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Novos tribunais: necessários ou desnecessários? E a PEC 33?

A leitura do livro de Berggruen e Gardels nos anima a sugerir fim do Senado, entrando em seu lugar uma Câmara Alta composta de gente escolhida por mérito e que só lute pelos interesses da nação.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Atualizado às 13:26

A leitura do livro de Berggruen e Gardels (Governança inteligente para o século XXI, 2013), que compara a governança da democracia liberal norte-americana com a meritocracia chinesa, nos anima a sugerir, para a governança futura do Brasil, o fim do Senado, entrando em seu lugar uma Câmara Alta composta de gente escolhida por puro mérito (sem ficha suja, cidadão honorável, não corrupto, não ligado a interesses privados ou partidários etc.) e que só lute pelos interesses da nação (jamais os pessoais ou partidários).

Não se trataria de um órgão eleitoreiro, sim, político e governamental, na sua mais legítima e bela expressão filosófica (tal como imaginava Platão). O campo das disputas políticas ficaria restrito à Câmara dos Deputados (como representantes da soberania da população).

A Câmara Alta (ou Altíssima), que só deve pensar nos interesses do país e do povo, cumpriria incontáveis papeis de equilíbrio e proporcionalidade, dentre eles o de resolver os desentendimentos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Uma proposta indecente e indecorosa, como a PEC petista 33, que subordina decisões do STF ao crime do Legislativo, seria imediatamente sufocada por essa Câmara Alta, que atuaria da forma mais independente impossível. Nem sequer teria tramitação, porque a Câmara Alta teria obrigação de preservar o Estado Direito, evitando qualquer tipo de atentado aos seus fundamentos (dentre eles, o da convivência harmônica entre os poderes).

A criação de novos tribunais federais, cuja emenda constitucional está pendente de promulgação, seria um tema para sua análise objetiva, valorando os prós e os contras (sem perder de vista inclusive o aspecto formal). Os juízes conseguiram a aprovação da emenda. O presidente do STF se posicionou contra. O presidente do Senado está analisando. Ocorre que o presidente do Senado é um político. Todas as suas decisões são pautadas, sobretudo, pela sua sobrevivência, ameaçada inclusive por vários processos criminais. Esse não seria nunca o caso da Câmara Alta, que não teria que agradar ou desagradar ninguém, vendo somente o interesse do país.

O que essa Câmara Alta analisaria, dentre outros aspectos?

Os pontos positivos e os negativos. Quanto aos primeiros: aumentaria a arrecadação nas execuções fiscais, agilizaria a execução de decisões, mais celeridade aos processos, diminuição da distância e do custo elevado de deslocamento até os tribunais, desafogaria os TRFs já existentes, poderia diminuir a demora na tramitação dos processos que envolvem a União etc. Estudo da Ajufemg - Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais revela um imenso gargalo entre a primeira instância, sediada nos estados, e a segunda instância, em Brasília. Desde 1989, a primeira instância, presente em 214 municípios, cresceu 470%. Até 2014 chegará a 273 cidades, o que representará um crescimento de 606%. Entre 1989 e 2010, a segunda instância continuou com os cinco tribunais e o número de desembargadores aumentou 89%, passando de 74 para 139. Argumenta-se que há necessidade de expansão da JF.

Em relação aos pontos negativos (lançados na mídia): o impacto financeiro da medida, que será de cerca de R$ 8 bilhões (esses números são questionáveis), implica censurável aumento de despesas e é inconstitucional (esse aspecto formal é bastante sério). Para os peemedebistas, a iniciativa da criação de tribunais teria que partir do Judiciário. Isso também defendido pelo Governo. A EC não poderia ser promulgada, pois viola cláusula pétrea, particularmente a que cuida da separação dos poderes, já que a iniciativa legislativa para a criação de tribunais incumbiria exclusivamente ao Poder Judiciário. O Planalto teme ainda que a promulgação da medida abra as portas para a aprovação de outros nove tribunais que estão na pauta do Congresso. A iniciativa padece de vício formal, uma vez que os textos aprovados na Câmara e no Senado são distintos.

Grupos de procuradores alertam que representantes da classe ou parlamentares favoráveis à medida poderão entrar no STF com mandado de segurança contra Renan Calheiros por ato omissivo. Argumentam que o presidente do Senado não tem poder discricionário para fazer sua vontade prevalecer sobre dois terços do Congresso, que foram favoráveis à aprovação da PEC.

Superada a questão formal (iniciativa do Poder Judiciário), mesmo assim se trata de um tema bem complicado que ficaria melhor sob a análise de uma Câmara Alta suprapartidária e impessoal, fundada na moralidade e na exemplaridade pública (ou seja: na meritocracia).

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* Luiz Flávio Gomes é jurista e professor fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

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