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A privatização dos cartórios

A influência que repartições como os cartórios têm no dia a dia do cidadão e os benefícios da privatização.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Atualizado em 23 de março de 2012 14:37

Antonio Pessoa Cardoso

A privatização dos cartórios

Os Cartórios como as Capitanias Hereditárias foram constituem criação do Brasil imperial; estas desapareceram logo, mas os Cartórios desafiaram o tempo e continuam ditando a vida do brasileiro, mesmo é difícil acabar com a burocracia estatal. As leis e o costume cicatrizaram sua manutenção na vida do brasileiro.

O Decreto 9.420/1885 que consolidava "a legislação relativa aos empregos e officios de Justiça...", no governo do Imperador Pedro II, assegurava que a nenhum "officio de Justiça", seria conferido o título de propriedade, mas exigia o concurso para provimento vitalício dos cargos públicos; a República, quem diria, mudou a sistemática para possibilitar o acesso por meio de indicação política ou laços familiares. Somente em 1988, a Constituição, alicerçada em princípios de transparência e honestidade, restabeleceu a exigência de concurso público.

Em vários trabalhos de autoria do subscritor, manifestou-se sobre a extrema burocracia reinante na atividade centenária e cartorial, mas o brasileiro parece não desgrudar de filas, de papel, de burocracia. Hélio Beltrão, Ministro da Desburocratização no governo Figueiredo, no pouco tempo que esteve no ministério, que acabou por ser extinto, desmontou as estruturas arcaicas da máquina estatal, mas sua saída marcou o retorno da assertiva de que no serviço público, onde há facilidade deve-se impor dificuldade.

Na condição de Corregedor das Comarcas do Interior, resta contribuir para executar todas as ações indispensáveis à privatização dos Cartórios na Bahia, e, nesse sentido, no dia 8 de março último, foi iniciada a primeira etapa com a investidura dos delegatários na atividade cartorial. A Bahia foi a última unidade da federação a cumprir dispositivo constitucional de 1988, que determina a privatização dos serviços extrajudiciais.

No Brasil, contam-se em torno de 15 mil Cartórios e, na Bahia, são 1.549, apesar de 614 funcionarem sem seus titulares, situação que se espera seja resolvida muito brevemente, mesmo porque a Constituição não permite a vacância de qualquer serventia por mais de seis meses. O CNJ informa que em 2010 eram 14.964 Cartórios extrajudiciais, dos quais 5.561 preenchidos sem concurso público; para alguns delegatários, a remuneração é bastante alta, mas para outros os ganhos são parcos. A situação mostra-se tão confusa que ainda há Cartórios nos quais os cargos foram obtidos por herança e o CNJ descobriu 153 cartórios-fantasmas, ou seja, um cidadão assumiu o cargo e passou a praticar todos os atos cartorários.

Vejamos a influência que tem essas repartições no dia a dia do cidadão:

Para comprovar a existência, o cidadão deve possuir a certidão de nascimento e para assegurar a morte só a certidão de óbito; sem a guia de sepultamento o morto não é enterrado. A herança deixada pelo morto só se legaliza se passar pelos Cartórios. Para casar ou divorciar, comprar, vender, obter recursos financeiros nos bancos ou para provar a propriedade do imóvel, do móvel ou de semovente, necessária a intervenção de atos cartoriais.

Enfim, nossas leis conferem aos Cartórios relevante importância. Compete às Corregedorias da Justiça envidar esforços para, juntamente com os delegatários, proprietários das "empresas", promoverem alterações na rotina do trabalho, visando a prestação de bons serviços, evitando filas, combatendo fraudes, melhorando o tratamento à clientela, além de assegurar o uso dos avanços tecnológicos, a exemplo de um Portal do Extrajudicial para facilitar os contatos entre as Corregedorias e o sistema notarial e registral. Nesse espaço estarão disponíveis os comunicados, as normas de serviços, os editais, os provimentos, as portarias e outros atos.

O Ofício Eletrônico servirá para emitir certidões para o poder público por meio da Internet e certamente atenderá aos reclamos do cidadão.

O Cartório 24 horas será uma das grandes inovações nos Cartórios extrajudiciais. Imagine quanta agilidade, quanta alegria sentirá o cidadão que obtiver as certidões pelo sistema on-line? Em vários Estados já há esse avanço tecnológico, bastando para obtenção do documento, sem necessidade de deslocamento ao Cartório, o cidadão acessar ao site, fornecer os dados exigidos e pedidos e receberá em casa, por e-mail ou pelo correio, a certidão ou certidões solicitadas.

