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Violação da correspondência do goleiro Bruno

A violação do sigilo de correspondências é autorizada em nome da segurança pública?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Atualizado em 18 de julho de 2012 09:40

Uma carta escrita pelo goleiro Bruno Fernandes, preso na Penitenciária Nelson Hungria, em Belo Horizonte, acusado de sequestrar e mandar matar sua amante Elza Samudio, foi interceptada por um agente penitenciário. A missiva tinha como destinatário Luiz Romão, conhecido por "Macarrão", a quem pedia que assumisse a responsabilidade em seu lugar. Trata-se, segundo a doutrina, de um crime de dupla subjetividade passiva, pois remetente e destinatários são simultaneamente sujeitos passivos do crime.

A pergunta que se faz é a respeito da possibilidade ou não de se quebrar o sigilo de correspondência, previsto no artigo 5º, XII, CF/88 (sendo cláusula pétrea, portanto).

Num primeiro momento a Constituição Federal traz, em seu extenso rol dos direitos e garantias individuais (art. 5º - direitos fundamentais), uma proteção ao sigilo das correspondências e outras modalidades, de forma a garantir ao cidadão uma ampla proteção frente à atuação estatal.

Desta forma, há sempre que se observar, ante o extenso número de direitos fundamentais, que não existe sobreposição de um direito fundamental sobre outro. Ou seja, não há um direito fundamental que tenha valor axiológico maior que outro: todos estão no mesmo plano de fundamentalidade. Vale para os direitos também a regra da igualdade.

Assim, se ocorrer como no caso concreto, uma aparente oposição entre eles, deve o magistrado ponderá-los a fim de atingir o verdadeiro alcance da norma (mens legis). O símbolo do Direito ostentado pela deusa Themis é a balança, que vai dar o equilíbrio necessário.

Um dos valiosos instrumentos de ponderação de que pode se valer o juiz é o princípio da proporcionalidade: o juiz deve sopesar os interesses dos envolvidos, de forma a balancear os direitos fundamentais que porventura se aparentam conflitantes.

Com efeito, com base no princípio da proporcionalidade, o juiz pode afastar a inviolabilidade do sigilo de correspondência, desde que haja um interesse justificável para tanto.

O próprio STJ já se manifestou em outro caso semelhante:

Não há falar em sobreposição de um direito fundamental sobre outro. Eles devem coexistir simultaneamente. Havendo aparente conflito entre eles, deve o magistrado buscar o verdadeiro significado da norma, em harmonia com as finalidades precípuas do texto constitucional, ponderando entre os valores em análise, e optar por aquele que melhor resguarde a sociedade e o Estado Democrático.

Os direitos e garantias fundamentais, por possuírem característica essencial no Estado Democrático, não podem servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas, razão por que não vislumbro constrangimento ilegal na captação de provas por meio da quebra do sigilo de correspondência, direito assegurado no art. 5º, XII, da CF, mas que não detém, por certo, natureza absoluta (STJ - HC 93874/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE, 2/8/2010.)

Imagine-se, por exemplo, que uma pessoa de fora do presídio esteja se comunicando com os presos, por via de correspondência, para acertar a prática de um crime contra uma autoridade. Ou, até mesmo no interior do presídio, como no caso presente, para alterar as provas até então existentes.

O STF assim já se manifestou, demonstrando que se faz necessária a ponderação de valores:

A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da lei 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. (STF - HC 70814/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello.)

Parece ser extremamente aceitável que seja autorizada a violação deste sigilo, constitucionalmente protegido, haja vista a existência de um valor maior: a segurança pública; o interesso público, coletivo. Um bem menor, mesmo que tenha relevância individual, não pode prevalecer diante de um que seja infinitamente superior, de cunho coletivo.

No caso em comento, também parece bastante justificável o afastamento da inviolabilidade do sigilo epistolar. O interesse público de reprimenda aos crimes deve se sobrepor ao sigilo de correspondência.

Por fim, e não menos importante, não se pode esquecer de que não existe nenhum direito fundamental absoluto. Todos, sem qualquer tipo de exceção, admitem restrição, desde que seja ela, evidentemente, razoável (por exemplo, até mesmo o direito à vida pode ser sacrificado, quando se está diante de uma situação comprovadora de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito).

O interesse público fala muito mais alto e pode sim se sobrepor aos direitos e garantias fundamentais para evitar que sejam utilizados de forma inadequada e criminosa.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e reitor da Unorp






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