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Perplexidades do regime constitucional do subsídio

A Magistratura Federal vem agregando responsabilidades jurisdicionais e administrativas sem a devida contraprestação pecuniária.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Atualizado em 1 de agosto de 2012 09:32

Com o propósito de limitar altos salários e conferir transparência, a Emenda Constitucional 19/98 fixou o teto remuneratório no serviço público, estabelecendo que qualquer estipêndio não poderia exceder o subsídio mensal dos Juízes do STF, considerado como tal parcela salarial única, proibindo-se acréscimo de qualquer outra espécie remuneratória (gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, etc.), em regime obrigatório para todos os agentes políticos e facultativo para os servidores públicos. No ano de 2003, a Emenda Constitucional 41 reforçou a exigência ao criar subteto na esfera estadual e municipal.

Não custa lembrar, todavia, que a instituição do subsídio, com fixação de teto e subteto, foi necessariamente atrelada ao compromisso político de reposição inflacionária, sob pena de se retirar a eficácia de regras constitucionais expressamente mantidas: a própria revisão anual e a irredutibilidade dos vencimentos. Nada obstante, questões políticas e jurídicas relevantes surgiram logo após a alteração constitucional.

Sem dúvida, a primeira delas foi a competência de iniciativa conjunta para envio do projeto de lei de subsídio conferida aos Presidentes do STF, da República, do Senado e da Câmara. A fórmula se mostrou insuperável diante da resistência pública do então Chefe do Senado, o que impediu por cinco anos a regulamentação e comprimiu os vencimentos do serviço público de tal forma que a Emenda Constitucional 41/2003 promoveu nova alteração para eliminar a competência conjunta. Apenas em julho de 2005, com a lei 11.143, foi implantado integralmente o regime de subsídio. Novos questionamentos ressurgiram, então.

Se se trata de parcela única, que deve englobar qualquer espécie remuneratória, como tornar compatível o subsídio com o recebimento do "adicional" de férias e da "gratificação" natalina, vantagens asseguradas pela própria Constituição Federal na forma de direitos fundamentais individuais, portanto, que sequer podem ser objeto de proposta de emenda constitucional?

Mais: a Constituição Federal admite a cumulação remunerada de cargos públicos, com submissão, porém, ao regime de subsídio de teto constitucional. Daí os magistrados do STF até poderiam ser professores na Administração Pública, desde que trabalhassem gratuitamente? Ainda: deveria ser gratuito o exercício da jurisdição no Tribunal Superior Eleitoral pelos Juízes do STJ e do STF? E a retribuição pelo serviço prestado fora do horário normal de trabalho, constitucionalmente assegurada como "adicional" de hora extra?

Além disso, as vantagens de caráter indenizatório e vinculadas ao exercício do cargo público estariam alcançadas pela parcela única que engloba qualquer espécie remuneratória? Assim, um magistrado teria direito a ajuda de custo para cobrir despesas com instalação na sede da unidade jurisdicional? E a indenização de auxílio-moradia assegurada a todos os servidores públicos? Incidiria o princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa?

Novas perplexidades brotaram com a edição das leis 10.910/2004 e 11.358/2006 instituindo o regime de parcela única para diversas categorias de servidores públicos federais: Auditoria da Receita Federal do Brasil, Auditoria-Fiscal do Trabalho, Procuradoria da Fazenda Nacional, Advocacia da União, Procuradoria Federal, Defensoria Pública da União, Procuradoria do Banco Central do Brasil, Polícia e Rodoviária Federal. A "gratificação" pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, prevista na lei 8.112/90, não poderia ser recebida por tais servidores? O serviço seria gratuito, já que os decretos 6.061/2007, 7.392/2010 e 7.482/2011 permitem que tais agentes públicos ocupem essas funções? As diárias e o auxílio-alimentação estariam proibidos, ainda que de natureza indenizatória?

Em 09.10.2009, a lei 12.041 estabeleceu novos valores para o subsídio de modo claramente insuficiente, pois não houve recomposição integral do poder de compra corroído pela inflação oficial calculada desde fevereiro janeiro de 2006, circunstância agravada até hoje pela ausência de nova reposição monetária desde fevereiro de 2010.

Antes, porém, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3854 já havia julgado em 28/2/2007 inconstitucional o subteto no ponto em que fixou limites diversos entre a Magistratura Federal e Estadual, invocando, com acerto, a isonomia e o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário.

Em 2010, após cinco anos de vigência plena do regime de subsídio, o Decreto Legislativo 805 fixou o subsídio mensal dos parlamentares federais, da presidência e vice-presidência e dos ministros, igualando-o ao de magistrado do STF, o que não impediu, todavia, o pagamento regular de outras vantagens remuneratórias que ultrapassam consideravelmente o teto fixado: cota mensal de passagem aérea, jetons por participação permanente em conselhos de administração, diárias, auxílio-moradia, 14º e 15º subsídios, cumulação de aposentadoria com subsídio. Há impedimento constitucional para tanto?

Diante de tal cenário, o certo é que a Magistratura Federal vem trabalhando de forma gratuita ao prestar serviço extraordinário em plantões e na cumulação de unidades jurisdicionais, ao administrar colegiados, escolas de formação e aperfeiçoamento, diretorias, comissões e quejandos, implicando mais responsabilidade jurisdicional e administrativa sem a devida contraprestação pecuniária. Tampouco tem recebido determinadas verbas indenizatórias regularmente pagas a quem igualmente é remunerado em parcela única. Será que tal interpretação restritiva do regime de subsídio vale para a Magistratura Federal e não vale para outras carreiras? Qual a constitucionalidade de tratamento tão diferenciado, quando a própria Constituição Federal fixa a Magistratura como referência para a remuneração do serviço público?

Sintomático, portanto, que tal status quo tenha começado a ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Originária 1725, quando decisão monocrática da Relatoria manteve o pagamento do auxílio-alimentação determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), invocando simetria plena com o Ministério Público e compatibilidade do regime de subsídio com vantagens ordinária e regularmente pagas aos demais trabalhadores em geral. Seguirá, porém, o Plenário o entendimento, de modo a assegurar a devida valorização e o respeito institucional à Magistratura Federal? Que nova perplexidade surgirá de um julgamento contrário? A manutenção de uma realidade injusta e discriminatória pelo guardião da Constituição?

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*Gilton Batista Brito é juiz Federal.






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