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Em razão do inadimplemento de precatório, Tribunal profere decisão favorável ao direito à indenização por danos morais e materiais de Servidores Públicos do Estado de São Paulo

Ana Flávia Sandoval Biagi

Em uma democracia hígida, a supremacia do interesse público sobre o particular não poderia sobrepor-se aos princípios e garantias que a Constituição consagrou expressamente.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Atualizado às 07:44

Ana Flávia Sandoval Biagi

Em razão do inadimplemento de precatório, Tribunal profere decisão favorável ao direito à indenização por danos morais e materiais de Servidores Públicos do Estado de São Paulo

Foi dado provimento a recurso de apelação interposto por pensionistas de Servidores do IPESP - Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, em face de sentença que havia negado aos postulantes o direito à indenização por danos morais e materiais decorrentes do atraso no recebimento dos créditos oriundos de precatório, cuja ordem cronológica determinava sua quitação no ano de 2003.

Apesar de a pretensão inicial ter sido julgada improcedente, com julgamento do mérito, em 22 de junho de 2011, o entendimento dos desembargadores do TJ/SP, no acórdão da Apelação Cível 994.09.008515-9, proferido em 13 de abril de 2010, na 3ª câmara de Direito Público, foi de que, embora haja previsão legal nas hipóteses de inadimplemento dos precatórios, e que o valor objeto do precatório, ainda que não tenha sido pago, sofre os efeitos da correção monetária e juros moratórios, não é o que objetivam os apelantes. O que se pretende, no caso, é o recebimento do plus, que a lei não proporciona, que só receberiam pela via da ação. São estas as palavras do desembargador relator, Gama Pellegrini:

"Em tese, há possibilidade do pedido, pois é inegável que as partes experimentaram dano, ou pelo menos, deixaram de usufruir aquilo que lhes é de direito, pela inadimplência da Apelada, fato esse, público e notório. Assim, é juridicamente possível o pedido de danos materiais como formulado na inicial e que deverá também ser objeto do julgamento de 1º grau. Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso".

Houve reconhecimento de abuso de poder pelo IPESP em razão da omissão no dever jurídico de pagar. A origem do precatório em questão já havia sido a omissão da autarquia em pagar verbas devidas aos autores pela reversão da quota-parte referentes aos co-beneficiários da mesma pensão, quando do casamento ou falecimento. O IPESP havia sido condenado em 2000, e o precatório, de natureza alimentar, deveria ter sido quitado em 2003.

A verba retida quando do não pagamento das devidas pensões, e pelo inadimplemento do precatório, posteriormente, de longa data não pertence à Autarquia, configurando aquilo que a doutrina chama de Abuso de Poder, contrariando de forma explícita, tanto o ordenamento Constitucional, como infraconstitucional.

Os danos materiais pleiteados pelos Autores correspondem aos rendimentos do Certificado de Depósito Interbancário ou outro índice que fielmente espelhe os resultados de aplicações financeiras. Quanto aos danos morais, correspondem ao fato de que a omissão ilícita no pagamento equivale a negar aos Autores, que na maioria já contam com idade avançada, a possibilidade de usufruir de tratamentos especiais, confortos, auxílio aos entes queridos, viagens e alívios diversos, que somente o pagamento imediato do precatório poderia lhes proporcionar.

Desta forma, constatou-se infringência ao direito à justa e prévia indenização em dinheiro, ao direito à indenização ulterior no caso de iminente perigo público, ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação, dentre outros princípios constitucionais, como as garantias asseguradas aos contribuintes.

É certo, que a Carta Magna protege a cobrança de créditos contra a Administração Pública. Entretanto, em uma democracia hígida, a supremacia do interesse público sobre o particular não poderia sobrepor-se aos princípios e garantias que a Constituição consagrou expressamente. Há de se convir que não há de fato, nem por hipótese, uma carência tal de recursos que justifique a supressão das garantias fundamentais.

A Lei Complementar 1.010/07 (clique aqui), em seu artigo 28, parágrafo 3º e 32, autoriza a Fazenda Pública a utilizar amplos recursos para honrar os precatórios, inclusive, além da dotação orçamentária, aportes extraordinários do Estado. Além disso, configura a conduta dos réus que não cumprem suas execuções em dia, ato atentatório à dignidade da Justiça, nos termos do artigo 600, incisos I e III, do Código de Processo Civil (clique aqui).

A obrigação de incluir os débitos de precatórios no orçamento do exercício seguinte é imposta pelo parágrafo 1º, do artigo 100, da Constituição Federal (clique aqui). Trata-se de ato vinculado, adstrito à lei em todos os seus elementos e não sujeito a qualquer espécie de discricionariedade. Um particular, numa situação equivalente, teria fraudado a execução por ter onerado seus ativos financeiros em operações outras que não o pagamento de suas dívidas. Neste caso, o particular, por resistência injustificada à ordem judicial de pagar, seria condenado a pagar multa de até 20% sobre o valor da condenação.

O que se espera da Administração Pública é que, em nomeado Estado Democrático de Direito, sob o qual é constituída a República Federativa do Brasil, submeta-se aos princípios da legalidade, do moralismo e da eficiência, veiculados pelo artigo 37, da Constituição Federal. Em não o fazendo, deve sujeitar-se o Poder Público a indenizar os prejudicados, nos termos do parágrafo 6º, do referido dispositivo. A integração do País a uma ordem econômica mundial é necessária e inevitável a sua sobrevivência. Que isso não aconteça em detrimento do lançamento dos excluídos na miséria.

O princípio da dignidade da pessoa humana, a garantia fundamental do direito à vida, e o direito essencial à saúde, são prioritários na interpretação e aplicação da lei. Este é o caminho para preservar as bases sob as quais se consolida o Brasil, e consequentemente proteger os cidadãos que neste país habitam. É importante ressaltar que houve interposição de Recurso em face da decisão de improcedência do pedido, em agosto de 2011. Agora resta aguardar a próxima decisão.

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*Ana Flávia Sandoval Biagi é sócia do escritório Advocacia Sandoval Filho

 

 

 

 

 

 

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