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Embargos declaratórios - visão geral e pré-questionamento no âmbito do processo do trabalho

Júlio Bernardo do Carmo

O desembargador aborda as peculiaridades dos embargos declaratórios, especificamente o pré-questionamento no âmbito do processo trabalhista.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Atualizado às 07:47

Júlio Bernardo do Carmo

Embargos declaratórios - visão geral e pré-questionamento no âmbito do processo do trabalho

1. Conceito e finalidade

Os embargos declaratórios constituem o meio jurídico de que pode valer-se a parte interessada para exigir seja a correta inteligibilidade do julgado ou a sua complementação.

No que pertine à correta inteligibilidade do julgado, dispõe o artigo 535 do Código de Processo Civil que cabem embargos declaratórios quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição ou quando for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.

O que seria uma sentença ou um acórdão obscuro?

Consultando o dicionário da língua portuguesa temos que o termo obscuridade, do latim obscuritate, significa estado de escuro, falta de luz, escuridão, falta de clareza (no estilo), pouco claro, pouco brilhante, pouco inteligível, difícil de compreender.

Assim, se em determinada lide é debatida tese jurídica explícita, v.g., a respeito da estabilidade acidentária prevista no artigo 118 da lei 8.213/91, e a sentença ou o acórdão, quer concedendo ou negando a pretensão de direito material, não articula tese jurídica compreensível acerca do tema debatido, deve a parte interessada aviar os aclaratórios para afastar a obscuridade e forçar o órgão sentenciante a emitir tese jurídica escorreita que fundamente o resultado da demanda.

No mesmo exemplo acima citado, estabilidade acidentária, a sentença ou o acórdão revela-se igualmente contraditório quando em sua fundamentação reconhece ser dúbia a ocorrência do acidente de trabalho, aliado ao fato de que o trabalhador só chegou a perceber o auxílio-doença comum, mas ainda assim reconhece a estabilidade provisória acidentária e emite ordem de reintegração do trabalhador no emprego.

Necessária, pois, a interposição dos embargos declaratórios com o fito de escoimar do julgado a contradição apontada, suplicando-se tese jurídica escorreita e inteligível, a par de bem fundamentada, a respeito do acolhimento ou rejeição do pedido, para que a parte interessada tenha melhores meios jurídicos de, oportunamente, aviar o recurso pertinente para a instância adequada.

Já na omissão do julgado, o objetivo maior dos embargos declaratórios seria alcançar a inteireza da prestação da tutela jurisdicional.

Assim, se ao proferir a sentença ou o acórdão, o órgão julgador deixa de apreciar determinado pedido, e.g., horas extras ou prêmios e gratificações, os embargos declaratórios devem ser manejados para que o juiz aprecie toda a matéria posta na lide, sob pena de incorrer em julgando aquém do pedido (infra-petita) a par de denegar em sua inteireza a aplicação do direito material à espécie.

A omissão torna possível imprimir aos embargos declaratórios efeito modificativo do julgado, sendo possível através deles, em determinados casos onde a reclamação trabalhista fora julgada parcialmente procedente, alcançar, inclusive, a cabal improcedência da ação trabalhista proposta, com inversão dos ônus sucumbenciais.

O efeito infringente do julgado torna possível, de igual modo, ser acolhida alguma preliminar ou prejudicial expressamente invocada na defesa que seja obstativa do exame do mérito da demanda, quando, por omissão, a sentença ou o acórdão deixa de apreciá-la.

Interpostos os embargos declaratórios e confirmada a omissão, o acolhimento da preliminar ou da prejudicial poderá redundar em extinção do feito, sem resolução do mérito, ou seja, sem que se analise a pretensão de direito material posta na demanda e que havia sido acolhida por descuido pelo órgão julgador.

Expliquemos, com exemplos concretos as possibilidades supra aventadas.

No primeiro exemplo mencionado acima pode ocorrer que a sentença tenha acatado um único pedido do autor, relativamente, e.g., à condenação em vale-transporte.

Todavia, tendo julgado a pretensão formulada pelo reclamante com lastro na distribuição do ônus da prova (artigo 818, da CLT e artigo 333, incisos I e II, do CPC), o juiz pode ter adotado a tese jurídica de que é da reclamada o encargo probatório relativo aos requisitos legais que a desonerariam do pagamento do vale-transporte e que deste encargo probatório não teria se desincumbido nos autos.

A sentença mostra-se, todavia, omissa relativamente à tese jurídica exposta na defesa, no sentido de que, pela jurisprudência estratificada na Orientação Jurisprudencial 215 da SBDI-I, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, o ônus da prova relativo aos requisitos legais indispensáveis à percepção do vale-transporte compete ao empregado.

No exemplo citado, acatada nos aclaratórios a tese jurídica suscitada pela reclamada (OJ 215-SBDI-I do TST), em face da omissão mencionada, será expungido do julgado igualmente o vale-transporte e consequentemente será julgada cabalmente improcedente a ação proposta, com inversão dos ônus sucumbenciais.

Com relação a preliminares ou prejudiciais que teriam sido relegados ao oblívio pela instância julgadora, teríamos o caso, e.g., da sentença ter julgado a ação trabalhista procedente, sendo que na fase dos embargos declaratórios a reclamada junta decisão de igual teor proferido em processo diverso, que teria corrido perante outra vara do Trabalho, razão pela qual, naquela oportunidade, arguia a prejudicial de coisa julgada.

