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Proteção e Direito: o bem e o mal

A partir do significado de proteção e troca, o autor relaciona os efeitos negativos da ação de proteger como o atentado contra a liberdade nas relações de troca.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Atualizado em 4 de outubro de 2011 12:51

Luiz Walter Coelho Filho

Proteção e Direito: o bem e o mal

Proteger é um ícone existencial, ideológico e comportamental da atual Sociedade Brasileira. No futuro, com alguma probabilidade, esta atitude integrará a identidade do atual período histórico. As pessoas tendem a perceber a proteção como bem em si. Elas refletem pouco sobre o mal inerente a esse aparente bem. A predisposição dos indivíduos para esta conduta é existencial, porque serve para atribuir sentido à vida de cada um; é condicionada, porque gera adesão sem adequada reflexão; e é ideológica, porque parte da ideia simplista de proteção como bem supremo. O Estado é o mar natural para onde escorre este vasto rio de tendência da conduta individual e coletiva dos brasileiros. No Brasil, Adão e Eva ainda estão sozinhos no Paraíso. Lúcifer não caiu, não se revelou, escondido e sutil, ele tece o mal, onde muitos acreditam existir apenas o bem.

O que significa proteger?

Simples: intervir, a partir de juízo próprio, em relação estabelecida entre duas outras pessoas com a finalidade de alterar o equilíbrio ou desequilíbrio de poder entre elas, favorecendo uma das partes. Poder é a capacidade de A obter de B determinado comportamento. O que antes era relação direta e biunívoca entre dois; torna-se relação triangular. Protetor é o terceiro que acredita ser o agente do bem, mas que é interventor. Toda proteção é sempre intervenção de alguém na relação de poder entre dois terceiros. Isto significa intervir na vida das pessoas (inclusive empresas).

O dia a dia das pessoas é relação de troca: comprar, contratar, vender, trabalhar, construir. A vida cotidiana é relação de troca, modalidade mais importante da cooperação. Troca significa oferta mútua por interesse. O que está fora da troca é o altruísmo, a oferta unilateral. Relação de troca é base da vida social e tem por pressuposto relação de poder entre partes: a noção de valor, necessidade e dependência que cada parte tem em relação à contrapartida. Em regra, ambos dependem e querem, mas cada realidade define o ponto de equilíbrio ou aparente desequilíbrio. Em tese, havendo respeito à vontade de cada um e quanto mais esta vontade demonstre suporte em certa autonomia e força, maior o equilíbrio. Este fenômeno é dinâmico e real. Ele não é estático, dogmático e ideológico.

O que a proteção destrói? Quais os efeitos negativos da ação de proteger?

Os efeitos podem ser examinados em quatro diferentes perspectivas: uma geral e três específicas. Estes efeitos estão organizados na tabela seguinte e merecem comentários.

EFEITOS POTENCIAIS

PARA O MAL

Geral

· Atenta contra a liberdade e autonomia nas relações de troca;

· Estimula o conflito. A intervenção corrompe a paz do pacto de troca, criando conflito onde antes existia relação.

Protegido

· Estimula a conduta oportunista do protegido;

· Reduz a capacidade do protegido de compreender e responder pelos seus atos;

· Estimula a dependência em relação ao protetor.

Protetor

· Transforma o interventor em intérprete da realidade, onde ele cria verdades a partir das suas circunstâncias e limitações.

· Justifica a autoridade e o poder, o que significa gerar dependência: o protetor depende do protegido.

Não-protegido

· Reduz a confiança no valor do pacto;

· Modifica o livre curso da sua iniciativa e das relações de troca visando reduzir cooperação e dependência com o protegido;

· Estimula a criação de formalidades de segurança visando ajustar a relação a padrões compatíveis com a orientação do protetor;

· Cria riscos adicionais em relações que aparentemente estejam adequadas a padrões de vontade das partes.

No plano sistêmico, proteção conflita com a liberdade e a autonomia inerente ao homem. Quem é livre e autônomo precisa de proteção para manter a sua liberdade e autonomia. A liberdade favorece a iniciativa para a ação. Proteger é tornar o homem livre dependente de outro: este outro é o agente público. A Sociedade Brasileira não é mais o mundo da escravidão ou da crua exploração. Ela mudou e está mudando. E cada vez mais, ela precisará ser ambiente da liberdade, o que decorre das oportunidades crescentes para que as pessoas sejam o que aspiram ser. É inevitável o paralelo com os filhos. O que é o filho protegido? O filho que não teve a oportunidade de crescer aliando liberdade e responsabilidade. Neste caso, a mãe ou o pai querem o vínculo para si. Proteger é significado existencial para eles. Justifica a vida. Os filhos livres são aqueles que assumem seus atos e respondem pelo seu futuro. Esta é identidade de filhos bem criados. O mal será a imaturidade decorrente da proteção. Filhos imaturos, cidadãos imaturos.

