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Em pauta: fidelidade partidária e cláusula de barreira

Henrique Campos Galkowicz

Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 4470/12, que acrescenta algumas regras na distribuição de verbas e do tempo de rádio e televisão no horário eleitoral gratuito.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Atualizado em 25 de abril de 2013 13:36

Tramita no Congresso o 4470/12 (PLC 14/13), de autoria do deputado Edinho Araújo (PMDB/SP), que acrescenta algumas regras na distribuição de verbas do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão no horário eleitoral gratuito. Tal projeto tem sido objeto de amplo debate parlamentar e grande divulgação na imprensa brasileira, haja vista que institui restrições para a criação de novos partidos políticos e, com isso, dificulta sobremaneira a participação de partidos recém-criados, como o Rede Sustentabilidade e o PMD - Partido da Mobilização Democrática, nas eleições de 2014. Afinal, uma vez aprovado esse projeto, a distribuição das verbas do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão deverá ocorrer apenas na proporção dos parlamentares eleitos pela sigla, devendo ser desconsiderados os mandatos decorrentes de mudanças de filiação partidária. Em outras palavras, os novos partidos não poderão se valer (para a distribuição das referidas verbas e tempo de comunicação) dos mandatos de parlamentares que deixaram os partidos pelos quais foram eleitos e aderiram aos novos projetos partidários.

Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto seguiu para apreciação do Senado. Entrementes, foram ajuizados perante o STF mandados de segurança visando interromper o processo legislativo do projeto que, segundo os autores de tais ações, seria inconstitucional. No dia 24 de abril, o ministro Gilmar Mendes concedeu medida liminar monocrática no MS 32033, impetrado pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), de modo a suspender o trâmite legislativo do projeto. Em sua fundamentação, o ministro afirmou que se trata de um projeto "casuisticamente forjado" para restringir direitos fundamentais de grupos políticos minoritários, o que configura "nítida situação de abuso legislativo". No momento em que deliberar sobre o mérito do mandado de segurança, o STF receberá a influência de dois grandes precedentes do próprio tribunal, os quais, contraditórios entre si, demandarão uma escolha.

De um lado, existe a jurisprudência do STF que reconhece a inconstitucionalidade de "cláusulas de barreira" que possam impedir o surgimento de novos partidos. Quando julgou essa matéria, em 7 de dezembro de 2006 (ADIn 1.351/DF), os ministros deliberaram, por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da lei 9.096/95 que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, reduziam o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário. Apesar da variedade de argumentos utilizados, pode-se dizer que, em suma, o colegiado considerou tais cláusulas "antidemocráticas".

Por outro lado, no julgamento de processos sobre a infidelidade partidária (MS 26.602/DF, MS 26.603/DF e MS 26.604/DF) o STF decidiu que a permanência do congressista no partido pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Ou seja, definiu que, no nosso sistema eletivo proporcional (em que há necessidade de filiação partidária para participação nas eleições, e onde as vagas no Congresso são preenchidas segundo o coeficiente eleitoral obtido pelo partido), o "titular" do mandato é, na verdade, o partido político, e não o candidato eleito. Nesse sentido, a troca de partidos sem justa causa implica na perda do mandato, o qual permanece com o partido pelo qual o congressista se elegeu. É certo que no mesmo julgamento o tribunal consignou que, na hipótese de mudança programática ou ideológica do partido, a troca de legendas fica autorizada. Entretanto, esta exceção apenas confirma a regra de que a permuta de partidos implica na perda do mandato.

Disso tudo se infere que, pelo prisma da jurisprudência do tribunal sobre a "cláusula de barreira", existe o juízo de que a vedação ao acesso de novos partidos ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito viola o princípio democrático, o que levaria à conclusão de que os novos partidos devem ter acesso a tais direitos na proporção do número de parlamentares da sigla. Já pelo prisma dos julgamentos sobre a "infidelidade partidária", existe a ideia de que o partido é o verdadeiro "dono" da cadeira no Congresso e de que o parlamentar, em regra, não tem a "portabilidade" do mandato, raciocínio que, aplicado ao projeto de lei ora examinado, levaria à conclusão de que a nova regra é constitucional e, portanto, que o tempo de horário eleitoral gratuito e a participação no Fundo Partidário devem remanescer com o partido original.

A relevância da questão mostra-se hialina, haja vista que, recentemente, o STF conheceu da matéria quando analisou as consequências da criação do PSD para fins de distribuição de verbas do Fundo Partidário e do tempo de rádio e televisão (ADIn 4795/DF e ADIn 4430/DF). Nestas ações, o tribunal decidiu que os novos partidos teriam direito a uma participação proporcional ao seu número de parlamentares, devendo ser considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos originais (pelos quais foram eleitos) para as novas legendas. Um dos principais fundamentos para tal decisão foi de que a criação de novos partidos configura uma justa causa para a mudança de legenda, o que denota a priorização da liberdade de criação partidária em detrimento da intrínseca vinculação entre os mandatos parlamentares e os partidos políticos. Tal decisão parece indicar a solução a ser dada pelo STF no caso em exame. No entanto, deve-se observar que, agora, existirá lei regulando a matéria, e de modo contrário a este entendimento.

Seja lá qual for a decisão do STF, existirão problemas. Se fizer valer a liberdade de criação de novos partidos e julgar inconstitucional a manutenção dos direitos do partido original sobre o fundo partidário e o tempo de rádio e TV, haverá uma quebra da relação entre partidos e mandatos, o que foi objeto de tutela do STF nos citados casos de infidelidade partidária. Noutro giro, se reconhecer a constitucionalidade das restrições previstas no projeto em exame, o Supremo Tribunal Federal entrará em claro confronto com a própria jurisprudência, que anteriormente inadmitiu, por antidemocráticas, tais restrições.

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* Henrique Campos Galkowicz é advogado e sócio do Frullani, Galkowicz & Mantoan Advogados.

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