar a verba honorária em 10% sobre o valor da condenação."

24. A questão prática que se coloca é: como fazer prevalecer esse critério objetivo, mais condizente com um processo de igualdade de partes sem necessidade de interferência do Poder Legislativo?

25. A doutrina alemã criou e o Judiciário acolheu a figura da Verfassungskonforme Auslegung von Gesetzen ou "interpretação conforme à Constituição",

"técnica pela qual não se deve declarar a lei ou ato normativo inconstitucional, se puder dar-se à norma interpretação que se coadune com o sistema constitucional"26.

26. Leciona o jurista Inocêncio Mártires Coelho:

"Instrumento situado no âmbito do controle de constitucionalidade e não apenas uma simples regra de interpretação - como o STF enfatizou em decisão exemplar (Representação n° 1.417/DF, Rel. Min. Moreira Alves) -, o princípio da interpretação conforme a Constituição consubstancia essencialmente uma diretriz de prudência política ou, se quisermos, de política constitucional, além de reforçar outros cânones interpretativos, como o princípio da unidade da Constituição e o da correção funcional."27

27. A ausência dessa providência mera-mente exegética tem trazido situações paradoxais.

28. Imaginemos que o processo trazido aqui para exemplificar o que se iria escrever houvesse sido distribuído a outra turma julgadora. Em tal caso talvez fosse dito que:

a) "A alegação de que o aresto recorrido teria aumentado imotivadamente o valor referente à verba não tem o condão de modificar o fundamento do aresto impugnado, atraindo a incidência da Súmula 284/STF. Além disso, a análise dessa assertiva esbarraria no impedimento da Súmula 7/STJ, pois seria imperioso o reexame do conjunto fático-probatório para fins de apreciação equitativa, nos termos do § 3° do art° 20 do CPC - verificação do grau de zelo do patrono, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo profissional e o tempo exigido para o seu serviço."28

Em tal caso a verba honorária, fixada objetivamente, pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo para o tal caso estaria mantida.

b) "Fixados os honorários conforme apreciação equitativa do juiz, com base nos critérios de apreciação fática, não há falar em violação ao art° 20, § 3°, do CPC. Atendidos os preceitos legais, eventual insurgência quanto ao montante da verba esbarra no óbice da Súmula 7/STJ."29

E aquele julgado ficaria mantido, em face da Súmula 7/STJ!

29. Quais os critérios a serem observados numa "apreciação equitativa"? Evidentemente não existe, o que conduz ao mais absoluto subjetivismo, incompatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

30. Se na área penal não se tolera esse subjetivismo ("A busca da ordem pública há de estar calcada em fatos concretos, descabendo potencializar o subjetivismo e, a mercê de capacidade intuitiva, imaginar dados passíveis de acontecer como são exemplos a indignação da opinião pública, a preservação da sociedade e a provável vingança de parentes da vítima."30), por que se haveria de tolerá-lo na área cível, mesmo sabendo que isso pode significar o rebaixamento ou a elevação do valor da verba da sucumbência a níveis absurdos, como demonstrado nos documentos anexos, afrontando-se claramente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade?

31. Tão relevante é o tema que aquele C. Superior Tribunal de Justiça chega a falar em pré questionamento implícito, como se vê do seguinte Aresto:

"Esta Corte tem admitido a elevação dos honorários de advogado quando mostrarem-se ínfimos em relação ao conteúdo econômico da demanda. Confira-se, entre inúmeros outros, os seguintes julgados:

'Processo civil. Honorários advocatícios. Revisão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Possibilidade nas hipóteses de fixação, pelo Tribunal de origem, em valor ínfimo ou exagerado. Precedentes da Corte Especial.

- É possível a revisão, no STJ, do valor arbitrado pelo Tribunal de origem a título de honorários advocatícios, com fundamento no art. 20, §4º, em hipóteses excepcionais, em que a quantia tenha sido fixada em valor ínfimo ou exagerado (Corte Especial, EREsp nº 494.377/SP).

- Hipótese em que, pelo julgamento de improcedência do pedido formulado em uma ação de depósito visando a entrega de bens de valor equivalente a R$ 998.242,74, fo-ram fixados honorários advocatícios no montante de apenas R$ 5.000,00.

Recurso especial conhecido e provido. (REsp nº 678.642/MT, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 29/05/2006)'

'RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. REVISÃO. POSSIBILIDADE NOS CASOS DE VALORES IRRISÓRIOS OU EXAGERADOS. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO.

I - Em que pese a vedação inscrita na Súmula 07/STJ, o atual entendimento da Corte é no sentido da possibilidade de revisão de honorários advocatícios fixados com amparo no art. 20, § 4º do CPC em sede de recurso especial, desde que os valores indicados sejam exagerados ou irrisórios (AgRg nos EREsp 432201/AL, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, DJU de 28.03.2005).

II - In casu, o valor fixado pelo e. Tribunal a quo, a título de honorários advocatícios, corresponde ao percentual de 0,15% do valor da condenação, ou seja, bem menos que 1%. Desse modo, não há necessidade da análise de fatos para a constatação de que o valor fixado para os honorários restou irrisório. Precedentes.

Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no REsp nº802.273/MS, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 22/05/2006)'

Tem-se por satisfeito o requisito do pré questionamento implícito, se a Corte a quo, ao fixar os honorários advocatícios, arbitra valor aviltante ao trabalho desenvolvido pelos advogados, contratados para o patrocínio da defesa em execução por quantia certa objeto de pedido de desistência após o oferecimento de exceção de pré-executividade.

