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Justiça feita

Em 2011, o saudoso Saulo Ramos resolveu brindar Ribeirão Preto, sua terra por adoção, adquirindo um terreno no Jardim Canadá, para ali edificar o seu escritório de advocacia.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Atualizado às 09:42

No ano de 2011, o meu querido e inesquecível amigo Saulo Ramos resolveu brindar Ribeirão Preto, sua terra por adoção, adquirindo um terreno na avenida Carlos Cansoni, Jardim Canadá, para ali edificar o seu escritório de advocacia, marcando com a edificação, a sua presença de amor pela cidade, cuja letra do bé de sua autoria.

Iniciadas as obras da construção do escritório, fomos surpreendidos com uma Ação de Nunciação de Obra Nova proposta pela Sociedade Amigos do Canadá 1-A. Prontamente se verificou que a inicial era inepta, além de elaborada com evidente má-fé, por omitir, propositadamente, a lei municipal complementar 2.157/07 que, ao fixar o parcelamento, uso e ocupação do solo urbano de Ribeirão Preto, deixou expresso que as avenidas que cruzam aquele bairro são destinadas ao uso misto, isto é, residencial e comercial.

O pedido de liminar para o embargo da obra foi, justamente, negado pelo honrado M. juiz da 3ª vara Cível desta comarca de Ribeirão Preto, em fundamentado despacho. Inconformada, a referida Associação, sob o patrocínio do mesmo advogado, deu entrada com Agravo de Instrumento no egrégio Tribunal de Justiça e, mais uma vez, com idêntica má-fé, omitiu a existência da lei complementar municipal. Tal omissão acabou por levar a colenda turma julgadora ao erro de dar provimento ao recurso, para determinar a paralisação das obras de edificação do escritório. O acórdão está datado de 19 de dezembro de 2012 e a ele, mercê de requerimento da Associação, foi dado efeito imediato. Em consequência, as obras ficaram paralisadas, desde o mês de janeiro deste ano, sofrendo o escritório enormes prejuízos, sendo obrigado a arcar com o pagamento de todas as despesas já contratadas.

Situação esta que deixou o meu querido Saulo, já doente, a suportar enorme tristeza. Estava impedido de brindar a cidade eleita pelo seu coração de ter a edificação de seu escritório de advocacia, juntamente com o meu, a perpetuar a sua memória, abrigando a sua história de advogado fantástico e de partícipe direto de vários momentos políticos e constitucionais da história do Estado brasileiro. Tristeza que se estendeu a mim, meus filhos, seus queridos amigos e companheiros de escritório.

Aproveitou-se, nesse ínterim, o advogado da Associação a conceder entrevistas a jornal desta cidade e a portal jurídico, relatando sua "vitória", alardeando que a decisão no Agravo de Instrumento, em sede de liminar, de que o interesse particular do loteador prevaleceria sobre o interesse público, pouco importando o texto expresso da lei municipal específica. Para ele - advogado de estilo agressivo - nenhum valor possui recente acórdão unânime do colendo Conselho Superior da Magistratura que fixou orientação a todos os Ofícios de Registro de Imóveis do Estado, no sentido de que o interesse público prevalece sobre o interesse particular do loteador. Tristíssima realidade em aproveitar o erro de um acórdão, para dele tirar proveito em benefício próprio. O presidente da Associação, de seu turno, distribuiu circular aos seus associados, destilando ofensas ao meu saudoso Amigo Saulo, a mim e até mesmo aos honrados magistrados que tanto enobrecem o Poder Judiciário e de cambulhada, ofendeu a independência e a dignidade da magistratura.

Contra o acórdão, articulamos Embargos de Declaração com efeito modificativo, para que houvesse o restabelecimento do interesse público sobre o interesse particular do loteador e fosse dada a aplicação da lei municipal que a Associação, de má-fé, omitiu no Agravo de Instrumento, levando a colenda turma julgadora ao erro.

Pois bem, no último dia 12 de junho, a colenda 5ª câmara de Direito Privado, por v. acórdão unânime, entendeu que "compulsando os autos constata-se que, de fato, os embargos de declaração ora opostos, merecem ser acolhidos para empregar-lhes efeito modificativo e para o fim de enfrentar a questão trazida aos autos, também sob a égide da Lei Complementar Municipal n. 2.157-2007 (...) além das razões recursais ora deduzidas". Anota que referida lei complementar ao tratar do parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, "autoriza a edificação comercial na região". Além do mais, documentos, fotografias estampam a localização de estabelecimentos comerciais instalados na "mesma Avenida Carlos Consoni". Em suma, "esses documentos comprovam edificações comerciais no mesmo Jardim Canadá e na mesma avenida onde se situa o prédio objeto desse agravo".

Durante o julgamento, o nobre desembargador Gavazza Marques, em seu voto, cumprimentou o ilustre relator por haver corrigido uma injustiça que o egrégio TJ estava a cometer. Por votação unânime, a colenda turma julgadora restabeleceu a Justiça.

Foi uma pena que o nosso querido Saulo Ramos não tivesse a oportunidade, em vida, de vivenciar a Justiça feita. Todavia, a construção do escritório será restabelecida e teremos a oportunidade de brindar a cidade de Ribeirão Preto com um memorial em sua homenagem, para que todos conheçam um pouco mais sobre a sua vida de um fantástico Advogado, de um imenso Poeta, e que deu o testemunho de bondade, generosidade, amor ao próximo e à sua vocação de ser amigo.

Não poderia silenciar diante da atitude tomada pelo presidente da Associação e do advogado que a representa, durante esses meses em que exultaram com o erro da concessão de uma liminar para o embargo da obra, gerando enormes prejuízos, e que veio a cair no último dia 12, com a correta aplicação da lei, o restabelecimento do Direito e a proclamação da verdadeira Justiça.

Deus seja louvado, diante da memória perene de um Homem admirável!

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*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados

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