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Investigação sem Controle Judicial afronta o Estado de Direito

José Roberto Manesco e Diego Gonçalves Fernandes

A PEC 37 poderia se chamar "PEC do Estado de Direito", já que o Estado de Direito não permite que um órgão seja hipertrofiado em detrimento do sistema constitucional de pesos e contrapesos.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Atualizado em 14 de maio de 2013 15:26

A PEC 37, de autoria do deputado federal Lourival Mendes, propõe a inclusão na CF/88 de dispositivo que prevê ser privativa das polícias civis dos Estados e do DF e da polícia Federal a competência para a apuração de infrações penais. Muito embora a proposta não traga inovações ao texto constitucional, ela reacende a velha discussão sobre a legalidade das investigações penais promovidas pelo Ministério Público.

O centro do debate está no texto do art. 144 da CF/88, segundo o qual a segurança pública será exercida por meio de órgãos nominalmente determinados, cabendo à polícia federal e à polícia civil a competência para apurar infrações penais.

Para os opositores da PEC 37/11 os fatos se sobrepõem às leis. Apontando para casos muito particulares, como o do "Bar Bodega" ou, mais recentemente, o do "Mensalão", os defensores da investigação pelo MP alegam que a manutenção dos poderes investigatórios em matéria penal nas polícias aumentaria a impunidade, eis que esses órgãos seriam pouco eficazes no exercício de suas competências.

Contudo, a repressão criminal é, na realidade, um sistema, em que cada instituição está interligada às demais. Naquilo que se refere ao MP, a CF/88 lhe atribui, dentre outras, a competência para promover, privativamente, a ação penal pública, conferindo amplos poderes para provocar a instauração de inquérito policial, pelo que pode, até mesmo, requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias em inquéritos já instaurados. No mais, não há qualquer previsão de que o MP possa exercer atividade investigatória que não seja por meio de um procedimento administrativo instaurado e presidido por autoridade policial, tudo sobre o controle vigilante do Poder Judiciário.

Esta limitação à atuação do MP na fase investigatória se justifica na medida em que a acusação deve se dar sob um fundamento objetivo, obtido em procedimento com controle jurisdicional. Do contrário, estar-se-ia inaugurando procedimento por meio do qual uma acusação poderia ser pré-concebida, cabendo à fase de investigação apenas produzir provas que venham a apenas confirmá-la, distanciando-se do princípio da verdade material, que obriga a objetividade e impede subjetivismos. Dito de outra forma: da mesma maneira que existe a "conta de chegar", em que o interessado determina as parcelas apenas para obter um resultado já previamente estabelecido, haveria a "prova de chegar", produzida apenas para saciar o desejo de se acusar alguém. Ou seja, o sistema penal brasileiro flertaria com aquilo que Günther Jakobs chama de "direito penal do inimigo", em que a persecução criminal se torna mera formalidade para se perseguir sujeitos ou grupos de determinada sociedade.

Afora isso, não se pode admitir, como ocorria com o SNI - Serviço Nacional de Informações, órgão da ditadura militar, que possam existir "investigações secretas", no interior do MP ou de qualquer outro órgão, sem conhecimento e controle do Judiciário. Este fato se agrava pelas recentes notícias de que o MP tem adquirido equipamentos sofisticados chamados "Sistema Guardião" em que é possível a interceptação simultânea de centenas de linhas telefônicas.

Logo se percebe que a PEC 37/11 não faz jus à pecha que lhe foi dada de "PEC da Impunidade". Na verdade a PEC poderia se chamar "PEC do Estado de Direito", já que o Estado de Direito não permite que um órgão seja hipertrofiado em detrimento do sistema constitucional de pesos e contrapesos, em que uma instituição é controlada pela outra, gerando equilíbrio.

Além disto, deve-se apontar que a discussão acerca dos poderes investigatórios do MP relega a segundo plano a necessidade de reformas profundas nos órgãos de segurança pública, inclusive com o aumento de sua eficiência e da necessidade de seu respectivo controle, este último, inclusive, constitucionalmente também papel do MP. Ao invés da hipertrofia do MP, seria o caso de se viabilizar polícias melhores, mais equipadas, remuneradas dignamente, mais modernas e mais controladas.

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* Diego Gonçalves Fernandes é advogado e José Roberto Manesco é sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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