A proteção cria conflito onde antes existia relação. Ela corrompe a paz do pacto de troca. Não é por outra razão que as ações relacionadas com Direito do Trabalho, Consumidor e Previdenciário são tão abundantes. Estes ramos do Direito são essencialmente protecionistas ou intervencionistas. Proteção favorece conflito e gera atividade para os advogados. O conflito existe ou é uma oportunidade de ganho? Considerando que as questões econômicas predominam, a tendência é a dominância da expectativa de ganho e como tal incentivo ao conflito.

Quais os efeitos negativos na perspectiva do protegido?

Ele tem interesse, ele tem vontade, ele contrata, mas o que produz a intervenção? Três conseqüências graves: a) favorece a conduta oportunista do protegido; b) reduz a capacidade do protegido de compreender e responder pelos seus atos; c) estimula a dependência em relação ao protetor. Em verdade, vitimiza e infantiliza o protegido e favorece a própria torpeza. Nesta perspectiva, a Sociedade nunca será de pessoas altivas e capazes de tomar decisões, valorizadas e reconhecidas a partir dessas qualidades, mas de segmentos fortes e fracos, onde uma parte sempre dependerá de alguém que lhe proteja. Firma-se aqui uma sociedade de dependentes, destituídos de capacidade de discernimento sobre seus atos, destituídos de força e confiança própria, destituídos de senso ético sobre a torpeza de contratar aqui e ganhar mais um pouco novamente ali.

Quais os efeitos negativos na perspectiva do protetor?

O protetor (o que inclui o agente de Estado) intervém na relação entre partes e interpreta determinada realidade. Esta interpretação tem um lastro cultural e jurídico. A ação de proteger exige desfazer algo que foi previamente definido entre duas partes. Como tal, trata-se de ponderação complexa de intervenção na realidade.

A intervenção impõe a visão do interprete. Esta visão não é neutra. É a visão existencial, condicionada, literal, ideológica, simples ou complexa do interventor. Ele não pondera a partir de vantagens ou desvantagens para intervir. Ele simplesmente diz a verdade para o caso que será sempre a sua visão acerca do que ele consegue enxergar no enorme emaranhado das relações entre pessoas.

O interventor passa a depender da relação de proteger e como tal se enlaça com o protegido. Dessa forma, a autoridade e o poder se sustentam e servem como justificativa existencial, psicológica, econômica e ideológica para o que parece ser o dever.

O que a proteção gera de efeitos para o não-protegido?

Em primeiro plano, a proteção gera perda de confiança na relação bilateral. Confiança é a base da cooperação humana e o pacto a forma dessa cooperação. A perda de confiança é a contrapartida negativa da conduta oportunista. Uma visão radical: como é o convívio entre o desconfiado e o oportunista?

O não-protegido tenderá para a adoção de três comportamentos estratégicos ou circunstanciais. Em primeiro, ele vai reagir e alterar o livre curso da sua iniciativa e das relações de troca visando reduzir cooperação e dependência com o protegido. Adicionalmente, investirá nas formalidades de segurança visando ajustar a relação a padrões compatíveis com a orientação do protetor. Por fim, assumirá algum risco nas relações pessoais que acredite adequadas aos padrões de confiança e certa conformidade com as práticas do mercado. Em certo e variável grau, o não-protegido tenderá a ser refém do protegido.

Qual é o resultado da ação de proteger?

Em muitas ocasiões, o algoz não-protegido será a vítima; o interventor, o algoz; e o protegido, oportunista, inimputável e dependente. A Sociedade será ingenuamente divina: o paraíso. Ela continuará acreditando que Deus é a manifestação do bem e a proteção, o supremo bem na missão do homem. Esta bela crença será a afirmação da racionalidade que acredita na realidade do que parece ser e nunca na realidade do carma: ação, efeito e reação. Enfim, o demiurgo protetor modelará o homem tal qual Adão e Eva no paraíso: simples, ingênuos, protegidos, ignorantes, ávidos pela satisfação máxima de seus interesses, caprichos e pecados. Qual será o futuro desses filhos da criação? Qual será o futuro dessa Sociedade?

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*Luiz Walter Coelho Filho é advogado do escritório Menezes, Magalhães, Coelho e Zarif Advogados S/C

 

 

 

 

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