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Inteligência dos bancos e a greve dos que sobraram

Analisando criticamente as transformações sofridas pelo setor bancário nacional, o advogado pondera sobre a atual greve, defendendo que "atrás da chamada popularização dos serviços bancários, está uma tremenda elevação de lucros a partir de uma grande economia de custos."

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Atualizado em 29 de setembro de 2011 15:21


Mauro Tavares Cerdeira

Inteligência dos bancos e a greve dos que sobraram

A grande alteração promovida no setor bancário brasileiro nos últimos anos ajuda a entender o porquê da greve dos bancários, nos dias de hoje, não ter mais grande repercussão social, não servir propriamente como um mecanismo de pressão contra a categoria econômica, e o porquê de infelizmente, uma classe de trabalhadores comprometidos e que participam efetivamente do grande processo de diversificação e de elevação de lucratividade destas empresas financeiras, estarem cada vez mais distantes do rendimento obtido, maior a cada dia.

O texto será curto e não nos empenharemos em analisar o contexto histórico da criação do nosso mercado financeiro, nem tão pouco as agruras capitalistas da lastimável divisão de renda que ainda impera nestes rincões, sendo que o que importa aqui é a situação atual, patentemente não gerada apenas por um movimento de evolução tecnológica combinada com a readequação de pesos e importâncias entre os setores da economia, mas que além disso tudo e talvez preponderantemente, houve no caso do setor bancário uma atuação voluntária e altamente especializada, de uso de inteligência e técnicas de racionalização que, sem causar impactos abruptos, levaram sua estrutura a se tornar cada vez mais lucrativa a medida que a mão de obra tornou-se cada vez mais dispensável e/ou fracionada/dividida.

Bem assim que, no quesito terceirização de mão de obra, por exemplo, em alguns anos, aquela forma que se iniciou com movimentos de contratação de empresas para fornecimento de alguns operários para compensação bancária, cadastro de dados e documentos, call center etc, transformou-se em algo que não representa mais, em nenhum aspecto, uma terceirização apenas de mão de obra.

Hoje temos que a maioria dos serviços dos bancos, como um todo, é terceirizada. São feitos nas lotéricas, nos correios, nos caixas eletrônicos que estão nos supermercados e farmácias ou postos de gasolina. Os funcionários que atendem os serviços bancários nos correios e nas lotéricas e em correspondentes diversos não são mais bancários, não ganham sequer o piso dos bancários, não tem a garantia da mesma jornada etc. Os bancos assim não têm mais funcionários terceirizados. Não tem porque não fazem mais os seus próprios serviços, que são feitos agora por outras empresas, que são mal remuneradas e remuneram mal seus empregados. Estes empregados têm menos força que os bancários, que também agora são em muito menor numero e assim mais fracos no conjunto.

E outros serviços bancários são feitos por agências seguradoras, casas de câmbio, agências de viagem, financiadoras, agências de crediário, lojas de varejo, tudo a preço muito mais em conta. E tudo por salários muito mais módicos. Atrás da chamada popularização dos serviços bancários, está uma tremenda elevação de lucros a partir de uma grande economia de custos.

E vejam como dinheiro gera dinheiro. Nos bancos deve haver segurança. Nos correios não precisa. Nas lotéricas não precisa também. Quem vai ser baleado mesmo são os donos ou funcionários destas pequenas agências. Então terceirizaram os assaltos também. Atualmente há muito mais assaltos de lotéricas que de bancos. Nos caixas eletrônicos e 24 horas não colocam segurança também, apesar de provavelmente ser devido. Inteligência, assim, gera inteligência também.

Esses dias fomos almoçar e aproveitei para tirar dinheiro em um ATM que estava pelo caminho, dentro de um mercado. Na tela ele mostrava umas notas rasgadas e cor de rosa enquanto o meu dinheiro saía, e um aviso grafado me dizia: "se o dinheiro estiver com tinta ou rasgado, devolva". Mas devolver para quem? Não tem nenhum funcionário. A máquina não abre para eu enfiar o dinheiro de novo. Inteligência, talvez, é saber que o seu cliente é impotente. E sua mão de obra também o é.

Bom, e tem outra terceirização, além desta manobra já relatada. A outra parte da terceirização é para o próprio cliente. Grande parte do serviço que o bancário fazia tempos atrás quem faz hoje em dia é o cliente. Ou seja, o banco terceirizou grande parte do serviço para o próprio cliente. Para mim e para você, e ainda cobra por isso. E além de terceirizar o serviço para o próprio cliente, o que é cada vez mais incentivado (logicamente pela economia que isso gera), parte do risco dos negócios também é transferido ao cliente, ou seja, se algo der errado em suas transações "via bank line" e seu dinheiro se desvirtuar por aí, não pense que o banco vai correr para assumir o prejuízo. Isso será muito pouco crível.

