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A penhora on-line na execução fiscal

Ricardo Martins Rodrigues

A relação obrigacional tributária atinge o seu ápice de conflituosidade no momento em que o Estado volta-se contra o particular com o objetivo de satisfazer o crédito tributário espelhado na certidão de dívida ativa por meio da execução forçada de seus bens.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Atualizado em 28 de dezembro de 2010 16:16


A penhora on-line na execução fiscal

Ricardo Martins Rodrigues*

A relação obrigacional tributária atinge o seu ápice de conflituosidade no momento em que o Estado volta-se contra o particular com o objetivo de satisfazer o crédito tributário espelhado na certidão de dívida ativa por meio da execução forçada de seus bens. É nesse cenário que surge a execução fiscal como instrumento processual apto à consecução dos atos expropriatórios do patrimônio do devedor.

O artigo 185-A do CTN (clique aqui), acrescentado pela LC 118, de 9 de fevereiro de 2005 (clique aqui), introduziu a chamada penhora eletrônica nas execuções fiscais, mais popularmente conhecida como penhora on-line, pela qual o juiz passa a ter o poder de decretar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, incluindo depósitos e aplicações financeiras, caso o executado, devidamente citado, não pague nem apresente bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis em seu nome.

O CPC, aplicado subsidiariamente ao processo de execução fiscal por força do artigo 1º da lei 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execuções Fiscais - clique aqui), trata do assunto de maneira diversa. Segundo dispõem os artigos 655 e 655-A do diploma processual civil (clique aqui), com a redação dada pela lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (clique aqui), o depósito ou aplicação financeira, ao lado do dinheiro em espécie, ocupam o primeiro lugar na ordem de preferência dos bens e direitos passíveis de penhora, sendo possível ao juiz, a requerimento do credor, determinar a indisponibilidade dos recursos financeiros em nome do executado, até o limite suficiente para a garantia da execução.

Com a entrada em vigor da lei 11.382, de 2006, levantou-se a seguinte questão: seriam os artigos 655 e 655-A do CPC aplicáveis ao processo de execução fiscal ou não, tendo em vista a regulamentação específica da LEF e do CTN? A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou o Parecer PGFN/CRJ nº 1.732, de 2007, sustentando, dentre outras coisas, a aplicação de referidas normas ao processo de execução fiscal para "abreviar a satisfação do direito da Fazenda Pública", mesmo reconhecendo que "as ideias (...) defendidas são meramente propositivas à postulação em juízo, sendo plenamente passíveis de serem contrariadas pela consolidação jurisprudencial".

A 1ª seção do STJ assentou o entendimento de que os artigos 655 e 655-A do CPC são aplicáveis ao processo de execução fiscal a partir da vigência da lei 11.382, de 2006, tornando-se prescindível o esgotamento de diligências para a localização de bens passíveis de penhora. Concluiu ainda que "a penhora on-line de ativos financeiros não caracteriza ofensa qualquer ao princípio da menor onerosidade, consubstanciado no artigo 620 do Código de Processo Civil, uma vez que a execução se processa no interesse do credor" (EREsp 1.052.081/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 26/05/2010). Mais recentemente, o mesmo tribunal reiterou esse entendimento em julgamento que seguiu o rito dos recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do CPC (REsp 1.112.943/MA, Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15/9/10).

A jurisprudência atual do STJ acaba dando margem para que a Fazenda Pública passe a rejeitar qualquer nomeação à penhora de bens diversos de dinheiro em espécie, requerendo a penhora on-line de recursos financeiros em nome do executado, sob o simples argumento de que o dinheiro ocupa o primeiro lugar na lista de bens penhoráveis.

A matéria comporta, em nosso sentir, maiores reflexões. Inicialmente, cremos que o conflito de normas entre as disposições do CPC, de um lado, e da LEF e do CTN, de outro, deve ser resolvido pelo critério da especialidade, prevalecendo este sobre o critério cronológico - lex posterior generallis non derrogat priori specialli -, especialmente se levarmos em consideração o caráter subsidiário das disposições do CPC ao processo de execução fiscal que a própria LEF fez questão de afirmar.

Além disso, é descabida - e perigosa - a equiparação do processo de execução de obrigações civis, firmadas entre particulares, com obrigações de natureza tributária. É importante observar que o Estado tem ao seu alcance as funções de criar, executar e julgar o vínculo obrigacional tributário, sendo certo que o título executivo que ampara a execução fiscal é formado sem qualquer participação do contribuinte ou responsável, ao passo que, nas relações de cunho civil, os particulares participam ativamente da formação do título executivo obrigacional. Essa pluripotencialidade do Estado - a um só tempo legislador, Fisco e juiz - não pode ser desprezada no trato do tema, devendo ser considerada na interpretação e aplicação das normas processuais tributárias.

Ademais, a afirmação de que a execução fiscal é feita no interesse do exequente, e não do executado, deve ser lida com ressalvas. É verdade que o objetivo maior da execução fiscal é a satisfação do crédito público. No entanto, a busca pela satisfação do crédito tributário não pode atropelar os direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal (clique aqui), notadamente o direito à propriedade, cuja constrição só é admitida sob o pálio do devido processo legal.

O princípio da menor onerosidade do devedor (artigo 620 do CPC) deve nortear a relativização da ordem de preferência dos bens penhoráveis na execução fiscal, sendo direito do executado garantir o juízo com bens livres e desembaraçados do seu patrimônio que, ao mesmo tempo, possam garantir eventual satisfação do crédito tributário sem prejudicar o desenvolvimento regular de suas atividades (TRF da 4ª região, AI 2009.04.00.010694-2).

Isso porque a penhora dos ativos financeiros é sempre traumática para qualquer pessoa, seja ela natural ou jurídica. No caso das pessoas jurídicas, quando a constrição não acaba paralisando completamente as operações da sociedade - o que não é raro acontecer -, prejudica o emprego dos recursos nas atividades empresariais, obstando, em última análise, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, pilares da ordem constitucional econômica.

Por essa razão, quer nos parecer que a penhora de dinheiro, via on-line, só deve ser admitida quando o devedor, devidamente citado, não pague nem apresente bens penhoráveis no prazo legal, nos termos do artigo 185-A do CTN. Caso o executado apresente espontaneamente bens ou direitos penhoráveis de liquidez incontestável, ainda que diferentes de dinheiro em espécie, não há que se cogitar a possibilidade da medida constritiva, sob pena de violação ao direito de propriedade e ao princípio da menor onerosidade da execução.

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*Sócio do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos Advogados - CPBS e especialista em Direito Constitucional Tributário pela PUC/SP

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