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A crise do Judiciário e a PEC do ministro Peluso

Ao examinar a proposta do ministro Peluso, o advogado afirma que a PEC é a negação da Justiça aos cidadãos, via supressão na prática do acesso das partes às Cortes Superiores.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Atualizado às 09:22

Ordélio Azevedo Sette

A crise do Judiciário e a PEC do ministro Peluso

Não tenho intenção de dar a receita para sanar os problemas da Justiça Brasileira e, muito menos, de tentar esconder graves falhas do nosso sistema Judiciário, mas não posso assistir calado, como advogado que sou, a esse massacre a que agora se submete o Poder Judiciário.

Desde o início do Governo Fernando Henrique Cardoso e nos dois mandatos do presidente Lula, fala-se em promover uma Reforma do Judiciário, mas nada se fez de concreto, ficando o '3º Poder' de fato abandonado e submerso em seus problemas, a maioria dos quais a Justiça isoladamente, como instituição, não tem condições de resolver ou encaminhar suas soluções, porque depende de decisões políticas do Poder Executivo ou do Legislativo.

A Constituição Federal, sabiamente, separou os três poderes e deu-lhes vida administrativa independente, mas disse também que eles seriam 'harmônicos entre si'.

O que falta para atacar a crise do Judiciário, é que os demais poderes: Executivo e Legislativo, sejam de fato 'harmônicos' e não antagônicos como atualmente o são.

A Justiça Brasileira está sendo alvo de um ataque impiedoso, por parte dos demais poderes. Já não se pensa duas vezes no Executivo para atacar-se decisões proferidas contra seu interesse, o que se tem feito visando a instituição em geral, que passou a ser o alvo preferido dos políticos e burocratas de plantão. Não há mais respeito pela Justiça e nem pela função social que desempenha o juiz.

Passa-se a imagem de que a Justiça estaria falida e que nepotismo, alguns atos de corrupção e falhas existentes seriam generalizados, a ponto de contaminar todo o aparelho judicial. Isso não é absolutamente verdade.

O Poder Judiciário, como um todo, é íntegro e, sem dúvida, um dos pilares de sustentação da democracia brasileira. A carreira da magistratura é difícil e o exercício da função de juiz exige uma grande quota de sacrifício pessoal e familiar, sem se falar no risco assumido por todos aqueles que tem o poder de decidir muitas vezes sobre o destino das pessoas e de suas vidas. O Poder Judiciário tem falhas, sim, e há necessidade de sua reforma urgente, mas temos que preservar a instituição e não acabar com ela, como parecem querer alguns.

Nesse momento, ataca-se a imagem do Poder Judiciário e atinge-se sua credibilidade, sem as quais ela não sobreviverá com dignidade e independência para cumprir suas funções institucionais. Nenhuma democracia funciona ou sobrevive sem o funcionamento da Justiça e todos nós devemos lutar para que seja preservado o Poder Judiciário.

No Poder Executivo, o fato econômico é tido como prioritário e tem preponderado sobre qualquer outro e em nome das finanças nacionais comete-se os maiores desatinos, contra lei. O Poder Judiciário, quando acionado, surge como entrave ou dificuldade para que atos ilegais sejam implantados ou impingidos à população e, por isso, por contrariar tantos interesses, tem sido alvo de pesadas críticas.

Nenhum dos atuais algozes da Justiça brasileira está de fato interessado em reformá-la ou aperfeiçoá-la, muito pelo contrário, interessam-se por subjugá-la.

Aos políticos e administradores públicos interessados em ver a Justiça funcionando melhor, dou-lhes a minha solução: em primeiro lugar façam com que cumpram a Constituição Federal e a lei.

Sim, porque é do conhecimento público que mais de 70% das ações em andamento hoje são da União, Estados, Municípios, autarquias e órgãos da administração direta ou indireta e a eles não interessa ver a Justiça funcionando. Suprimir os recursos é uma fórmula simplista que o ministro Peluso acaba de 'descobrir', que certamente agrada e muito aos administradores públicos e réus contumazes.

Os cidadãos cada dia mais entram em juízo contra o Poder Público e tem sempre dois obstáculos: a morosidade da Justiça e, se ganham, o não pagamento ou não cumprimento dos Precatórios, o que no fim é a própria negação da Justiça. Ninguém mais executa decisão contra o Poder Público, que descobriu que não pagar os precatórios é o caminho. Ganha-se, mas não se leva (como no ditado popular).

A morosidade da Justiça existe por culpa, em primeiro lugar, de sua própria estrutura quase medieval, para não se dizer originária das Ordenações Filipinas. Há séculos o Poder Judiciário vem funcionando desorganizadamente, com juízes autárquicos, atuando individualmente e sem espírito coletivo ou trabalho integrado. A chamada autonomia funcional do juiz é em sua essência um entrave organizacional. Não se pode conceber nos dias de hoje, com toda tecnologia e informática de que dispomos, que não sejam usados todos esses meios para agilizar os trabalhos, simplificar o trâmite dos processos, ganhar em produtividade.

Aliás, produtividade e qualidade são dois requisitos fundamentais que precisam ser introduzidos no vocabulário dos juízes brasileiros, que não atuam com esse pensamento e, como já disse, não se sentem sequer 'servidores públicos' no sentido lato.

O que fazer para melhorar a Justiça?

Uma Reforma do Judiciário exigirá muita criatividade e trabalho. Coisas simples como a ampliação do processo sumário, chamado de Juizado de Pequenas Causas, redirecionar a Justiça criando a mentalidade de prestação de serviço e de atendimento rápido, fazendo-a funcionar em expediente integral, com processos menos formais e mais orais, enfim tentar dinamizar o sistema. Será imprescindível reformar os Códigos de Processo Civil e Penal principalmente, diminuindo ou restringindo as formalidades processuais vigentes, mas de forma alguma suprimindo recursos como pretende a chamada PEC do ministro Peluso, que é na essência a negação da justiça aos cidadãos, via supressão na prática do acesso das partes às Cortes Superiores e uma esdrúxula fórmula de trânsito em julgado prematuro, absolutamente inconstitucional a meu ver.

Concentrar a prestação jurisdicional numa Justiça única e dinâmica, também pode ser uma saída. Será preciso diminuir o número ou talvez extinguir as Justiças Especializadas, alguns Tribunais e instâncias superiores, reestruturando a máquina judiciária, tornando-a ágil e presente.

Ao invés de se aprovar a PEC do ministro Peluso, dever-se-ia cuidar de se concentrar tal esforço e gastos numa análise aprofundada da crise da Justiça e de suas causas para, em seguida, elaborar-se um planejamento e implantar-se a real reforma da Justiça brasileira, pela qual todos nós que atuamos em juízo lutamos e desejamos.

Todos sabem que o Poder Judiciário isoladamente não pode fazer tudo isso, mas também é preciso conclamar os membros da Justiça Brasileira para que sejam proativos e não se quedem inertes, aguardando o desenrolar dos fatos. Os juízes, o Ministério Público, os advogados, os serventuários da Justiça e todos os que militam com o direito, deveriam se organizar, realizar seminários, encaminhar a discussão da reforma e formular suas sugestões. Não dá mais para ficarmos calados e tímidos, deixando que os anárquicos do momento decidam o destino da Justiça.

Queremos uma Justiça ideal, independente e altaneira, à qual se submetam os poderosos e que atenda aos reclamos de seus jurisdicionados e lhes decida, com agilidade e segurança, os conflitos, aplicando a lei, doa a quem doer.

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*Ordélio Azevedo Sette é advogado do escritório Azevedo Sette Advogados

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