Inaplicável, na hipótese, a Súmula 07/STJ, uma vez que a elevação de honorários irrisórios não demanda o reexame de questões de fato; ao contrário, presta homenagem ao princípio da proporcionalidade."31

32. Proporcionalidade que significa 10% para o advogado do autor e 1% para o advogado do réu.

33. Aliás, como falar em "ausência de reexame de questões de fato" se o parágrafo 4° do art° 20 exige (e a maioria dos juízes, inclusive do STJ, não obedecem) que sejam examinados "o grau de zelo do profissional", "o lugar da prestação do serviço", "a natureza e importância da causa", "o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço"?

34. Trata-se, como se vê, de questão relevantíssima, à qual se aplica o entendimento do C. Supremo Tribunal Federal:

a) "Entendo que a questão constitucional debatida tem repercussão geral, vez que não se limita ao interesse subjetivo das partes."32

b) "A questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico e econômico, uma vez que a orientação a ser firmada por esta Corte norteará o julgamento de inúmeras ações semelhantes a esta, bem como acarretará efeitos econômicos às partes e seus representantes processuais ..."33

35. Esses, sem dúvida, são casos relevantíssimos, pois não há causa nenhuma onde não se discuta o cabimento e/ou o montante dos honorários advocatícios devidos pela sucumbência. Até mesmo em caso de Mandado de Segurança , com forte apoio da doutrina35.

36. Logo, não pode haver dúvida de que está presente a repercussão geral, ensejadora da submissão dos casos julgados pelo STJ ao E. Supremo Tribunal Federal, para aferir a (in)adequação do contido nos parágrafos do art° 20 e seus parágrafos do Código de Processo Civil aos preceitos do devido processo legal, em especial a equidade, a isonomia, a razoabilidade e a proporcionalidade.

___________________

1Franz L. Neumann, The Rule of Law, Berg Publishers, 1986, p. 224

2Gilmar Ferreira Mendes, Curso de Direito Constitucional (co-autoria de Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco), Editora Saraiva, 4ª. ed., 2.009, p. 284

3Nelson Nery Junior, Princípios do Processo na Constituição Federal, Editora Revista dos Tribunais, 9ª. ed., Introdução

4Cf. artigo 26

5Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 6ª. ed., comentário ao art° 26

6Nelson Nery Junior, ob. cit, p. 74.

7Ob. cit, p. 34

8Marcelo José Magalhães Bonicio, ob. cit., p.46

9"Nas causas ... em que não houver condenação,... os hono-rários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz,..."

10"Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida ... der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal", o que, de certa forma está compreendido em "contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhe vigência." (CF, art° 105, III, incisos a e c)

11Cf. Roberto Rosas, Devido Processo Legal: proporcionalidade e razoabilidade, Revista dos Tribunais, vol. 783, p. 11

12"I - Sendo o valor da Execução estimado em cerca de R$ 105 mil reais, a fixação de honorários em menos de 1% (um por cento) do quantum exeqüendo configura valor irrisório, devendo ser mantida a decisão que majora os honorários para o percentual de 5% (cinco por cento).

II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reite-radamente afirmado a possibilidade de elevação de honorários advocatícios nos casos em que estes se mostrem irrisórios em face do valor atribuído à causa. Precedentes: REsp nº 678.642/MT, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ de 29/05/2006 e AgRg no AgRg no REsp nº 802.273/MS, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 22/05/2006. (Cf. AgRg nos EDcl no REsp 841507/MG, 2006/0086430-4, rel. o Min. Francisco Falcão, julgado em 07/11/2006)

III - Impõe-se o afastamento da Súmula nº 07/STJ, ante a desnecessidade de reexame das questões de fato do processo, por-quanto a elevação de honorários irrisórios prestigia o princípio da proporcionalidade." (citados in STJ AgRg nos EmbDecl no REsp 841507/MG, 2006/0086430-4, rel. o Min. Francisco Falcão, julgado em 07/11/2006)

13Cf. RISTJ, Parte I, Título I, Capítulo I

14cf. Liberty, Property and Privacy - Toward a Jurisprudence of Substantive Due Process, The Pennsylvania State University Press, 1996, p. X

15"Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10%(dez por cento) e o máximo de 20%(vinte por cento) sobre o valor da condenação." (CPC, art° 20, § 3°)

16Cf. CPC, Livro I, Título VIII, Capítulo III

17"Nas causas ... em que não houver condenação ... os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz" (CPC, art° 20, § 4°)

18"O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei." (CPC, art° 127)

19Ob. cit., p. 35

20Ob. cit., p. 110

21REsp n° 1.001.950/DF(2007/0255918-6), Rel. Min. Nancy Andrighi

22REsp n° 660.071/SC(2004/0050163-8), Rel. Min. Jorge Scar-tezini

23Cf. REsp n° 651.226/PR(2004/0081869-2), Rel. Min. Hum-berto Gomes de Barros

24Cf. REsp n° 153.208/RS(97768139), Rel. Min. Nilson Naves

25Cf. REsp n° 301.651/MG, Re. Min. César Asfor Rocha

26Nelson Nery Júnior, ob. cit., p. 67

27Curso de Direito Constitucional (co-autoria com Gilmar Fer-reira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco), Editora Saraiva, 4ª. ed., p. 141

28Cf. REsp n° 1.141.429/SP(2009/0097111-4), Rel. Min. Castro Meira

29REsp n° 423.250/SP(2002/0035353-0), Rel. Min. Fernando Gonçalves

30STF, HC n° 87.794-0/Bahia, Re. Min. Marco Aurélio

31AgRg nos EmbDecl no REsp n° 841.507-MG (2006/0086430-4), rel. o Min. Francisco Falcão

32Cf. RG no RE n° 564.132-5/RS, Rel. Min. Eros Grau

33CF. RG no RE 581.160-3/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski

34Cf. STF, AR no RE 597.215-1/PR, Rel. Min. Ellen Gracie

35Cf. Nelson Nery Júnior, ob. cit, p. 112

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