Então, sobrou muito pouco para que os últimos bancários que sobraram façam nos bancos. E o mais estranho é isso. Os serviços financeiros multiplicaram "n" vezes nos últimos anos. Os lucros nem se comente. E na outra ponta os bancários são em contingente cada vez menor. Apesar de que o que surgiu de postos de trabalho em lotéricas, correios e derivados não foi brincadeira. E tristemente, com condições de trabalho muito piores. São os "sub-bancários", uma nova espécie com tarefas equivalentes e remuneração ainda bem pior. E sem falar no meu "emprego bancário". Todo dia, como cliente, trabalho um pouquinho e ainda pago umas taxas. Olha, digo que inteligência assim pode chegar a dar até uma certa inveja.

E destes que são bancários hoje, e que poderiam ser em numero dez ou vinte vezes maior, a grande maioria é gerente. É impressionante como quase todo mundo que trabalha em banco hoje é gerente. Até o rapaz do elevador vai ver que é "gerente de elevadoria". A copeira é gerente de copa. E aí vai. Uma técnica elaborada para driblar a jornada de seis horas e as horas extras em geral.

Sem falar que este tanto de gerente deve atrapalhar as greves da categoria. Afinal de contas, pelo menos os de verdade, não são profissionais que costumam aderir a greves. Então, os que são gerentes só de nome devem ficar numa tremenda dúvida. Um problemão.

E por falar em greve, como está difícil fazer greve no Brasil. Apesar de existir o direito à parede, com lei própria e tudo, os tribunais, que no Brasil interferem nestas relações por conta do ainda sobrevivente direito normativo, estão cada vez mais contrários a tais movimentos.

Existe uma certa intolerância ao direito de greve atualmente. As manifestações não são aceitas e o direito é muitas vezes ignorado. Parece que a greve, atualmente, só é efetivamente possível no serviço público. Lá, pelo menos, ainda que as reivindicações não sejam atendidas, o pessoal tira uma folga e recebe normalmente os dias parados. Pelo menos até hoje as ameaças de corte de ponto já realizadas nunca foram cumpridas, não que saibamos. Ouvi alguns dizerem que folga remunerada também é bom, apesar de não trazer nenhuma dignidade e não resolver o problema dos que realmente se envolvem na questão coletiva.

E nunca vou esquecer do dia em que sentamos na mesa de negociação em 2008, no TRT aqui em SP, assessorando juridicamente uma grande categoria profissional em greve, com mediação da saudosa desembargadora Cátia Lungov, que antes de analisar um pedido de liminar para que parte da categoria voltasse ao trabalho, apesar da atividade não estar elencada na lei como essencial, deu a palavra a ilustre procuradora do Trabalho presente, que opinou no sentido de que a ordem fosse dada para que o mínimo de 90% da categoria voltasse imediatamente ao trabalho.

Aquele parecer exarado oralmente pela representante do MPT foi tão inusitado, que tanto nós quanto os representantes da categoria econômica acabamos sorrindo e dizendo que 90% de frequência não ocorria sequer nos dias normais de trabalho. Logicamente que o desfecho foi digno da capacidade e da competência da mediadora já citada.

Bom, de toda a inteligência do setor econômico dos bancos já falamos, e de resto nem precisávamos falar, que em um sistema capitalista esperto é quem ganha muito. A pena é que, infelizmente, por um e por todos os motivos, parece a greve não conseguir ser mais meio tão eficaz para se conseguir pressionar o setor econômico. Não neste cenário que temos.

Talvez se viessem os outros bancários que não são considerados bancários - aqueles "sub-bancários." Talvez se viessem os clientes que são um pouco bancários. Talvez se o direito de greve realmente existisse. Talvez se as partes pudessem se entender sem interferências, como ocorre em diversos países, especialmente os mais desenvolvidos. Talvez...

Bom, aproveitando que estou escrevendo isso aqui e mudando totalmente de assunto, gostaria muito de elogiar as atitudes da ministra Eliana Calmon. Mas sei que ela não precisa que eu fique aqui contando todas as suas virtudes, que já são conhecidas, assim como são de longe conhecidas sua ampla capacidade e competência, e o compromisso com os jurisdicionados. Tenho uma filha de seis anos que adora andar por aí de fantasias, de princesas diversas e mulher maravilha e que vive me pedindo para me fantasiar também. Sei que vestir a fantasia de alguém, para minha menina, é uma forma de homenagem, pois na realidade ela está ali tentando parecer ou mesmo se transformar naquele personagem. Então, aproveitando esta ótima oportunidade, pergunto aos que se aventuraram a ler este textinho até o final, se sabem onde posso encontrar uma fantasia da Eliana Calmon para comprar ou alugar. Essa fantasia eu admito que vestiria com orgulho, e sairia por aí junto da minha adorada filhota, em aventuras mil. Mas, se me permite a ministra, somente acrescentaria uma capa, no meu caso da cor azul.

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* Mauro Tavares Cerdeira é economista e advogado sócio do escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais, consultor na área coletiva e sindical e conferencista.










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