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A Gerente de Saquarema

Até que não é tão vasto o mundo por estas ribanceiras lambidas pelo oceano sendo, talvez por isso, mais fácil detectar de longe não só o mau hálito que a cidade exala ao receber todo dia as primeiras pontas de sol como também uns certos maus humores causados certamente pela impaciência de quem amando tanto este País já não se conforma com tantos desconsolos e despautérios.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Atualizado em 8 de junho de 2011 11:01

A Gerente de Saquarema

Edson Vidigal*

Até que não é tão vasto o mundo por estas ribanceiras lambidas pelo oceano sendo, talvez por isso, mais fácil detectar de longe não só o mau hálito que a cidade exala ao receber todo dia as primeiras pontas de sol como também uns certos maus humores causados certamente pela impaciência de quem amando tanto este País já não se conforma com tantos desconsolos e despautérios.

Parece que há uma crescente ausência de alegrias daquelas que incensando o clima com as melhores essências não deixam cair os ânimos e, assim, desanimados todos, ou quase todos, os ares acabam por conta das dessas coisas restantes, insuportáveis de tão borocoxôs.

Talvez a impressão de que nos embarcaram num transatlântico errado, o qual não sai para lugar nenhum, o qual, ademais, parece que está é afundando, esteja a nos impor essa incerteza quanto ao que pelas vias das consequências poderá, ainda, pelo sim, pelo não, a estas alturas, nos acometer de silêncios lancinantes ou de raivas laminadas.

Ouvimos dizer que mais de uma centena de lavradores, dentre os ativistas que defendem as florestas, estão ameaçados de morte, depois que três deles num intervalo de poucos dias, foram abatidos por pistoleiros e nesse clima de apreensão medonha ouvimos o Estado brasileiro, pela voz do seu Governo, dizer que não pode garantir a vida deles todos, talvez, no máximo, só de uns trinta, porque o Governo não tem condições, meu Deus, é no Brasil mesmo que estamos?

A lei obriga o uso do cinto de segurança nos automóveis e é bom que essa obrigação exista, mas se você senta no banco traseiro de um táxi em qualquer parte do País, volta e meia, se aborrece porque não encontra uma ou outra das pontas do cinto de segurança.

Vai reclamar para quem? E para que reclamar, se nada vai acontecer?

Os aviões aqui e acolá decolam com horas de atraso, mas se você se atrasa paga uma multa que algumas vezes quase equivale ao preço da passagem. Os aeroportos estão sempre congestionados.

Vai reclamar para quem? E para que reclamar se nada vai acontecer?

A infraestrutura de estradas é péssima na maior parte do país. Tanto as de asfalto, quanto as de ferro, quanto as estradas de terra.

A infraestrutura de portos, tanto os marítimos quanto os fluviais, é péssima em quase todo o país. Os navios demoram semanas em filas depois de singrarem o mundo querendo alcançar um porto no Brasil.

Reclamar para quem? E para que reclamar, se nada vai acontecer?

É a opressão das filas ante a deficiência de transportes coletivos, ante a deficiência no sistema de saúde pública, é a opressão dos péssimos indicadores em educação fundamental, em formação profissional da juventude, é a opressão do desemprego para o grande contingente dos que, diploma na mão, saem das faculdades, é a opressão do Estado submetendo os que trabalham e produzem à maior carga de impostos e taxas do mundo, é a opressão do desrespeito aos nossos direitos de cidadania.

Vai reclamar para quem? E para que reclamar se nada vai acontecer?

Numa noite em Saquarema fui a uma pizzaria que atraía muita gente porque o lugar era bonito, batia o vento marítimo de qualquer mesa se descortinava uma paisagem de ondas alvas batendo nas areias da praia e navios riscando luzes nas trevas não muito longe.

O movimento gastronômico mal começara, mas era só despontar um farol de automóvel num rumo dali para a gerente, uma senhora até que nem tão feiosa, espargir seu mau humor e impaciente reclamar da chegança de mais clientes. Droga, não aguento mais clientes. Ruminava.

Reclamar para quem? E para que reclamar se nada iria acontecer e, afinal, ela era gerente?

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA


 

 

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