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A biblioteca da Faculdade de Direito, do Largo S. Francisco

Antigamente, dizia-se que o conhecimento se adquire agindo como a abelha: há de se voar de flor e flor, selecionando o material necessário para constituir uma substância nova e homogênea.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Atualizado em 8 de novembro de 2011 12:31

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo

A biblioteca da Faculdade de Direito, do Largo S. Francisco

"... a Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar" (Jorge L. Borges)

Na Antiguidade e na Idade Média, dizia-se que o conhecimento se adquire, ao se agir como a abelha (Apes...debemus imitari). Voando, ela escolhe em cada flor os elementos necessários que deposita nos favos e depois digere para, ao final, os transformar em substância nova e homogênea (Tosi, Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas. Trad. I. C. Benedetti. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 152).

As bibliotecas se apresentam para os alunos como o campo florido para as abelhas. Lá encontram o material que cada um, de modo individual, há de selecionar para formar o conhecimento.

A beleza estética peculiar e as feições dos que frequentam as salas de leitura tornam as bibliotecas atraentes por si mesmas a par da curiosidade que trazem os livros. Ao se conhecer uma biblioteca tem-se contato com a memória de quem a formou, ou mesmo com a história da escola, da faculdade, da cidade, do país a que pertence. Essa aproximação do visitante com os livros o leva a imaginar quem os manuseou, bem como a idealizar personagens, textos e leitores.

Esse fenômeno de admiração se repete, de maneira intensa, ao se adentrar na biblioteca da Faculdade de Direito do Largo S. Francisco. A elegância das instalações e a qualidade do acervo, incluindo as bibliotecas dos departamentos, encantam o observador. Das enciclopédias e dicionários da sala de leitura às encadernações em couro antigo, ou pergaminho, sobram raridades a instigar a vontade de ler, examinar o índice, consultar as páginas, conferir as notas de rodapé, pesquisar os autores, tomar notas, verificar a idade da obra a contar do amarelado frontispício.

Para muitos, essa sensação transmitida pela biblioteca da Faculdade permite voltar no tempo, ao virem à memória as figuras dos grandes professores da casa, que ali escolhiam textos e obras para ensinar a melhor doutrina aos futuros profissionais do Direito. A Faculdade de Direito foi centro gerador de cultura nos séculos passados, sem similitude no campo jurídico no Brasil, razão pela qual deu a nação tantos juristas, grandes advogados, ministros do Supremo Tribunal Federal, ministros de Estado e presidentes da República. Inexiste dúvida da relação de causa e consequência entre biblioteca, qualidade de ensino e o sucesso dos estudantes das Arcadas.

Ainda hoje, a timidez do nosso tempo não retira da biblioteca o poder de convidar os alunos a futuro brilhante. Mesmo sem a luz dos velhos guias, o estudante lá pode encontrar uma ficha, no aparente obsoleto fichário, apta a lhe dar uma ideia original, ou o caminho para um problema concreto.

Em verdade, o computador não conseguiu vencer, em definitivo, os segredos que a biblioteca contém, os quais se espalham em livros, fichas e anotações como pistas ao arqueólogo obstinado por desvendar épocas remotas.

Por óbvio, quem a conhece bem pode criticar o atraso em que se encontra o acervo, na medida em que os diretores da Faculdade não despenderam com a compra de livros aquilo que a biblioteca merecia. Essa constatação, em especial no tocante aos livros de doutrina estrangeira, se faz com simplicidade, mas dela não resulta um problema sem solução, tão somente aponta para a reiteração da mesma falha nos últimos anos.

De qualquer forma, esse atraso não compromete o valor desse patrimônio, o qual hoje se encontra como ponto de discórdia entre as últimas diretorias, bem assim entre a Faculdade de Direito e a Universidade de São Paulo.

O andamento dos debates entre as partes envolvidas não anima quem o acompanha, pois, além da indicação da pretensa culpa, pouco se ouve ou lê que represente o verdadeiro interesse a ser protegido. Fica ao final a percepção de que, descontado o tempo das controvérsias com puro subjetivismo, faltou preocupação com a biblioteca em si e vínculo de sentimento sincero com a instituição.

Afinal, onde se encontram as obras, a umidade, os fungos, as traças, as baratas, os ratos, os livreiros inescrupulosos darão conta de danificar tanto os livros como as coleções de revistas, o que pode comprometer o conjunto da biblioteca para sempre.

Tal caos deve tocar a consciência de cada um de nós, cuja passividade, ou omissão, compactua com o fim da biblioteca. Argumentar no futuro que as bibliotecas também morrem, não há de apaziguar nosso sentimento, nem vai nos trazer orgulho do mesmo destino de Alexandria.

Alguns querem carregar sobre os ombros a aura do passado da Faculdade de Direito, sem compreender o que isso representa. Na realidade, esse culto à tradição do Largo S. Francisco se constitui num dever agir dos antigos alunos, dos atuais estudantes da pós e da graduação, em especial, dos que lecionam naquela escola.

Portanto, chegada a hora de defender nossa biblioteca com mais coragem. Os discursos em voga não comovem, não elucidam a questão, nem indicam um projeto para conservar, incrementar e melhor aproveitar essa coleção extraordinária de livros jurídicos que pertence à comunidade jurídica.

Tal como as abelhas fazem enxames para preservar a colmeia, institutos, associações, centro acadêmico, professores, alunos, antigos alunos, funcionários da biblioteca precisam se unir, para lutar contra a inércia que põe em risco, muito mais do que os livros, mas o próprio destino da Faculdade de Direito do Largo S. Francisco.

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*Antonio Sergio A. de Moraes Pitombo é advogado do escritório Moraes Pitombo Advogados

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