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O novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e a propriedade intelectual

É imprescindível que o SBDC volte suas atenções não apenas para as condutas anticompetitivas, mas igualmente para os atos de concentração que visam exclusivamente a obtenção de portfólio de patentes.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Atualizado em 1 de junho de 2012 14:10

A primeira lei federal a inaugurar a tutela da livre concorrência foi editada sob o nº 4.137 no ano de 1962 e tinha como objeto apenas a repressão ao abuso ao poder econômico, sendo omissa quanto à utilização da Propriedade Intelectual, gênero da Propriedade Industrial e do Direito Autoral, como instrumento para distorção do equilíbrio competitivo.

A norma que a sucedeu, conhecida como Lei Antitruste (lei federal 8.884/1994), reconheceu a Propriedade Intelectual como elemento competitivo relevante e considerou como infração à ordem econômica o ato de açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual, sendo esta a única menção expressa sobre o tema.

No objetivo de aprimorar o ambiente concorrencial brasileiro, que reconhece a inter-relação entre a Propriedade Intelectual e o Direito Concorrencial como instrumento de garantia para inovações, foi editada a lei federal 12.529/2011 ("Nova Lei do CADE"), que, de forma inédita no direito pátrio, tipifica a conduta de exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca, podendo ainda recomendar ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial que proceda o licenciamento compulsório da propriedade de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito.

Não bastasse a punição decorrente das condutas anticompetitivas, a Nova Lei do CADE também permite que os Atos de Concentração que envolvam ativos intangíveis possam culminar no licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual quando o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica entender que o mercado poderá ser afetado de forma nociva.

Anteriormente a essa previsão, sob a vigência da Lei nº 8.884/1994, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica já havia recomendado, de forma coercitiva, a alienação de ativos marcários como condição para a aprovação de atos de concentração.

Não obstante essas atuações, as intervenções do CADE, agora denominado de TADE, poderão se dar nos contratos de licenciamento de forma mais eficiente. A prática mercantil tem demonstrado que o licenciamento cruzado de patentes, os licenciamentos do tipo patent pools, nos casos em que a alienação de determinada tecnologia está condicionada à aquisição de outras subsidiárias, e as cláusulas de retrocessão obrigatória, as quais obrigam o licenciado a converter ao licenciante os benefícios advindos de sua melhoria, são formas de restrição à livre concorrência presentes nos Atos de Concentração.

Contudo, a evolução normativa por si só é insuficiente para garantir a livre concorrência e o correto uso da vantagem competitiva assegurada aos titulares das Propriedades Industriais.

É necessário que o Novo CADE se atente para o fato de que as grandes corporações estão cientes de que, no século da tecnologia, o valor agregado dos bens tangíveis não superou a importância mercadológica e estratégica da Propriedade Intelectual e do Direito Autoral.

Futuramente, o domínio do mercado se dará por meio das marcas, patentes, desenhos industriais que permitirão a manutenção do status quo e até sua expansão.

Desse modo, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência deverá desenvolver novos métodos de análise, formas de abordagem e parâmetros de referência capazes de mensurar o mercado relevante com precisão, visto que sua delimitação é imprescindível para apuração das eventuais condutas anticompetitivas.

É necessário que o Tribunal verifique se as mútuas alienações de patentes não são instrumentos para obstaculizar o ingresso de concorrente no mercado e se constituam em intransponível barreira à entrada de novos agentes econômicos.

Nos Estados Unidos, empresas de software têm adquirido empresas detentoras de milhares de patentes de hardwares que podem constituir risco ao mercado e aos consumidores, pois permitem que a adquirente monopolize um determinado sistema operacional e o seu suporte físico, por exemplo.

Um caso a ser mencionado é o da Google que recentemente adquiriu a Motorola Mobility e com ela obteve a titularidade de 17.000 patentes e milhares de aplicativos, o que implica aumento do poder econômico no mercado de tecnologia e smartphones.

Por essas razões é imprescindível que o novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência volte suas atenções não apenas para as condutas, mas igualmente para os Atos de Concentração que envolvam determinados ativos intangíveis, cujos reflexos possam impactar a manutenção da livre concorrência. O SBDC deve munir-se de um arsenal capaz de reconhecer e neutralizar os Atos de Concentração que visem exclusivamente à obtenção de um portfólio de patentes, com o intuito de garantir uma reserva de mercado predatória à inovação.

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* Ari Marcelo Solon é professor de Filosofia do Direito da USP e FADISP e advogado do escritório França Ribeiro Advocacia

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