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Reflexões sobre os cinquenta anos do surgimento do Consumidor e a aplicação da mensagem de Kennedy ao Brasil de hoje

Francisco Luís Hipólito Galli

Apesar de possuirmos um dos melhores - ou o melhor - Código de Defesa do Consumidor do mundo, a mensagem do presidente Kennedy ao Congresso dos Estados Unidos demonstra que nossa visão sobre os direitos do consumidor ainda é míope.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Atualizado em 14 de março de 2012 16:21

Francisco Luís Hipólito Galli

Reflexões sobre os cinquenta anos do surgimento do Consumidor: a aplicação da mensagem de Kennedy ao Brasil de hoje

O Direito estabelece uma ligação entre o nascimento e a aquisição da personalidade civil, razão pela qual se afirma que, no próximo dia 15 de março, completar-se-ão cinquenta anos do surgimento do consumidor.

Foi neste dia, do ano de 1962, que o então presidente norte-americano John F. Kennedy enviou ao Congresso dos Estados Unidos uma mensagem direcionada especialmente à proteção dos interesses do consumidor, figura até então ignorada pelos ordenamentos jurídicos, que voltavam seus olhos aos atos civis e de comércio, olvidando-se daquele que, na ponta dessa cadeia, era o responsável pela manutenção de todo o seu funcionamento.

Dizia o presidente norte-americano que os consumidores formavam o maior grupo econômico da economia, afetando e sendo afetados por praticamente todas as decisões econômicas nas esferas pública e privada.

Já naquela época, eles eram responsáveis por dois terços de todos os gastos da economia estadunidense. Ainda assim, era o único grupo economicamente importante não organizado e cujas opiniões quase nunca eram ouvidas.

A extraordinária relevância da mensagem de 1962 está em ser o primeiro ato significativo de um Estado em defesa do reconhecimento do consumidor como sujeito de direito, especialmente com relação à segurança, informação, escolha e atenção aos seus interesses na definição de políticas públicas, com o atendimento justo e rápido de suas demandas administrativas e judiciais.

A título de exemplo da insignificância dos consumidores naqueles idos, nos Estados Unidos, desde 1913, havia uma lei proibindo a comercialização de medicamentos sem eficácia comprovada destinados a porcos, ovelhas e gado. Um dos objetivos da mensagem enviada ao Congresso era que essa proibição fosse estendida aos medicamentos e cosméticos destinados aos seres humanos.

Pode-se afirmar com segurança que a mensagem de 1962 foi o embrião da previsão contida em nossa Constituição da República, de promoção da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII e 170, V) e, via de consequência, do próprio Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, apesar de possuirmos um dos melhores - ou o melhor - Código de Defesa do Consumidor do mundo, a mensagem do presidente Kennedy ao Congresso dos Estados Unidos demonstra que nossa visão sobre os direitos do consumidor ainda é míope.

É que, para Kennedy, a defesa do consumidor implicava em melhorar a estrutura do próprio Estado, motivo que o levou a aumentar em 25% o número de integrantes da Food and Drug Administration - FDA, algo semelhante à nossa Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA.

A atuação em prol dos interesses do consumidor levou o presidente norte-americano a requisitar estudos e providências também para diversos setores dentre os quais: (i) transporte, com a melhoria da segurança e eficiência no transporte aéreo, melhoria das rodovias, inclusive com a elaboração de estudos para a prevenção de acidentes, tratativas com as indústrias automotivas, para a elaboração de carros mais seguros e menos poluentes; (ii) habitação, com a redução dos custos das casas e a melhoria de sua qualidade, estimulando o desenvolvimento de novas tecnologias; (iii) financeira, buscando proteger as economias dos consumidores; (iv) energia, garantindo preços razoáveis ao gás natural e a energia elétrica.

Todas essas medidas foram sugeridas com base na premissa de que todo cidadão é consumidor, ou seja, todos nós participamos desse grupo econômico que, não raro, não é ouvido.

Nota-se que a política das relações de consumo norte-americana consiste em observar os direitos do consumidor em todas as áreas, através de instrumentos que realmente tenham força - veja o Consumer Financial Protection Bureau, criado em julho de 2010 -, enquanto no Brasil ela ainda está umbilicalmente ligada ao combate com o fornecedor, especialmente no Judiciário - no qual são discutidas muitas das multas aplicadas pelos PROCON's -, conforme se conclui da análise dos instrumentos elencados nos incisos do artigo 5º do CDC. No Executivo, na prática, as relações de consumo estão, em sua quase totalidade, restritas ao Ministério da Justiça. Ressente-se, por exemplo, de uma atuação mais robusta das Agências Reguladoras em defesa desses direitos.

Por mais absurdo que possa soar, em nosso País, ouvir as demandas dos consumidores ainda é economicamente desinteressante - mesmo sendo esse o maior grupo econômico -, ou, no mínimo, desnecessário. E isso é comprovado pelos balanços apresentados pelos fornecedores, com lucros maiores a cada ano, amplamente noticiados nos jornais, mesmo figurando no ranking daqueles que tem o maior número de reclamações fundamentadas, ou que menos atendem aos consumidores, conforme dados do Departamento de Proteção e Defesa Econômica, órgão do Ministério da Justiça.

Eis a importância do Estado, tal qual fez o norte-americano, ser o primeiro a defender e se submeter a esses direitos, servindo de exemplo para os fornecedores da iniciativa privada.

O cinquentenário do consumidor é o momento oportuno para refletirmos sobre a necessidade de o Estado observar os direitos do consumidor na elaboração de todas as suas políticas públicas, concretizar essas políticas e punir exemplarmente aqueles que as infringirem (inclusive com o enfrentamento da questão da quantificação das indenizações).

Aos consumidores, é chegada a hora de reconhecerem o seu significado para a economia nacional, organizarem-se e exigirem que sua voz seja ouvida e seus direitos respeitados.

Oxalá, daqui a cinquenta anos a mensagem do famoso presidente norte-americano não continue sendo vista como de vanguarda.

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* Francisco Luís Hipólito Galli é vice-coordenador da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB/PR - Subseção Londrina

 

 

 

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