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A revolução do Supremo

Na verdade, fez história o STF. A concessão da cidadania a homossexuais contra o desejo canônico, contra o clamor evangélico, constitui a vitória do ser humano sobre o preconceito de clérigos, pastores e crentes. Entre o amor e a interpretação do amor pelos ministros do divino, o Supremo acolheu o primeiro sem a máscara do subterfúgio.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Atualizado em 16 de maio de 2011 10:42

A revolução do Supremo

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

Há quem diga que a morte do Bin Laden ofuscou a beatificação do Papa João Paulo II. Por outro lado, outros sustentam que este último ato religioso provocou a submersão publicitária do apoteótico casamento do príncipe inglês. Na verdade, fez história o Supremo Tribunal Federal brasileiro. A concessão da cidadania a homossexuais contra o desejo canônico, contra o clamor evangélico, constitui a vitória do ser humano sobre o preconceito de clérigos, pastores e crentes.

Entre o amor e a interpretação do amor pelos ministros do divino, o Supremo acolheu o primeiro sem a máscara do subterfúgio.

As minorias e as mulheres sempre foram compelidas a lutar para que as luzes da indulgência sem propósito se acendessem na sua trajetória pela Terra. Negros e índios tiveram os seus mais elementares direitos negados durante séculos no Brasil. Os religiosos desse passado remoto e insólito recusavam-se a admitir que os silvícolas ou os escravos possuíssem alma.

Hoje, argúem a possível sujeição dos homossexuais aos artifícios do demônio ou, com fingida tolerância, sugerem os remédios das bênçãos, das orações e dos sortilégios para a cura dos seus desvios. As manifestações tolas e indignadas lembram as palavras de Jesus, citando Isaías, no Evangelho de São Mateus: "Hipócritas. Esse povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim".

As mulheres eram consideras criaturas de segunda categoria e, portanto, incapazes para a prática de atividades diversas dos cuidados domésticos.

Em artigo publicado no Jornal do Comércio, de 1º de dezembro de 1889, reproduzida na Revista de Direito do ano de 1900, volume 81, fls. 330/343, o Dr. Carvalho Mourão, do IAB, formula as razões e fundamentos da sua opinião contrária à postulação da Dra. Myrthes de Campos que reclamava o direito de atuar junto aos Tribunais.

Dentre o seu pronunciamento, cita os pareceres divergentes dos deputados Muniz Freire e Lauro Sodré acerca da possibilidade de as mulheres postularem em Juízo:

"immoraes e destruidoras da família"; "anarchicas, desatradas e fataes"

Mais adiante:

Conte affirma a inferioridade intellectual da mulher e doutrina a sua subordinação ao homem"

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"a maioria das nações cultas repelle a mulher da advocacia"

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"Imagine-se ainda que o Código Philippino affirme em múltiplas passagens a inferioridade intellectual da mulher, a sua menor aptidão para os actos da vida civil, a sua capacidade restricta, a sua idoneidade para reger os alheios negócios e por elles se obrigar"

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"As Ordenações affirmam a inferioridade intellectual da mulher; o seu espírito é a subordinação da mulher ao homem, a sua capacidade civil restricta"

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"Esse Código comprehende a mulher como um ser differente do homem, que ora deve soffrer limitações em sua capacidade, ora ser favorecido e protegido em sua fragilidade e delicadeza. Assim, o Liv. 4º, Tit. 61, quando dispoz que não pudessem fiar nem obrigar-se por outra pessoa alguma, declarou como motivo do preceito que assim ordenava "havendo em respeito a fraqueza do entender das mulheres"

Por sua vez, os negros jamais foram considerados cidadãos de pleno direito, no Brasil e no mundo dito civilizado. A discriminação resultava da estúpida presunção da sua inferioridade em confronto com as demais raças. De outro lado, os portugueses denominavam os índios brasileiros de "negros da terra" e, posteriormente, "selvagens".

Em uma lerdeza que assusta, mais do que pouco a pouco, os indigentes da cidadania prosseguem na sua escalada em direção ao cume de idênticos privilégios medianamente alcançados.

Mas o Supremo avançou e ignorou os ventos da inércia que sopram no Congresso.

Fez a opção da fraternidade. Fez a opção do amor sem culpa. Fez a opção da vida.

O amanhã trará novas conquistas para a redenção dos oprimidos. A vitória do atraso, da cegueira, da crueldade, da hipocrisia religiosa, do sectarismo de cretinos, está perto do fim.

A Corte Suprema brasileira, justamente, pode se vangloriar da sua revolucionária decisão. Agora, o Brasil e a humanidade lhe devem respeito, gratidão e homenagens.

"Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados".

O Supremo ouviu a voz de Deus.

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados









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