Os benefícios da Certificação Digital, autorizada por lei, são imensos: autenticidade, confidencialidade, validade jurídica do documento além de contribuir para maior presteza nos serviços. Urge a busca de Infraestrutura com as Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil.

O selo digital ou semelhante, que se constitui num código verificador e que estará associado a todas as ações internas e externas praticadas pelos Cartórios, dará maior segurança aos atos realizados pelos registradores e notários. Através dele as Corregedorias acompanharão a rotina dos Cartórios e saberão quais as partes envolvidas, além de ter condições para fiscalizar e evitar fraudes e falsificações.

O CNJ já buscou os serviços de técnicos da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional para fornecer orientações para reorganização cartorial, objetivando a produção e conservação de documentos físicos e eletrônicos.

Para a modernização dos Cartórios com a uniformidade de procedimentos acredita-se na liderança da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG) e na Associação Nacional dos Registradores de Pessoais Naturais (ARPEN-BR).

Há vantagens com a privatização, pois os titulares dos Cartórios estatais não respondiam por eventuais danos causados aos usuários, salvo evidentemente se comprovada culpa; bom ou mau serviço não influía na remuneração do titular. Isso não ocorre com os Cartórios privatizados, porquanto os delegatários passarão a dirigir uma "empresa" e, nessa condição, terão de responder por danos causados ao consumidor, além de buscar aperfeiçoamento dos serviços.

Evidente que não há só benefícios, pois, certamente, os custos serão maiores, provocando bons rendimentos para uns, sem ajudar a outros; esse desequilíbrio só pode ser atribuído ao Estado, que através de seus governantes, ao delegar a atividade notarial e registral, cria ônus excessivo para os cidadãos sem se importar com o bolso dos cidadãos menos aquinhoados.

Somente no século passado iniciou-se a reforma gerencial do Estado, redefinindo o sistema vigente de administração pública, no processo de desestatização e da necessidade de efetiva fiscalização dos serviços públicos delegados. Houve verdadeira revolução econômica, quando se constatou a incapacidade do Estado-empresário, iniciando então o ciclo de privatização, mas o fato nunca deixou de ser real. Entendeu-se que deveriam ser reservadas ao Poder Público o planejamento, as estratégias e o desenvolvimento infraestrutural, atividades macro; resolveu-se "terceirizar" para empresas privadas, ou mesmo mistas, certas atribuições originalmente de competência do Estado, mas que oferecem muitas dificuldades para sua execução, diante do crescimento da demanda e da própria burocratização.

Os serviços ferroviários, transportes, telecomunicações, saúde, aviação civil, energia elétrica, além de outros são de competência do Estado, mas transferidos para empresas privadas mediante concessão, permissão ou autorização, nascendo assim as agências reguladoras, destinadas a exercer o controle "dos contratos de concessão e a fiscalização dos serviços e das concessionárias, editando normas regulamentares, reprimindo condutas abusivas e até resolvendo conflitos entre os agentes, envolvidos na prestação de determinado serviço público".

A Constituição de 1988 determina que ao Estado caiba a exploração direta de atividade econômica, apenas quando necessária aos "imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo...".

O processo de desestatização, que se caracteriza por "desembaraçar o Estado de funções próprias do setor privado", deu-se início com a privatização de estatais, a exemplo da Light, em 1991, da Vale do Rio Doce, em 1997, concluído o ciclo com a venda da Eletrobrás, em 1998.

As agências reguladoras foram inspiradas em experiências internacionais, fundamentalmente na sistemática americana, como entes de natureza pública, independentes em relação ao Poder Executivo; as leis especiais conferiram-lhes os poderes de mediação, arbitragem e normativos, sempre visando preservar o interesse comum, que pode não coincidir com as pretensões dos governantes. Esses órgãos são entidades de Estado e não de governo.

As Corregedorias funcionarão semelhantemente a uma Agência Reguladora, a exemplo da ANEEL, que fiscaliza as empresas de energia elétrica, a ANATEL, a telecomunicação, a ANS, a saúde, ANAC, aviação civil e assim por diante.

Enfim, a tecnologia permitirá agilização, segurança e transparência nas atividades cartoriais, mas a ação não estará completa se não houver boa educação para recepcionar e prestar bom serviço ao cidadão, independentemente da condição econômica e social que ele portar, não considerando se do outro lado do balcão está um ser humano de terno e gravata ou de camisa e chinelo.

Não se pode deixar prevalecer o retrato traçado por Noel Rosa sobre os Cartórios:

"Espera mais um ano que eu vou ver

Vou ver o que posso fazer

Não posso resolver nesse momento,

Pois não achei o teu requerimento".

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA, corregedor das Comarcas do Interior


 

 

 

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