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Angústias

Analucia Rea

A membro do Jurídico de Saias fala sobre a decisão de engravidar. Quando o planejamento - ou a falta dele - deve incluir até a empresa onde trabalha, como se membro da família fosse.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Atualizado em 31 de janeiro de 2013 13:18

 

O mundo mudou. A participação das mulheres no mercado mundial, em especial no nosso país, cresce a cada ano, isso é inegável. Pouco a pouco as diferenças salariais vão diminuindo, o respeito às mulheres cresce a olhos vistos. Já somos maioria, por exemplo, nos departamentos jurídicos de empresas.

 Estatísticas a este respeito, encontramos às centenas. Mas, e as angústias? Será que diminuíram? A julgar pelas conversas com as colegas, no início de carreira ou em posições consolidadas, solteiras ou casadas, com ou sem filhos, em escritórios ou empresas, não - as angústias continuam as mesmas. A questão da dupla ou tripla jornada, a educação dos filhos que acabam sendo terceirizadas para vovós, babás, creches e afins, a casa que fica abandonada, porque mesmo as que têm o privilégio de ter empregada, nunca estão presentes e sabe-se que a máxima "olho do dono é que engorda o gado" é muito verdadeira! Sem falar no romance que não podemos olvidar, o clima de sedução, a chama, me digam, por favor, quem consegue manter tudo sob controle?

E por isso resolvi escrever este texto. E não o considerem como um desabafo puro e simples, mas como uma forma de abrir meu coração, ainda que com um risco de exposição, para que as pessoas que lerem esse texto possam se sentir um pouco menos sozinhas ou angustiadas. Uma espécie de terapia em conjunto que tanto tranquiliza as mães em consultórios pediátricos ouvindo relatos similares de outras mães, ou as pessoas que se organizam em blogs sobre determinado tema, encontrando alívio em ver que não estão sozinhas...

No fundo, é interessante (e um pouco sádico até!) como reconforta saber que outras pessoas passam pelos mesmos tipos de problema que nós.

Mas a angústia específica de que vim tratar é a que ronda o assunto gravidez. É a segunda vez que passo por isso. Na primeira, combinei com minha gestora que tinha a intenção de engravidar e por mais compreensiva que ela fosse, a angústia já me rondou naquele momento e imagino que vocês irão se identificar, avisar a (o) chefe que você pretende engravidar: que momento fazer? Qual a melhor forma? Será que é a hora certa de tomar essa decisão? Mas será que se não engravidasse agora, a minha chance de ser promovida não aumentaria? E assim por diante... Assim, a decisão de engravidar, não é simplesmente uma decisão que podemos tomar com o único verdadeiro interessado e afetado na história, o cônjuge, não, precisamos participar à empresa, como se membro da família fosse!

E agora, nesta segunda gravidez, veio a surpresa, não houve planejamento, não tive a chance de avisar à gestora, pelo contrário, tinha menos de um mês de empresa quando descobri que depois de quase 7 anos do nascimento da primeira, quando não mais pensava no assunto, virá um (a) segundo (a). Não consigo nem relatar o que passei: pânico, rejeição, desespero, medo, angústia, enfim... e agora, o que faço? Como vou contar? Peço demissão? A empresa não merece, isso não é justo, vou pedir demissão... mas eu também não mereço ficar desempregada, não fiz de propósito...  Estou em período de experiência, posso ser demitida, se for, ficarei, ao menos, 1 ano desempregada e agora? Por que comigo? Como pôde acontecer? Como faço para não manchar minha reputação? Conto? Espero? Escondo? Como eu conto?

O fato é que durante 15 dias, só sofri com uma notícia que tinha tudo para ser uma notícia feliz! Preocupação em excesso? Penso demais na carreira? Neurose? Podem chamar de tudo, mas até as mais despreocupadas devem ter uma história para contar neste sentido. Se não antes, no preparatório, ou ao saber da notícia, fatalmente sofrerão em alguma medida a angústia e o medo de não saber se tudo estará nos seus devidos lugares na volta da licença.

Terei meu lugar na volta? Será que vou ficar para escanteio? Será que serei substituída? Será que sentirão minha falta? 

Já ouvi de um chefe, por exemplo, que mulher que engravida não merece bônus ou PLR, o filho já é o bônus... Engraçado como estas pessoas esquecem que vieram ao mundo graças às suas mães, que deles engravidaram... Quantas amigas voltaram da licença e foram demitidas.

Mas a boa notícia é que apesar de toda a angústia que passei, minha sinceridade foi reconhecida e o final foi de novela. Ouvi após alguns dias de um CFO homem: esta empresa presa de verdade o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. E não há exemplo mais mágico na vida pessoal de uma mulher que este momento da gestação e disse: estamos felizes com sua gravidez! Emendou ainda que foi inesperado sim, mas que seria apenas mais um desafio na minha trajetória aqui na empresa.

Depois disso, o alívio, alegria e finalmente, a chance de curtir a minha gravidez!

E quando chegar à metade da licença maternidade, começar a sofrer de novo com a volta, com quem largar a cria, como pegar o ritmo de trabalhar novamente, administrar o ciúme da mais velha, babá, empregada, logística de casa da avó, escolinha, 2 crianças, marido, a piração pela proximidade dos 40... E, acima de tudo, fazer por merecer o voto de confiança dado pela empresa e trabalhar muito!

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* Analucia Rea é advogada, gerente jurídica da empresa Sona Sierra e membro do Jurídico de Saias







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