Ora, versando matéria de ordem pública, a prejudicial de coisa julgada pode ser invocada, a qualquer tempo, na instância ordinária, ou até mesmo ser reconhecida de ofício pelo magistrado.

Nesta hipótese, patente a configuração da coisa julgada, o magistrado nos embargos declaratórios a acolherá e, imprimindo efeito infringente ao julgado, extinguirá o processo sem resolução de mérito, com inversão dos ônus sucumbenciais.

Questão interessante é saber se há contraste entre o artigo 535 do CPC e o artigo 897-A, da CLT.

Explica-se: pelo artigo 535 do CPC, como visto, cabem os embargos declaratórios quando na decisão há obscuridade ou contradição ou quando o julgador incorre em omissão manifesta. Pela letra atual do artigo 897-A, da CLT, temos que "caberão embargos de declaração de sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subsequente a sua apresentação, registrada na certidão, admitindo efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso. Parágrafo único. Os erros materiais poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento de qualquer das partes".

Fazendo o cotejo entre os dois artigos marginados, determinado segmento da doutrina tem observado que, como a CLT tem norma explícita regendo as hipóteses de interposição dos embargos declaratórios, não se aplicaria à seara processual trabalhista, em subsidiariedade o artigo 535, do CPC, pelo que estaria definitivamente afastada a hipótese de se intentar os aclaratórios para expungir do julgado eventual obscuridade.

Nada mais falso.

A lei 9.957, de 12 de janeiro de 2.000, que inseriu o artigo 897-A na CLT não regulamentou de forma explícita todos os casos em que é possível o manejo dos embargos declaratórios, tendo antes se preocupado com o seu procedimento, razão pela qual continuaria sendo aplicável, por subsidiariedade, o artigo 535 do CPC, no que pertine à mácula de obscuridade que possa contaminar o julgado.

Prova maior disso é o fato de que o art. 897-A, da CLT, ao mencionar a omissão e a contradição o fez apenas para deixar claro que ocorrendo tais vícios no julgado, a decisão dos embargos declaratórios que vier a dirimi-los poderá revestir-se de natureza infringente, ou seja, poderá modificar substancialmente o que antes fora decidido, alterando-se completamente o rumo da demanda.

Mas isso não quer dizer que, ocorrendo o vício de obscuridade no julgado, não seriam cabíveis embargos declaratórios, dada a supletividade contida no artigo 769, da CLT.

O que se pode inteligir do referido dispositivo consolidado é que, havendo no julgado eventual obscuridade, a mesma desafia embargos declaratórios, mas esses últimos, neste caso, jamais poderão alcançar efeitos infringentes.

A inovação legal trazida com a redação da parte final do artigo 897-A da CLT tem pertinência com os chamados requisitos ou pressupostos de admissibilidade dos recursos, ou de forma mais simplificada, com os requisitos genéricos de sua admissibilidade.

A doutrina mais abalizada classifica os requisitos de admissibilidade dos recursos em intrínsecos e extrínsecos.

Assim, seriam requisitos intrínsecos de admissibilidade as chamadas condições recursais, como o seu cabimento (possibilidade recursal) e o interesse e a legitimidade para recorrer. Requisitos extrínsecos de admissibilidade seriam o preparo, a tempestividade e a regularidade formal.

Ovídio Baptista da Silva preleciona que os pressupostos genéricos de admissibilidade dos recursos podem ainda ser classificados em objetivos e subjetivos. Dentro dessa perspectiva, seriam pressupostos genéricos subjetivos os seguintes: a) capacidade processual do recorrente; b) legitimação, que teria como pressupostos a sucumbência e o interesse; c) a ausência de pressupostos subjetivos negativos, como, e.g., a desistência, a renúncia do recurso, ou a aceitação tácita da decisão recorrida.

Os pressupostos genéricos objetivos de admissibilidade dos recursos seriam: a) a existência de previsão legal: b) adequação; c) tempestividade; d) regularidade formal; e) preparo.

O artigo 897-A da CLT, sob comento, merece severas críticas ao possibilitar a interposição de embargos declaratórios somente na hipótese de inobservância dos requisitos genéricos extrínsecos, quer dizer, os requisitos objetivos dos recursos.

Trata-se na espécie de mero descuido do legislador, podendo seu cochilo homérico ser suprido pelos métodos clássicos de interpretação de normas jurídicas.

A interpretação aqui há de necessariamente ser a extensiva, pois se deve partir do pressuposto de que, por omissão, o legislador disse menos do que deveria dizer (dixit minus quan voluit), sabido que os embargos declaratórios são adequados igualmente quando estão em jogo os chamados pressupostos genéricos intrínsecos de admissibilidade, ou seja, os requisitos de ordem subjetiva.

Ou seja, desde que a sentença ou o acórdão não haja adotado tese jurídica explícita a respeito dos requisitos intrínsecos (ou subjetivos) de admissibilidade dos recursos, ou seja, a legitimidade, o interesse, a capacidade e a representação, seriam cabíveis os embargos declaratórios com efeitos infringentes para forcejar a admissibilidade do recurso interposto.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

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*Júlio Bernardo do Carmo é desembargador Federal do Trabalho, integrando a 4ª turma e a 2ª SDI do Egrégio TRT da 3ª região, com sede em Belo Horizonte/MG





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