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A Federação Ficcional

Luiz Carlos Alcoforado

A tradição constitucional brasileira historia que houve mais idealismo jurídico do que realismo, na práxis federalista. Prodigalizamos constituições, pela cultura de banalização de processos constitucionais ou pela ocorrência de golpes de Estado.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Atualizado em 27 de maio de 2010 14:02


A Federação Ficcional

Luiz Carlos Alcoforado*

A tradição constitucional brasileira historia que houve mais idealismo jurídico do que realismo, na práxis federalista.

Prodigalizamos constituições, pela cultura de banalização de processos constitucionais ou pela ocorrência de golpes de Estado.

A Carta de 1824 (clique aqui) é o vestibular do modelo de um rigoroso centralismo, sob o regime de um Estado unitário e governo monárquico, em cuja competência se processavam o comando político e a gestão administrativa, que sufocavam a autonomia provincial.

O ensimesmamento do poder político mais se motivava pelo conceito ideológico do autoritarismo do regime monárquico, mesmo ventilado pela aparência de um governo constitucional e representativo, e menos pelos riscos da fragmentação da unidade nacional por que passava o Império do Brasil, a exemplo da América Espanhola.

Exauridos os sentimentos de simpatia popular, desaba a monarquia e, por conseguinte, rui a estrutura constitucional, mediante a primeira constituição republicana, elaborada sob o fervilhar das ideias positivistas, já aquarteladas na consciência da elite militar e de parte da elite civil.

Com a Constituição de 1891 (clique aqui), os Estados Unidos do Brasil se americanizam, ao reproduzir a estrutura organizacional que exprimia os idealismos republicano e federalista.

O texto constitucional escondia esterilidade institucional, pela incapacidade de promover a transformação do país e pela tolerância com o revigoramento do poder das oligarquias, em cujas mãos se concentrava a vontade dos caudilhos regionais, senhores que administravam, legislavam e julgavam, à margem dos princípios e preceitos constitucionais.

Logo a República envelheceu!

Novos ventos constitucionalistas sopravam, mas sem força para afastar a breve Constituição de 1934 (clique aqui) das armadilhas e trincheiras em que se tramava o Estado Novo, entusiasmado por regimes autoritários, sob a manipulação de cartilhas em cujos receituários se fingia transformar o povo em protagonista.

A Constituição de 1937 (clique aqui) se comunica com os símbolos do autoritarismo, mais na condução prática do que programática, porque malgrado o caráter fascista de suas inspirações, a Polaca flertava com direitos que pareciam comportar exercício pela cidadania, mas refreados por políticas públicas repressoras.

Em 1946 (clique aqui), derrotados os regimes do fascismo e do nazismo, empinamos a redemocratização, sem, contudo, atassalhar as raízes culturais que impregnam a consciência nacional de vocação autoritária.

Já sob o regime militar de 1964, tivemos a Constituição de 1967 (clique aqui), que formalmente não revelava o estado de exceção democrática, agudizado, contudo, mediante o recrudescimento da ditadura no campo político e institucional, traduzido na edição de Atos Institucionais que mutilaram o texto.

Inauguramos novo ciclo constitucional e democrático com a Constituição de 1988 (clique aqui).

Ofereceu-se ao processo constituinte a oportunidade de arrecadar as experiências do fantástico e conturbado Século XX, mas o texto constitucional já nascia com graves defectividades, especialmente quanto à desatualização de temas e institutos, numa miríade de problemas que reclamavam intervenções, mediante correções constitucionais, num curto espaço de tempo histórico.

A Constituição de 1988 repetia os valores da organização federativa do Estado, mas reproduziu os vícios anteriores, ao estreitar a via institucional com que se agigantariam os princípios federativos, mediante a partilha de competências entre os Estados, os Municípios e a União.

Persistimos no erro do centralismo, ao interditar a distribuição da competência legislativa, como recurso à legitimidade da norma, quando nasce e vive em terreno onde viceja intimidade entre o legislador e o cidadão, o destinatário.

Pouco podem os Estados e Municípios.

Federação não é a união de Estados e Municípios, esvaziados de competência, mas a preservação e o respeito das idiossincrasias que singularizam os anseios próprios dos cidadãos que dividem espaços comuns, com compreensões culturais que identificam valores pelos quais lutam e nos quais acreditam.

Sob o regime de asfixia, as unidades da federação carecem de relevantes competências legislativas, por força do excesso de legiferação que se reservou à União

A competência que se guardou para os Estados e Municípios é residual e fragmentária, sem expressão para formulações de políticas públicas no campo jurídico, econômico e social, que expressem os sentimentos das pessoas ligadas por razões que se lhes aproximam.

O estadismo esvazia a razão das casas legislativas, numa inversão de princípio em que se ancora o federalismo, à falta de autonomia dos Estados e Municípios para que se organizem segundo suas próprias leis, resultantes da vontade de seus povos, desde que preservadas as cláusulas inquebrantáveis da Constituição Federal sobre as quais se sustentam os princípios republicanos e federalistas.

A exigência à simetria constitucional, como prolongamento e projeção dos modelos institucionais existentes no corpo da Constituição Federal às constituições estaduais e às leis orgânicas municipais, deveria limitar-se aos institutos mais nobres que dignificam e predicam os fundamentos e os princípios que inspiram a República Federativa do Brasil.

Portanto, faz-se necessário golpear o federalismo teórico, tônica da nossa organização político-administrativa, a fim de que se justifique a existência dos Estados e dos Municípios.

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*Sócio do escritório Alcoforado Advogados Associados









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